Bane em The Last Show World Premiere: garotos e garotas, peguem caderno e caneta e vamos para aula, pois isso aqui é clássico
Bane é uma banda de hardcore formada na segunda metade da década de 90, mais especificamente em 1996. Os caras são da região conhecida como New England, situada ao Nordeste dos EUA. Fazem parte dessa região os estados de Maine, Vermont, New Hampshire, Rhode Island, Connecticut e os estado dos caras Massachusetts, cujo a capital é Boston. Por isso o Bane sempre foi vinculado ao Boston Hardcore, apesar de serem originalmente da cidade de Worcester.
Tal qual o Bane, o Have Heart não é uma banda formada em Boston, e sim na cidade de New Bedford, porém ambas as bandas são consideradas a “nova geração” do Boston Hardcore. Isso porque, no final da década de 80 e primeira metade da década de 90, a cena de Boston sempre foi considerada bem negativa e truculenta, representada por bandas como SSD, Negative FX, DYS e Slapshot. Com o surgimento do Bane, a cara da cena Hardcore de Boston deu uma modificada, eles influenciaram o Have Heart que influenciou o Verse (Rhode Island) e por aí foi se espalhando uma versão mais positiva da cena local.
Com letras que tratam do cotidiano dos jovens, das frustrações e anseios, bem como de superação e de como o hardcore pode ser um ambiente saudável para tratar desses assuntos, saindo de certos clichês, o Bane contagiou toda uma geração e não à toa se mantiveram firmes por mais de 20 anos, comprometidos com toda uma cena e honrando cada palavra escrita nas letras de suas músicas.
Eu conheci o Bane em 2002/2003, através de Antônio Loula (Entorte Discos). Antônio foi um cara super importante para uma cena que se renovava em Salvador na primeira metade da década de 2000. Ele tinha a possibilidade de deixar baixando em sua casa, o dia todo, arquivos de músicas e vídeos no programa Soulseek, com isso tive acesso aos vídeos de algumas edições do festival Hellfest realizado na cidade de Syracuse (NY), não confundir com o festival realizado na França. Dentre as muitas bandas que tive o primeiro contato através desses vídeos estava o Bane, e porra a energia que tinha a apresentação dos caras me fez querer mais deles, fui atrás de discos e passei a acompanhar, mesmo de longe as coisas feitas pelos caras.
Uma boa prática de algumas bandas norte-americanas é finalizar sua carreira em grande estilo, assim foi com o Have Heart que fez um lindo show quando decidiram parar as atividades e com o Bane não foi diferente. Na época, em 2016, confesso que nem dei muita importância ao término da banda, achei que de fato os caras tinham tomado a atitude correta, em terminar a banda bem, na sua plena forma, cheguei a ver um vídeo da faixa “Can We Start Again”, achando foda toda bagunça feita pelo público presente. Não me toquei que não tinha rolado o show completo e na minha mente pensei que jamais rolaria.
Contudo, no último sábado (27/06) estava perdendo tempo no Instagram quando vejo nos stories de XDan, Danilo Vieira, um cartaz da premiere do último show do Bane, aquele ocorrido em 2016. Mal acreditei e também fiquei sem entender o motivo disso agora, somente depois de 04 anos. Fui no perfil responsável pelas filmagens e edição desse show, o magnifico Hate5Six, e lá tinha um vídeo no IGTV da faixa “Calling Hours”, executada nesse show de despedida. Parei para ver e fiquei meio em choque, sem saber o que sentia ao ver toda aquela celebração. Tive que assistir esse vídeo mais uma vez, para sentir realmente o que aquilo significava pra mim, bateu tudo! Mas ainda precisava de uma terceira prova, para constatar se aquele material estava realmente bom.
Chamei meu filho de 02 anos e coloquei pra ele assistir do meu lado, sentados numa escada. Vimos o vídeo, e ele sem esboçar muita reação, me fez crer que tinha achado uma bosta, até que ele se levantou da escada e começou a jogar os braços para todos os lados, com isso atestei que realmente eu deveria assistir com carinho esse show.
São 2 horas de um set matador executado por esses ícones do hardcore mundial. Sendo sincero, eu nem terminaria de ler esse texto, iria correndo ver e sentir um pouco do que estou falando, até porque eu jamais poderei transcrever tamanho sentimento passado nessas duas horas de pura aula hardcore.
Sim, acabei descobrindo o motivo de ter saído agora a íntegra do show de despedida. O Hate5Six, ao lado do Bane, fizeram uma campanha em benefício de Stu Maguire, baixista da banda até 2012, que vem lutando contra um câncer. A campanha tinha como objetivo arrecadar $25.000,00 para custeio médico e auxílio ao Stu, caso fosse atingida a meta o Bane iria autorizar a exibição da íntegra do show de despedida. Em menos de 24 horas a meta foi batida.
Com isso o Hate5Six teve de se virar para organizar tudo para grande estreia, e claro dobrar a meta, que agora já alcançou a marca de mais de $40.000,00. Sim, toda positividade do Bane, está sendo transformada em algo básico da cena hardcore: SOLIDARIEDADE. Pois bem, tudo organizado, data escolhida, mas os caras não iriam deixar passar batido tamanho gesto de amor. Então, além de estreia mundial realizada em 27/06, a banda iria se reunir novamente para trocar uma ideia com o pessoal que estivesse assistindo o show. Eu preferi ver o show com calma, sem muita agonia.
Abri o YouTube e dei o play, quando as luzes se acenderam eu não acreditava naquela cena, eram mais de 2.000 pessoas grudadas por todos os lados do The Palladium, localizado na cidade natal dos caras. A primeira imagem era justamente esse paredão de pessoas em cima do palco, era como se todos e todas ali presentes estivessem abraçando a banda, nessa despedida mágica.
Antes de iniciar o set, Aaron Bedard (voz) fala um pouco sobre um amigo que se foi e dedica todo set a esse amigo, pede assim um minuto de silêncio que é religiosamente respeitado pelas milhares de pessoas presentes. 1 minuto se passou, e agora o caos começa “Ante Up” abre o set, fazendo geral ir a loucura. Uma sucessão de stage dives e headwalks, corpos voando por todos os lados, a felicidade estava estampada na cara de todas as pessoas que ali celebravam essa despedida.
Acertadamente o Bane não quis assumir o protagonismo dessa celebração, apesar de se tratar do último show da banda. Os caras decidiram celebrar com toda uma cena que foi construída nessas duas décadas, foram diversas participações, tais como Joe “Hardcore”, organizador do festival This Is Hardcore; membros das bandas Cruel Hand, Terror, Reach the Sky, Down to Nothing, Have Heart, Rotting Out, Code Orange, bem como ex integrantes da banda, inclusive Stu, que se revezavam nos instrumentos nesse verdadeiro culto ao estilo de vida hardcore. Aqui já estava claro que não se tratava mais apenas do show de despedida do Bane, mas de um show que visava demonstrar que o hardcore continua vivo, dentro dos corações de cada pessoa que ali estava, independente da sua idade, o hardcore permanece vivo.
Após uma hora de set, a banda para, respira e retorna como se fosse acabar o mundo com “Can we Start Again”, seguida de “Scared”, a intenção era por o Palladium abaixo. Corpos suados, cabeças quebradas, sangue e muito dancefloor, bastante dancefloor. A pista tava linda, corpos amontoados, 1…2…3, sei lá, 10 corpos empilhados e se engalfinhando ao som desses mestres do hardcore contemporâneo.
E quando tudo é para dar certo, não tem erro. Em um determinado momento do show uma garotinha decide dar um stage dive, no exato momento que ela pula a banda dá uma pausa. Ela volta ao palco e como se fosse tudo ensaiado, o Bane retorna com mais pancadas sonoras e chuva de esperança na vida daqueles e daquelas que eles tanto ajudaram com suas letras, tal como esse que aqui escreve. Sendo assim, observando tudo isso, foi inevitável antes mesmo do fim do concerto não cair lágrimas do meus olhos, tamanha emoção que esse show conseguiu me passar.
“Calling Hours”, como já dito anteriormente foi um dos pontos máximos do show, talvez perdendo apenas para “Some Came Running” que pra mim tem um sentido especial. A banda passou a régua nos seus 20 anos de atividade com “Swan Song”, abraços e choros.
Importante destacar algo que o Aaron deixou como mensagem, que a música nunca morre, o Ramones não morreu, o Minor Threat sempre estará vivo em nossos corações e complemento aqui que o Bane também sempre será importante, estando ai disponível para quantas mais gerações quiserem ouvir, entender e ter esse porto seguro que é a forma como a banda consegue nos animar.
“Isso é minha terapia,
Você sopra vento em mim,
Minha única sanidade,
Dentro dessas paredes é onde sou livre”
(“My Therapy” – Bane)
-Bane em The Last Show World Premiere
Por Dudu