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BK – Gigantes (2018) De Cassius Clay a Muhammad Ali!

BK – Gigantes (2018) De Cassius Clay a Muhammad Ali, o rapper lança em seu segundo disco uma obra que é um atropelo na mediocridade racista!!


O exercício do pensar demanda criatividade, criticidade, humildade e abertura para avaliações novas, e ouvir Gigantes (2018) novo disco do rapper carioca BK, é uma violência ao pensamento. Porque, por mais que estejamos preparados as linhas que o disco apresenta nos força a pensar sobre uma gama muito ampla de questões.

Uma operação milenar pode nos ajudar a não nos tornarmos gigantes, nos moldes daquele que foi cego por um Ulisses pequeno e astuto. “Meu nome é Ninguém”, foi a artimanha que o rei de Ítaca utilizou para cegar o enorme ciclope, utilizando sua ignorância como a fraqueza através da qual salvou a si mesmo e seu companheiros.

BK em seu segundo disco solo utiliza um procedimento inverso, direcionando toda a sua qualidade lírica e musical, a favor do coletivo. Um disco que de algum modo precede e antecede uma raça de gigantes, que com a malandragem da rua informada por uma visão racial e politica, quem sabe um dia virá a tona. Ao contrário, daqueles outros gigantes que outrora despertaram em nosso país.

O verso mais impactante de uma série gigante de linhas impactantes neste disco, é a chave primordial para se entender tudo que ali está: “Fui Cassius Clay voltei Muhammad”. Quem conhece a história dessa lenda do boxe norte americano sabe que a mudança de nome do Ali, vem junto a uma tomada de consciência. Tomada de consciência e posicionamento politico firme, coisas que estão escancaradas em Gigantes (2018).

Do lançamento de Castelos e Ruínas (2016), passando pelos dois EP’s lançados antes do disco, Antes dos Gigantes Chegarem Vol. 1 e 2, o que podemos perceber é uma evolução artistica gigante. Percebemos o perfeito alinhamento entre críticas, uma ironia muito bem humorada e a técnica impecavel. O movimento feito em sua carreira artística é talvez exatamente igual ao que o boxeador e lenda do esporte acima mencionado, fez. 

Toda a qualidade técnica absurda no clássico instantâneo Castelos e Ruínas (2016), encontra em Gigantes (2018), a posição politica, que Ali tomou ao se negar ir lutar no Vietnam. Em um tempo, onde lendas nascem e morrem numa velocidade imensa. Onde jovens são alçados a posições de destaque com pouco ainda feito em termos concretos, numa obra ainda em processo de nascimento. BK com seu segundo disco, começa a se inserir no rol dos reais grandes nomes do rap nacional.

É rindo que se diz o severo. E ainda assim, há aqui uma abertura de perspectivas críticas e a possibilidade de uma posição política, para uma juventude negra carente de mcs que tenham estofo real para tratar de tais assuntos e que ainda assim estejam na grande mídia.

Quanto mais pensamos nos critérios utilizados para definir quais seriam os melhores discos do ano no rap, que atualmente é o gênero musical ao qual temos dedicado mais tempo, mais percebemos o quanto a falta de critérios objetivos é uma das faces da hipocrisia que tem tomado conta de uma industria comprada. Nada de novo sob o sol, é verdade, por isso temos preferido utilizar o termo disco favorito. O termo nos parece, que possui na utilização de aspectos particulares e subjetivos, um pouco mais de honestidade. 

Nesse sentido, Gigantes se tornou após diversas audições o nosso disco favorito, por diversos motivos. O primeiro deles se refere ao tamanho do album, hoje durante uma cultura de audição que tem os singles, como seu carro chefe, um disco com 13 faixas que se sustenta do inicio ao fim, é algo raro. Discos são obras que precisam de consistência interna entre as faixas, passeando pelo máximo de temas, ambientações, andamentos, perspectivas. E isso não falta em Gigantes (2018).

O segundo aspecto que nos conquistou, foi o modo como a temática negra presente no disco é abordada, assumindo contradições com honestidade, uma visão critica realmente embasada. Ao mesmo tempo, que a vivência de jovem homem negro comunica muito bem, pensamos, com os mais velhos e com os mais novos. Comunicação que escurece realmente, àqueles que se disponham a ouvir o disco, abordando dilemas, armadilhas, posições possiveis e as comuns diante dos problemas que cercam com muros existências negras.  

Poeticamente o disco traz imagens muito bem elaboradas, e a exemplo da linha sobre Cassius Clay, temos outros diversos exemplos de qualidade poética presente ao longo do disco. Aqui não se trata de pensar técnica separada do conteúdo apresentado. Muito pelo contrário, as punchlines pessadissimas, só fazem algum sentido se possuem estofo real, se as linhas realmente constroem um território existencial que condiz com uma cartografia mental de problemas.

Um problema colocado pelo disco do BK e que precisa ser respondido pelo cenário do rap nacional, é exatamente o que é ser Gigante (2018)? A cultura hip hop que há alguns anos vem sendo suplantada por uma vivência virtual e branca do rap, onde o entretenimento é confundido com arte, onde a exclusão de certos artistas, que por motivos mágicos não alcançam o devido reconhecimento. Qual o papel que essa cultura e sua expressão musical tem, ou se não tem papel algum, se será mais um produto a ser gadulizado pela classe média branca.

Em termos musicais o disco do BK, também se faz gigante, com o trabalho dos produtores Arit,El Lif Beatz, Papatinho, JXNV$, NAVE Beatz que emprestam seu talento ritmico para que o disco tenha a palheta de ritmos que possui. Encontrando unidade nos temas abordados pelas linhas poéticas e pela concepção estética que o disco possui.

Da mesma forma, as participações estão subjugadas as composições, sem trazer algo que ja não estivesse sendo dialogado pelas faixas, participam do disco Marcelo D2, Sain, Drik Barbosa, KL Jay, Luccas Carlos, Juyê, Akira Presidente e Baco Exu do Blues. Cada qual ao seu modo, empresta seus talentos para que as participações engrandeçam a obra.

O aspecto visual do disco é outro ponto muito forte, pois percebemos que o visual já está presente no discurso que o disco apresenta. O artista que criou a capa do disco e de alguns singles, Maxwell Alexandre, apresenta uma linda obra, que conta de modo pictórico o que BK o faz poeticamente. Ao mesmo tempo, três videoclipes já foram lançados.

No audio visual, o clipe de Correria estreou com direção agil e bonita fotografia de Ronaldo Land, Calebe Gomes e Fernando Fernandez. Depois, veio o excelente clipe de Deus do Furdunço, também dirigido por  Ronaldo Land e Calebe Gomes, onde o rapper encarna o falso deus do furdunço, que na música o rapper em sua sátira desvenda as origens psicológicas dessa entidade. E até o momento, veio a luz a utlima produção audiovisual com o clipe de Julius dirigido novamente pela dupla dinâmica acima mencionada. Contando uma história de traz pra frente, o clipe que trabalha com uma construção imagética diferente na narrativa, leva-nos a pensar sobre como o discurso racial, por mais que esteja atualizado, necessita de aporte histórico pra que a compreensão seja competente. 

Enfim, por todos esses aspectos, entendemos Gigantes (2018) como o maior disco do ano, no rap nacional, o nosso favorito, por nos levar a pensar sobre aspectos tão díspares como constituintes de uma mesma realidade. Enquanto homem negro deficiente de melanina, mas nunca negro de alma. Como professor de uma geração de meninos e meninas negras, de escola pública, entendo que esse disco pode informá-los e levá-los a pensar numa gama de problemas que lhes e me aflingem.

De doenças sexualmente transmissiveis até a necessidade de nós amarmos as nossas mulheres, da importância de vermos e termos negros e negras vencendo até a forma como reconhecemos e ajudamos mulheres negras solteiras e suas crias. Da importância de criarmos líderes negros, jovens líderes que oxigenem nossa política institucional até às lideranças comunitárias, do fato de pensarmos as máscaras brancas em peles negras, até a forma como encaramos nossa conduta.

O rapper carioca fez o disco de rap nacional que nós consideramos o favorito porque entendemos que ele trata Frantz Fanon, com a não referência direta, mas abrindo espaço para outros e outras conhecerem o tema. Porque as visões passadas são de real fortalecimento de nossa comunidade e da cultura hip hop, sem titubear na hora de criticar o que deve ser criticado. Enfim, porque a técnica está nesse disco submetida a um ideal, porque a excelencia estética está subjulgada a noções e valores éticos e politicos que estão em falta.

De fato, nesse disco é possível perceber o devir-bumayé do BK, na forma como ele submeteu a técnica poética aos seus propósitos politicos e raciais. Ele baila como Ali, ele bate como Ali, ele faz graça como Ali, com outros tantos devires animais encarnados. Leve como uma gazela e forte como um leão!

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