Se eu não tivesse batido a cabeça, jamais teria ouvido Blue Mitchell

“Graffiti Blues” é um disco solo do trompetista norte americano Blue Mitchell, lançado em 1973 via Mainstream Records.

Cerca de 5 anos atrás, este que vos escreve caiu e bateu a cabeça. Na época fiz todos os exames possíveis para monitorar a situação do meu crânio e aparentemente estava tudo ok, apesar da comoção familiar. No fim das contas não descobriram exatamente por que eu apaguei do nada e dei com a jaca no chão com mais força que o Zidane chifrou o Materazzi durante a final da copa de 2006.

Blue Mitchell

Mas deixando o boletim médico de lado, uma coisa é fato: se eu não tivesse testado a qualidade do paralelepípedo que aparou a minha cabeça no chão, posso garantir que jamais teria conhecido os encantos do Blue Mitchell, um trompetista de rara perícia e sensibilidade, principalmente na hora de tocar Blues e swingar no groove do Funk.

Essa versatilidade moldou seu estilo no Jazz, tornando seu som irresistível em certos projetos, possibilitando um livre trânsito entre os mais diversos estilos da música norte americana.

Renomado mestre do metal de Miles Davis, Blue (só para os chegados), tocou com tudo e todos. Sua versatilidade o tornou requisitado na cena e o resultado são diversos discos gravados para os mais célebres selos do Jazz, como o Blue Note, Riverside e Mainstream Records, por exemplo.

E mesmo que após a primeira audição do competente ”Graffiti Blues”, este que vos escreve ainda não tenha se ligado que já conhecia o senhor Mitchell, creio que mesmo assim valeu a pena fazer uma tomografia e um encefalograma, por que sem esse test drive do meu cerebelo é bem provável que meus ouvidos teriam sucumbido ao fino trato desse blend de grooves.

Line Up:
Blue Mitchell (trompete)
Don Bailey (gaita)
Herman Riley (flauta/saxofone)
Freddy Robinson (guitarra)
Joe Sample (piano)
Walter Bishop Jr (piano)
Darrell Clayborn (baixo)
Raymond Pounds (bateria)

Track List:
”Graffiti Blues”
”Yeah Ya Right”
”Express”
”Asso-Kam”
”Dorado”
”Alone Again (Naturally)” – Bônus da versão remaster
”Where It’s At” – Bônus da versão remaster
”Funky Walk” – Bônus da versão remaster
”Blue Funk” – Bônus da versão remaster

Graffiti Blues

Lançado em 1970 e três, esse disco não é muito bem cotado pela dita ”mídia especializada”. Segundo algumas resenhas que encontrei na rede mundial de computadores, ”Graffiti Blues” aparentemente não faz frente aos LP’s que antecedem esse registro, algo que de maneira nenhuma desqualifica esse trabalho, muito pelo contrário.

Aliás é engraçado como as resenhas levam discos anteriores em consideração… Parece que os discos de estúdio precisam emular algum tipo de sequência estética e isso é ridículo. É claro que é importante ter um referencial, mas por vezes é injusto fazer esse tipo de comparação, pois a abordagem muitas vezes varia de uma gravação para outra, caso contrario malhar o judas nessa trampo faria o mesmo sentido quanto dizer que tudo que o Sonny Rollins gravou depois do ”Saxophone Colossus” não presta, sendo que depois desse disco o mestre do sax tenor possui no mínimo mais 10 trabalhos elementares.

É necessário um pouco de cautela nas palavras, o fato desse disco não ter o mesmo peso que outras bolachas de outrora não o tornam detestável, e uma prova disso é a forma como esses temas conseguiram atravessar 40 anos de espaço tempo sem perder a relevância.

E para mostrar toda a destreza de seu fraseado, a faixa título já chega mostrando o que esse instrumental veio fazer. Gosto particularmente da sonoridade do baixo, guitarra e gaita nesse disco, considerando sua interação com os outros instrumentos que permeiam as passagens instrumentais. As linhas de gaita de Don Bailey dialogam muitíssimo bem com a guitarra de Freddy Robinson e o baixo de Darrell Clayborn. 

A abordagem musical é bastante calcada na experiência do Blue Mitchell, tocando ao lado do John Mayall, um dos maiores cânones da história do Blues britânico. Vale lembrar que é de Blue o trompete do clássico “Jazz Blues Fusion”, lançado em 1972. Como esse disco foi gravado na mesma época, essa ponte se faz muito necessária para justamente mostrar como essa cozinha foi construída.

Aliás preste atenção como é possível ouvir todos os instrumentos com bastante clareza. A riqueza sonora não se perde em meio a linhas emboladas e em temas como ”Yeah Ya Right” e ”Express”, é possível acompanhar tudo, desde a vigorosa batera de Raymond Pounds, até a interessante e ácida guitarra do já citado Freddy Robinson.

Jam instrumental pra ninguém botar defeito. Eis aqui um belo conjunto de longos e sinuosos temas, toneladas de variação, estupendas passagens de metais e um trompete que esbanja luz própria.

São vários climas, rola uma wah-wah apaixonante durante ”Asso-Kam”, belos slaps casando na gaita de ”Dorado” e incontáveis melodias para serem assoviadas meses a fio se você comprou a versão remaster do disco e recebeu fervorosas improvisos como ”Funky Walk” e ”Blue Funk” como bônus. E pensar que eu ouvia esse cara tocando com o John Mayall no ”Jazz Blues Fusion” e nem me ligava!

É meus amigos, foi um belo susto, mas são discos como esse que definitivamente mostram que vale a pena bater a cabeça em busca de petróleo e tomar 5 pontos na lajota. Lembro que encontrei esse disco, justamente fazendo uma pesquisa durante os dias que precisei repousar.

Durante a recuperação, fiquei muito irritado, pois não conseguia usar os fones de ouvido por muito tempo, em função dos pontos. Ouvi o “Graffitti Blues” durante semanas, sempre fracionado, pois não aguentava ficar com os fones por uma hora direto.

As coisas poderiam ter sido mais simples, mas pelo menos a história rendeu mais do que uma cicatriz. Sai do hospital groovando mais do que nunca, com um novo disco na jukebox, uma resenha na cabeça e um belo atestado para abonar a falta de uma lamentável segunda-feira.

Não é um disco que vai mudar os rumos da humanidade, mas é um set competente, acessível e que mostra a quantidade de camadas presentes na abordagem de um instrumentista muito competente.

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