Barba Negra aka O Terrível Ladrão de Loops lançou a looptape O Poder da Imaginação, uma aula sobre a renovação do Rap Nacional!
Como abrir um texto para falar sobre Barba Negra, sem reduzir a importância de sua caminhada às frases prontas de efeito e elogios óbvios? Entre todas as suas personas, de que modo encontrar um recorte que organize minimamente para o leitor uma trajetória que já passa dos 24 anos de cultura Hip-Hop? Talvez, resumindo um pouco sua trajetória e demarcando a forma como organicamente Barba Negra se construiu e partindo desse processo vem ajudando a moldar as formas do rap nacional no século XXI.
Começando como um MC freestyleiro na virada dos anos 90 para o século XXI, o então MC Ralph participou de batalhas emblemáticas, teve seu disco carregado pelo Madlib, ganhou o Hutuz de batalha de MC’s em 2004. Começou a lançar seus trabalhos solo em 2005, que infelizmente não estão nos streamings. Porém, além dos Afro-Raps de 2011, assinando como MC Ralph, os discos da lendária parceria Rato & Ralph estão no Spotify.
Fruto da rica cena do rap do Vale do Paraíba, MC Ralph se desenvolveu ao longo dos anos para uma lírica mais agressiva e suja e é desta verve que surge a alcunha de Barba Negra, dentro do projeto “Sociedade dos Poetas Livres”. Inicialmente, como uma persona para um projeto pioneiro. O SPL foi um banca gestada a partir de 2015, tendo lançado duas mixtapes no ano de 2017, onde os todos os MC’s possuíam codinomes.
A gestação da cara metade do Barba Negra, seu lado produtor de si mesmo e de vários nomes importantes do cenário do boombap/drumless nacional, ocorreu em 2017. Cortando os loops para a banca da Sociedade dos Poetas Livres, o Terrível Ladrão de Loops foi se formando e em 2018 quando adquire uma SP303, o “roubo se torna qualificado”. Fecha-se aqui a triangulação de um MC que se torna aos poucos um dos nomes mais importantes do rap nacional e de um produtor que vai “capitanear” uma virada no rap nacional.
Nos Afro-Raps (2011) o Barba Negra ainda era MC Ralph e teve participação do Emicida em um das faixas, o artista já trabalhou com nomes como Criolo e Rael, além de diversos nomes da nova e da velha guarda do Vale. Nos últimos dois anos, o Barba Negra, O Terrível Ladrão de Loops, teve suas produções nos discos do Marcelo D2 e da Tássia Reis. Produziu discos do Akira Presidente, do Galf AC, Aori e do Mattenie, três MC’s de gerações diferentes que ajudam a perceber a força atual e perene do boombap under nacional.
-Leia as matérias no site sobre os discos produzidos pelo Barba Negra
Essa breve introdução que serve-nos como resumo para 25 anos de carreira do Barba Negra dentro do Rap Nacional, está longe de entregar para o leitor o tamanho da força que estes trabalhos reúnem como desenvolvimento individual do artista e como impulsionamento coletivo da cultura. Somente, quem ouviu e conheceu ou que vai ouvir e conhecer, minimamente 50% de tudo que está aqui pincelado é capaz de compreender.
Um ponto essencial para o entendimento dessa força se dá no desenvolvimento do boombap/drumless no rap nacional e o porque o Barba Negra se fez um arquiteto da nossa cultura Hip-Hop. Tendo acompanhado e feito parte da geração dos anos 2000 do rap underground, primeiramente como MC Ralph, o MC e produtor acompanhou o desenvolvimento e fez parte de toda a cena under dos primeiros 15 anos desse processo. É importante destacar, que esse é o período mais subestimado da história do rap nacional, que derrapou na virada entre o período das gravadoras e dos streamings, colocando centenas de registros debaixo das areias da história.
“O Hip-Hop é uma semente, onde ele é plantado assume as características locais de ancestralidade” Dimak
A partir de 2018 com A Ópera do Pirata (O Mistério de um Loop Velho), Barba Negra embarca em uma vertente do “rap boombap drumless”, com o primeiro disco todo feito dentro desta estética. Inspirado nos trabalhos de Roc Marciano, KA (rest in peace) e da turma do Griselda, ele lança em 2021 o projeto “Braselda” junto ao MC e Toaster Mistah Jordan, um marco dessa forma de poética sonora e musical do rap nacional.
Unindo a carga histórica de formação que já trazia de mestres da golden era como The Alchemist, Madlib, A Tribe Called Quest, MF Doom, J Dilla entre outros, com a turma do drumless, Barba Negra vai caminhando aos poucos para “importar” esta “poética” e transformá-la em algo nacional. Desde trabalhos como Afro-Raps (2011) onde mistura Caymmi e música jamaicana, ou sampleia o Mombojó, a formação de pesquisa do Barba Negra se acompanhada com atenção nos fará perceber que não é apenas trazer um modo de fazer – uma poética – mas no upload colocar um vírus que transforma aquilo que foi antropofagicamente deglutido.
Pesquisador, Barba Negra quando qualificou seus roubos de Loops, passou a construir obras muito bem acabadas dentro de uma estética nacional, não se tratam de loops raquíticos de melodias onde o MC introduz rimas. Seus cortes de loops estão embebidos em nossas músicas e quando não, coesos dentro de uma cultura distante como a japonesa: a exemplo dos dois volumes de O Pirata em Tokyo (2022).
-Leia nossas resenhas sobre os dois volumes do projeto O Pirata em Tokyo do Barba Negra
Barba Negra ou Tem que Ter Swingue!
Em uma época onde o gosto governado pelos algoritmos determinam um endurecimento cada vez maior de nossas formas de percepção, onde a arte se pretende determinar pelo poder de cura e identificação, quaisquer novidades são rechaçadas. A arte certamente não possui a função de reforço dos nossos modos de percepção já estabelecidos, os estímulos mais cotidianos e de nossa forma de cognição mais comum. A arte tem como função principal – a melhor entre ela – de violentar nossas formas de percepção e cognição, sua capacidade de mudar sensibilidades e o entendimento humano é aquilo que melhor lhe define.
Quando falamos do Barba Negra aka O Terrível Ladrão de Loops estamos nos referindo a um pensador da Cultura Hip-Hop nacional, que ao longo de 25 anos de carreira desenvolveu um modo próprio de produção de arte dentro desta cultura. Longe dos holofotes, criou de fato e de direito um estilo seu, partindo como MC Ralph, aliado – ainda hoje – como Rato & Ralph, foi através da prática constante de pesquisa e de produção e através de outras alianças que fez surgir o Barba Negra, que por sua vez gerou o Terrível Ladrão de Loops.
Os seus vulgos, como marcas de estilo que são automaticamente identificáveis a feitos, vão aos poucos definindo momentos chave na sua trajetória individual e na história coletiva da cultura Hip-Hop. E o que tudo isto tem haver com a LOOPTAPE O Poder da Imaginação? Ora, tem que as suas LOOPTAPES são obras muito pouco valorizadas pelo público do rap de modo geral, e do underground em particular. Diz respeito, ao fato de em geral não valorizarmos os construtores da Música que dizemos amar.
Em nosso país, não possuímos o hábito de ouvir música instrumental e de entendermos que a música não precisa de letras, a forma canção e ou rap, tendo sido a forma melhor cooptada pela indústria musical através do personalização do grande cantor ou cantora, escanteia o papel fundamental de músicos, arranjadores, compositores e beatmakers. E no caso específico aqui, da cultura Hip-Hop, é preciso lembrar da função inaugural e primordial do DJ na música Rap.
A estética do drumless, muito mais do que uma moda, ou da ideia de uma volta ao passado é uma poética contemporânea onde a força dos samples, das colagens e do corte de loops é atualizada. É a noção de que produções musicais do rap são fruto da pesquisa de DJ’s, produtores, beatmakers, atualizando a força cultural de uma obra, muitas vezes não percebida devidamente na época lançada. A imensa potência emergindo da pobreza de não saber tocar um instrumento, e desenvolver uma composição com máquinas que deslocadas da sua função original, passam a fazer música, não apenas reproduzi-la.
Como é sabido os MC’s só chegam depois, e nesse sentido o drumless nos leva a lembrar esse exercício superior da composição musical dentro da música rap. A falsa questão se as batidas estão ou não “mocadas”, se o beat sem batida não é beat, são novos capítulos provenientes do gosto, do apego ao que se formou e endureceu ao longo dos anos no corpo e na subjetividade do público. Não é um pensamento acerca da estética e ou da poética desta nova forma de produção.
Em “O Poder da Imaginação”, Barba Negra nos mostra o que é essencial perceber em qualquer trabalho, o domínio de uma poética capaz de não deixar o imaginário afundar em fantasias. A instrumentalização e a força criativa de recortar um universo de referências díspares que podem ir de Marku Ribas à Einstein, e dar-lhe uma forma própria, gerando uma outra coisa, um objeto estético singular. Ogan profano das sagradas MPC’s, viajando na discoteca virtual de Alexandria, atualizando o único dogma fundamental: “Tem que ter Swingue”.
Antes de encerrar, é preciso dizer que se você está interessado em estudar essa forma de arte, Barba Negra já tinha lançado 3 LOOPTAPES em 2021 e no ano passado soltou Loops & Mandingas (2023), junto à Pirata Raíssa. Este último, um dos trabalhos que ouvi bastante no ano passado, mas infelizmente não escrevi sobre. Recomendo muito que você meu caro leitor, navege no mar de roubos, poesias e batidas do mestre Barba Negra!
-Barba Negra lançou O Poder da Imaginação, um dos grandes arquitetos do Rap Nacional!
Por Danilo Cruz