Barba Negra, O Pirata em Tokyo Vol. 1 – Um corsário e 10 samurais lutando pelo under!

O produtor, MC e beatmaker Barba Negra lançou o primeiro volume do projeto O Pirata em Tokyo, com a combativa companhia de 10 samurais!

Neste ano de 2022, o underground do rap nacional levantou-se firme e forte em produções de norte a sul do país, muitas delas coletivas e inter-regionais. O novo projeto do bucanero Barba Negra é um destes exemplares, convocando diversos MC’s que primam pelo boombap mais contemporâneo. Toda uma cena drumless, que alguns chamam de pós-rap, tem se desenhado neste ano, em diálogo uns com os outros e nos parece que este trabalho é um signo potente deste momento. 

O ataque que ora se configura é sobretudo um ato de resistência diante de um cenário onde o rap cada vez mais caminha para o pop, colhendo os louros e rendendo-se ao mercado. Diante de um público cada vez mais infantilizado por MC’s, ou mesmo abertamente reacionário quando não fascistas, Barba Negra propõem uma outra forma, um outro ethos, postura radicalmente diferente da maior parte do que se escalona no mainstream. 

Musical e liricamente, este novo projeto abraça a pirataria como imagem, mas também como saque de uma cultura que por séculos se fechou à influência estrangeira mas que por conta da derrota na segunda guerra mundial, foi ocidentalizada. O Japão é onde o corsário Barba Negra aka O terrível ladrão de loops atraca o seu navio tecnológico para saquear loops e samples capazes de construir as bases não de uma invasão, mas de uma retomada.

Barba Negra

Para tal missão ele convoca 10 MC’s, que aqui de certo modo nos remete ao clássico do cineasta japônes Akira Kurosawa: Os Sete Samurais (1954), onde um grupo de guerreiros é contratado para defender uma pequena vila, ensinando aos seus moradores a se proteger em troca de comida. O paralelo não é absurdo, basta que nos tomemos o atual estado do mercado que tem “absorvido” o rap nacional em troca da sua diluição. Ou mesmo, se pensarmos em termos de streaming e o seu modelo de negócio que segue precarizando e explorando artistas. É contra esse estado de coisas que a mixtape se levanta. 

Raps como os 7 princípios do Bushidô, dentro do dojo do Barba Negra 

Na faixa de abertura, Barba Negra contrata os talentos do grande descendente do mestre Yasuke, Pazsado que já enumera o primeiro princípio “Bem Vindo a Tokyo (Viver é pouco)”, pois para os grandes samurais, a morte digna é o objetivo da vida. E ao manusear a sua katana com maestria, o MC desfila um conjunto de linhas com o estilo que lhe fez famoso no under, onde consegue desferir golpes rápidos e complexos, contra todos os algozes do povo preto.

Certamente você deverá entender que a caligrafia é parte fundamental da arte japonesa e para isso, Barba convocou as duas Lady’s Snowbloods: Killa Bi e Bianca Hoffman que se aproveitam do machismo escroto da cena que não reconhece a força das mulheres, para se infiltrar e retalhar a mediocridade. Herdeiras das técnicas de assassinato de Meiko Kaji, as MC’s chegam em “Dragão Alado”, mostrando que apesar de tudo mantém-se leais a arte de rimar com força, precisão e traçando linhas de sangue pelo ar com seus golpes, caligrafia da vida e da morte, sem sujar seus kimonos. 

Um guerreiro atento às tradições como um historiador e geógrafo, Tunza é o responsável pelo rápido golpe da faixa “Subarashi”, com um loop capaz de deixar os inimigos tontos cortesia em tons épicos do Barba Negra. Diretamente de um futuro distópico, “Akira” traz o guerreiro da Roma Negra Galf AC, descrevendo os poderes de extermínio deste futuro que habitamos, ao mesmo tempo em que solta as “Cartas Clow” que sua mente libera involuntariamente através de sua poesia e de um flow mágico. Essas cartas que o MC adquiriu através dos estudos dos livros sagrados de Sakura Card Captors, são imagens poéticas dinâmicas capazes de levantar uma população contra os seus tiranos. 

Barba Negra homenageia a cultura que assalta com a track “Guerra de Gangues”, somente para depois meter um beat classudaço em “Olho no Olho” com o monstrão Mattenie. Através de um flow mega cadenciado, sob as bases do melhor funk nipônico, Mattenie faz uma revisão crítica de sua caminhada e do status quo, formas de romper e como seguir aí! É o estrategista que elabora como vão fazer para seguir na resistência: “Sei quem eles são, quantos são, onde tão, olho no olho, pé no chão, filhão!” e é poucas a partir daí!

Partindo do Farol da Barra e chegando a Osaka dentro de mais um beat drumless construído com um loop fantástico pelo nosso pirata, Gil Daltro expropria os boys com “Assaltando seu Iate”, somando na luta, contra o estado, contra tudo! Abram alas para o ninja infiltrado nessa equipe, A.X.L. resgata em 1 minuto e 9 segundos, a rapidez do Ninjitsu, sua potência mercenária, e numa bomba de fumaça poética, se vai! “Bairro do Japão” apresenta um dos mestre da arte rap nacional com uma força brutalmente calma, em flow e beat! 

Outra faixa instrumental é a “Meu Amigo Pirata” com Barba Negra nos apresentando toda a maestria de um verdadeiro sensei filosófico e meditativo, em um zen jazzístico. Parceiro de longa data do Barba aka Ralph, o Rato chega em “Poluição Sonora” contra a evangelização nazista que o próprio Japão conseguiu conter por séculos literalmente exterminando os missionário. Rato mostra-nos a necessidade do princípio da educação no Bushidô, que nos levaria a não aderir a opiniões loucas contra a ciência! 

Fechando a mixtape, Nairobi faz o levantamento de guerreiros que tombaram nessa luta que agora recebe um outra força. Quase um mantra “Anjos da Noite” é uma bonita homenagem ao grande Melk e fecha o trabalho mostrando-nos a importância da compaixão dentro da cultura e obviamente da vida humana de forma geral. São ensinamentos que MC’s transmitem dentro de bases musicais que fogem aos clichês adotados atualmente, com o Barba Negra segurando o timão com mãoes firmes e em uma direção extremamente combativa! 

Escutem!      

-Barba Negra, O Pirata em Tokyo Vol. 1 – Um corsário e 10 samurais lutando pelo under!

Por Danilo Cruz 

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