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Bella Kahun e o seu universo interior em Crua (2020)

A cantora e compositora pernambucana Bella Kahun, lança seu disco de estreia Crua (2020) nos expondo toda a riqueza de seu universo interior!

“Músicas são mais que letras e palavras bonitas, reunidas em uma canção”

O verso acima, presente na faixa “Romeu” do disco de estréia da cantora e compositora pernambucana Bella Kahun, nos dá uma chave importante para compreendermos a sua arte. Na verdae, a música prescinde inclusive de palavras, não precisa delas, porém no universo da canção, as composições são parte importante. E nesse sentido, o álbum de estreia da jovem Bella lançado pela PE Squad é um dos grandes acontecimentos desse ano conturbado.

Experimentada, a voz de Bella Kahun não é apenas mais uma voz bonita a surgir em nossa rica música, aliás não é apenas a beleza da voz aquilo que faz a potência de uma cantora. É a riqueza do seu universo interior aquilo que se apresenta primeiro em qualquer artista que mereça esse título. E a audição de Crua (2020) nos revela uma artista jovem, portadora de todos os atributos técnicos de uma excelente cantora, uma compositora de mão cheia mas sobretudo um ser humano com ideias e experiências ricas a comunicar.

Em tempos de infantilização de adultos e adultização de crianças, Bella Kahun é uma jovem que expõe velhos problemas de modo novo, que queima com seus sentimentos em nossa frente. A ardência suave e ritmada ao som de cabarés presente nas canções de Crua, a doce tristeza do fim dos relacionamentos narradas nas letras, os velhos problemas de casos amorosos findos, recebem um novo tratamento. Encontrando o ponto certo de atualização de uma estética daquilo que se convencionou chamar de música brega.

Às custas da boêmia, Bella Kahun talhou sua música em fogo brando, cozinhou afetos, percepções e sensações que agora nos serve como tiragostos daqueles que alimentam mas não matam a fome. O desejo segue ao longo de todo o disco como deve ser: renovando-se. São 10 faixas produzidas por Mazili que é parte fundamental para se compreender a musicalidade presente no disco. Um trabalho exemplar de produção musical que de algum modo também, nos revela um artista que até então tinha produções excelentes, mas ainda não tinha assinado um disco.

O excelente trabalho de produção executado pela equipe do selo musical PE Squad é outra faceta importante sobre Crua (2020), que recebeu uma trilogia de clipes.

1º Ato – Sorte, porque muitos erros também compoém um acerto!

Em clima de bolero, Sorte é a faixa que abre o disco, e recebeu um tratamento audiovisual deslumbrante, através da direção e da criatividade de Rostand Costa e argumento com a parceria da Bella. A composição da Bella Kahun, performada pela mesma e por Talula Mayim nos dá uma das caracteristicas presentes em Crua, uma promoção da diferença sem panfletarismo. Fluindo naturalmente como o desejo, sem as amarras das opressões que ao incidirem de fora, produzem a sua repressão.

Não há na poesia de Bella Kahun, nenhum laivo de carência, de choramingo infantil por amores perdidos, ou aquela baixa e patologica vontade de ser amada. É talvez no enfrentamento da finitude das relações, das migrações do desejo, de um olhar clínico diante dos acontecimentos amorosos onde podemos encontrar sua arte.

O enlace sensual entre Bella e Talula, a beleza daqualas mulheres que se encontram e se separam servem bem para ilustra a fina ironia presente na canção que diz: “Eu nunca fui de ter a sorte de acertar, minha sorte é muito boa sempre em erra […] Eu assumo eu gosto muito dessas novas tentativas de acertar”. A valorização do erro é algo fundamental para a compreensão do processo criativo, mas também da aprendizagem, e consequentemente da vida. E é uma “Sorte” saber disso! 

2º Ato – Boêmia

Todas as faixas presentes em Crua possuem forte apelo radiofônico, e a coesão presente nas temáticas abordadas, nos arranjos e na produção só nos reforçam essa certeza. A segunda parte da trilogia é da faixa “Boêmia” presente na meiúca do disco, e que narra a partida de um nome impronunciável. Restando assim a boêmia para curar a luto do fim de um relacionamento.

Rostand Costa aposta novamente num clima que assim como em “Sorte” nos remete as primeiras décadas do século XX e sua câmera focaliza Bella Kahun entre copos e cigarros, fazendo o devido sacrifício à esbornia.

3º Ato – A vida se passa em preto e branco! 

O Rostand Costa conseguiu produzir uma trilogia audiovisual interna ao disco, e que apesar de decorrer das faixas, não é óbvia. Despertando naqueles ouvintes mais atentos, o fato de que encerrar três clipes mais ou menos baseados em um mesmo tema, podem abrir interpretações mais singulares sobre o disco de modo geral, e sobre a própria música da Bella Kahun.

Ora, levando em consideração que os vídeos são obras que possuem cenografia, roteiro, fotografia, etc, podemos pensar que o que vem a tona é a potência presente nesse universo interior da Bella Kahun. Como afirmação da força de criação da equipe e como abertura e infinitas condições de interpretação presente nas músicas. Ao mesmo tempo, essa mesma potência dos audivisuais (da trilogia)  nos abre para outras camadas da força inventiva da PE Squad em geral e da Bella Kahun em particular.

O fechamento dessa trilogia iniciática do disco Crua (2020) com a faixa Cabaret, é talvez exatamente isso, o reino da fantasia, do burlesco, da imaginação, ou pelo menos a possibilidade dessa forma de fabulação! Em termos de audiovisual é a peça melhor acabada e o resultado é uma obra prima. Ao rememorar uma paixão que já foi, que não é mais, que não se configura mais como paquera intensa e elã ainda não efetuado, há toda uma projeção. 

E a volta de Alefe Passarin, estrelando o clipe ao lado da Bella é um signo interessante nessa trilogia. Entre os erros, futuros acertos e os encontros futuros erros. Uma dialética interessante que fica sugerida pela trilogia. Os arranjos de Moral na guitarra nessa faixa em especial, ele que foi o responsável pelas cordas do disco, é um brilho a mais. A trilogia em si mesma, é uma amostra do disco, em high fidelity, mas está longe de esgotar o mesmo.

– Um desejo que arde numa mulher Crua

Graças a nossa ignorância, entendemos no Brasil o desejo como tesão, como sexo, vontade de trepar e coisas do tipo. Bella Kahun queima de desejo, ou seja o seu universo interior é amplo. E se há e é natural que aja sofrimento no findar das relações as composições de Bella Kahun, terminam por nos passar uma noção positiva do desejo.. Isso não é tão incomum, o fato novo é que estamos diante de uma artista que encontrou um lugar e conseguiu “produzir” sua música, com pessoas que ela considera aliadas, sem se ater a fórmulas prontas.

Além desses três audiovisuais muito bem elaborados e que são transposições para cenários possíveis onde a música de Bella Kahun se ambienta bem e comunica parte de sua força. Restam ainda outras 7 faixas que vão de um folk indie como “Espelhos” ou como em “Verso Incerto”, onde em uma ela fala dos reflexos da criação e noutra da correria que ela faz como mulher, nordestina, do interior e as dificuldades encontradas. Não são exemplos de mero ecletismo da cantora, antes algumas das possíveis facetas que agora se apresentam publicamente e em larga escala! Também da mão do Mazili nas produções, ajudando a cantora a explorar outras possibilidades.

Mas o que mais nos tocou ao longo do play foi exatamente o fato de que estamos diante de uma cantora com um universo interior muito rico, e que guardadas as devidas singularidades, é mais uma nova cantora que certamente não ficará por aqui, pelo talento e pela equipe que tem! Crua (2020) é um primeiro exemplar sólido de uma caminhada que não se iniciou há pouco tempo, Bella Kahun como muitos outros artistas desenvolveu-se durante muitos anos, em barzinhos, porém como poucos, soube deixar sua arte ser macerada pelas noites, e isso pode ser visto nesse disco. Uma voz nova, uma artista original.

Leia a resenha de Crua no Rapshit

-Bella Kahun e o seu universo interior em Crua (2020)

Por Danilo Cruz     

 

 

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