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Bia Doxum reencarna em novo disco: ÀTÚNWA (2019)

Bia Doxum reencarna em novo disco: ÀTÚNWA (2019). Entrevistamos a artista buscando entender mais sobre a caminhada, ideias e o novo trampo! 

Em uma canção presente em seu primeiro disco, Bia Doxum fala em vencer o tempo, e se olharmos bem e escutarmos atentamente a sua trajetória, veremos que ela tem sido bastante vitoriosa em suas batalhas ao longo do tempo. Uma artista que começou cedo sua carreira e que permanece em constante movimento, a mc e cantora paulista, lança seu segundo disco de trabalho, 4 anos após o elogiado Máquina Que Gira (2015). Com um EP lançado aos 15 aninhos de idade, Boletim da Omissão (2013), estamos diante de uma veterana de pouca idade, a artista segue em busca da melhor perspectiva musical para suas poesias e sua voz! E achou uma bastante singular…

O lançamento hoje de ÀTÚNWA (2019) marca um novo ciclo de sua rica trajetória, mais uma batalha que a Bia Doxum vence em tempo, pois sabemos a dificuldade que artistas independentes possuem para produzir e lançar trabalhos de qualidade. Como mulher, preta e periférica sabemos que os problemas são ainda maiores, trabalhando dentro do registro da cultura hip hop não lhe apresenta menos obstáculos!

A vida nesse sentido é feita de pequenas mortes, de ciclos transformadores fruto do constante enfrentamento crítico. Com o conceito vindo da cultura Yorubá, ÀTÚNWA significa: “Aquele ou aquela que volta novamente” e que mesmo nós que não partilhamos senão admiração à cultura da Umbanda, e com isso abandonando qualquer sentido religioso que o termo carrega, ele ainda se mantém inteiro e puro. Pois, mesmo que você não partilhe da mesma fé que a Bia, as imagens, ritmos e flows que ela apresenta, assim como a sua voz, são um banho de levante para todos.

Trocamos uma ideia com a Bia Doxum, sobre algumas questões que são pertinentes para você conhecer a correria e ideias que ela carrega consigo.

Oganpazan: De que modo, o seu trabalho como mulher preta e umbandista traz algo ao feminino no rap e ao hip hop de modo geral?

Bia Doxum: A cultura yorubá é muito matriarcal. Nela, as mulheres são importantes desde os rituais até a economia. São respeitadas, seu valor é reconhecido. Acredito que devemos trazer essa valorização das mulheres para os ilês do Brasil. De nada vale louvarmos as yabás se não soubermos respeitar as mulheres ao nosso lado. Seguindo esse mesmo raciocínio, é de extrema urgência que a gente comece a conversar sobre diversidade sexual e de gênero e a luta LGBTQI+ dentro dos terreiros, pois em muitos barracões ainda existe uma ideia cristã ultrapassada sobre o “certo e o errado”, o “bem e o mal” e toda essa ilusão sobre os pecados que a sociedade criou pra nos colocar dentro de uma caixa de obediência. E o axé é extremamente o contrário disso, os Orixás e as entidades nos ensinam a amar e a respeitar a todos. Nós devemos lutar contra todo tipo de intolerância, somos a voz das minorias, somos uma minoria que ainda sofre preconceitos, lutamos pra que nossos cultos permaneçam vivos. Precisamos entender que somos uma só voz na luta contra um sistema que assassina os nossos todos os dias. Racismo, homofobia, transfobia, machismo e intolerância não devem jamais representar o povo do axé. Precisamos falar sobre isso nos ilês e conscientizar nossos irmãos sobre isso.

Oganpazan: Como você consome mídia em geral e especializada no rap de modo geral? Quais os canais você vê que abre os seus espaços para mulheres?

Bia Doxum: Acredito que algumas de nós alcançaram as mídias, mas muitas demoram pra alcançar esse reconhecimento sabe? Eu acompanho muitas minas do underground e muitas vezes nós somos nossa própria mídia. Mas dentre as mídias que acompanho, posso destacar o Alma Preta Jornalismo, Noticiário Periférico, Médium, RND, Zona Suburbana, Souldirua.

Oganpazan: Vamo falar um pouco de sua caminhada na música, nesse disco você apresenta muitas músicas e mescla isso muito bem com a qualidade de suas rimas, conte um pouco pra gente como você vê esse trânsito… 

Bia Doxum: Eu canto desde que me conheço por gente. De pequenininha eu já cantava pela casa, já escrevia música, arriscava uns acordes. Já cantei na escola, em igreja, em festival. O rap entrou na minha vida mais tarde aos meus 13 anos, foi quando comecei me arriscar na rima. Aos 14 comecei frequentar sarau de poesia, a literatura periférica é uma grande paixão até hoje e foram nesses saraus, inspirada por essa literatura que eu encontrei a oportunidade de um mic aberto e me permiti mostrar minhas canções autorais pro mundo. O hip hop e o funk é a primeira oportunidade de muitos artistas da periferia. Conheco artistas, por exemplo, que começaram no graffitii, nos muros, influenciados pelo hip hop, e mais tarde foram pras telas, pra escultura etc. O rap é o lar que me acolheu, foi a oportunidade que tive, primeira porta. Foi o que me emponderou, o que salvou minha vida, sempre vai ser meu lar. Mas dentro de mim sempre morou o soul, o samba e todo vasto universo da música brasileira. Minha sonoridade não se limita a um gênero, eu bebo de muitas fontes, minha voz tem muitas facetas e eu acho isso muito legal, poder explorar as cantoras que trago dentro de mim. O verso e a luta já nasceram comigo, sempre vão ser parte de mim, assim como o canto, a melodia, a paixão por um bolero.

Oganpazan: Sobre a visão musical do disco ÀNTÚWA.

Bia Doxum: A direção musical do meu trabalho foi feita de primeiro momento por mim. Nesse álbum eu trouxe alguma letras, melodias e ideias que eu já tinha aqui guardadas há um tempo e estava esperando o momento certo de executá-las. A partir delas eu convoquei alguns produtores parceiros que construíram a produção musical junto a mim ou para mim. Construí esse disco junto com eles. Um time muito talentoso e ousado. Juntos alcançamos uma musicalidade contemporânea, diversa, com as várias facetas dos produtores convidados e as várias facetas da Doxum, que vão desde o batuque de um oriki até o neosoul e o trapsoul.

Em seu segundo disco, a artista paulista propõem uma nova singularidade no Rap, R&B nacional que é propriamente diaspórica. Ao longo das faixas abordando mulheres (um feminino) de luta que estiveram nas lutas seculares em nosso país, ao mesmo tempo ela ressalta um feminio que é preenchido de amor, traduzido nas imagens poéticas que apresentam uma constituição de signos plenamente pertinentes a cultura doa umbanda.

São 13 faixas no total, e o disco passa calmo como um cafuné, nos aconchega como um dengo daquele que recebemos dx nossx amor, no entanto é um banho de levante. Não estamos diante de charlatanismo algum aqui, Bia Doxum não promete trazer seu amor de volta em uma semana, no entanto, é certo que se bem assimilada a sua resistência, auto estima e sua generosidade na imensidão de um desejo que transpira África em forma de arte, sua fortaleza interior atrairá aquelx cremosx que te merece.

A produção do disco é fina pois musicalmente adequada ao teor poético que a artista impõem e conta com com produções musicais de Bad Sista, DJ DIA, Vibox, Heron Francelino, Kleber Milo, Gibin, Vinni OG Beats e DJ Higa. A direção vocal ficou por conta do mano Dcazz e mix e master de Base Mc – RefugiAudio Estúdio.

Segurando a onda lírica – pois nesse sentido tem realmente poucos pares – podemos ouvir a única voz diferente no feat com LilBirdLeii, cantora e compositora Haitiana, que chega pesado em Woman Of Power, não parece ser por acaso. O único feat é de outra mulher e haitiana, é uma “mensagem explícita”…

Por fim mas não menos importante, um complemento final à uma trajetória que nesse momento reencarna outra vez musicalmente, com outra roupagem, eterno retorno da diferença,  a arte da capa é assinada pela artista Ione Maria, que produziu uma colagem onde Bia Doxum aparece criança. São as crianças o símbolo maior da criação, escute!

Agradecimentos especiais a Bia Doxum pela disposição e a Becca Vilaça uma parceira de todo momento, sempre ajudando o Oganpazan, mais uma vez obrigado querida!

-Bia Doxum reencarna em novo disco: ÀTÚNWA (2019)

Por Danilo Cruz 

Foto de Capa: Luiz Franco

 

 

 

 

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