Banditismo é o novo EP do MC baiano DNGUNI, que segue criando linhas de fuga para bater de frente com o sistema da branquitude
“Vocês não querem um preto radical, me rejeitam igual uma espinha carnal”
Em nosso país a existência negra é um processo de resistência contínuo ao longo de mais de 500 anos, e nesse sentido o rap como elemento da cultura hip-hop se constituiu historicamente como uma arma a mais de esclarecimento crítico e de agenciamentos coletivo contra as mazelas sofridas pela população negra e periférica! Por pelo menos pouco mais de 3 décadas foi esse o papel do rap, que hoje por seu forte papel na indústria cultural tem cada vez mais se tornado apenas um chaveirinho da cultura pop, um penduricalho legitimador em alguns casos, ou totalmente esvaziado em outros.
Com uma carreira relativamente recente porém extremamente intensa em termos de produção, o MC baiano DNGUNI fincou sua bandeira poético-musical no Drill, produzindo uma arte que segue em franca evolução. Preto nordestino, periférico, pai de família e enfrentando todas as dificuldades que esses marcadores impõe, o artista segue produzindo em um ritmo alucinante e com uma consistência cada vez maior. No meio das dificuldades extras impostas pela pandemia, o MC vem produzindo discos, EP’s e audiovisuais muito bem feitos, e que destoam da mediocridade comum seja no drill, seja no trap ou mesmo no rap mais mainstream.
Seu novo trabalho, que sucede o EP Cascavel (2021) lançado no começo do ano se chama Banditismo (2021) e se aqui se repete dentro da estética do drill, aprofunda e expande questões fundamentais em nossa sociedade. Partindo de uma visão Pan Africanista, DNGUNI mantém sua singularidade na construção das rimas, fixa seu flow com força e “habita”os beats de um modo que não é exagero dizer, é só seu. Em seu trabalho anterior o artista inocula o veneno da “cascavel” neste sistema fake e extremista que visa exterminar o povo preto de diversas formas. Agora com Banditismo (2021), ele joga com a ideia de comportamento marginal, assumindo-se como o ‘“bandido” necessário dentro de um sistema que legalizou a morte, o roubo e a opressão generalizada das minorias.
O recente work in progress de DNGUNI tem colocado em cheque o sistema de visibilização de artistas dentro das mídias nacionais e locais. Em um fake game que erigi Tony Montana de condomínio, mentirosos que versam como vivência aquilo que no máximo habita seus imaginários, os versos de DNGUNI, seu approach e suas punchlines, wordplays, imagens poéticas emanam de uma vida real. Ele canta em uma das faixas: “Vocês não querem um preto radical” e esse ponto é fundamental para entendermos como a industria cultural opera com a negritude incluída, e de que modo opera para o constante esvaziamento da cultura hip-hop.
Sem ilusões, DNGUNI sonha com os sonhos de quem está sempre desperto mesmo quando passeia pelo reino do onírico, por isso não abraça a esquerda branca, não possui ilusões com relação às mídias que visam meramente o lucro. O artista segue trampando com uma firmeza pouco vista, se referenciando em civilizações e signos de mãe África, cuspindo versos contra o pêndulo de engano/morte de muitos jovens negros, a segurança da polícia e a oportunidade do tráfico.
Estes temas atravessam com muita potência as faixas que compõe o EP e configura mais um trabalho que se faz um a mais na luta que se faz necessária na Bahia e no Brasil de hoje: produzir um povo negro em levante” Esse é o Banditismo que tem que porvir, porém o caminho é longo. DNGUNI segue sendo uma excelente surpresa no rap baiano, com uma produção intensa, muito bem informada e com um conteúdo artístico essencial para os dias de hoje e para o futuro do povo negro!
-Banditismo (2021) de um preto radical, por DNGUNI
Por Danilo Cruz