O grupo instrumental Bagum acaba de lançar um audiovisual reunindo os vocais de Vandal e Livia Nery, e junto vem o EP 16 (2022)!
Fazer música instrumental no Brasil é uma profissão de fé, somos um país que se arvora de ter uma das músicas mais ricas do mundo – e é verdade – mas desconhecemos os nossos grandes músicos. São diversos os motivos para essa desvalorização, que nos leva a prescindir enquanto povo, de nomes que vão de Moacir Santos à Letieres Leite, e não cabe aqui analisarmos esse problema. Nos interessa aqui observar e catalisar o trabalho do quarteto baiano Bagum!
Turma jovem e que tem encampado com originalidade e independência estética a sua produção instrumental em terras baianas. A Bagum vem aos poucos e com a dificuldade que músicos enfrentam para gravar e lançar, soltando pequenas jóias instrumentais audiovisuais e acabam de lançar o seu terceiro EP: 16 (2022) com as participações de Paulo Pitta, Livia Nery e Vandal.
Após os intimistas, atmosféricos e de grooves furtivos: Tecido (2018) e Vento (2020), os caras parecem buscar uma maior expansão de sua música, em termos espaciais mesmo. A Bagum como todo grupo musical, vem desenvolvendo sua própria linguagem. Experimentando timbres, instrumentos e arranjos ao longo de seus últimos trabalhos, os caras já possuem – se é que podemos afirmar isso – uma identidade própria. Porém, seguem buscando ampliar o terreno que sua imaginação musical pode cobrir, ou mesmo desvelar, vir a ser.
É talvez nesse sentido, que possamos compreender esse novo trabalho, onde ao longo de 6 músicas, os caras escolheram dois nomes distintos e distintivos para acrescentar palavras ao seu som. Conjugando-se a outras linhas e levando o seu som a campos muito amplos da produção musical baiana contemporânea. De um lado trazem a cantora, compositora e produtora musical Livia Nery e de outro o pixador e MC Vandal, dois nomes ímpares que reunidos pela Bagum produzem resultados muito interessantes.
Primeiramente lançados como singles, as faixas Era Você e BIKINIH & CEROLH foram “mixadas” em um audiovisual que consegue a façanha de nos apresentar uma síntese, dessa junção. Se no curta metragem que reunia as faixas de Vento (2020) segundo EP da banda, os caras estavam imersos numa trip dentro da natureza em Bom Jesus dos Passos na Bahia de Todos os Santos, neste novo, os piratas invadem a cidade.
Piratas porque, os atuais bucaneiros: Gabriel Burgos (bateria), Pedro Leonelli (guitarra) e Pedro Tourinho (baixo) e Pedro Oliveira (teclado, sintetizador e efeitos), não se prendem a um formato, mesclando pitadas de funk, jazz, música progressiva, ritmos brasileiros, rock, etc… Expressando assim uma sonoridade que não é possível colocar em uma caixinha pré-definida!
O videoclipe Era Você / BIKINIH & CEROLH capta esse nomadismo musical de rolê pela caótica e linda Salcity, talvez o único lugar do mundo onde seja possível juntar tão bem três galeras brabas e tão diferentes numa convergência tão classicamente baiana (pra roubar o comentário do Walter Cruz no youtube). O resultado dessa convergência é esteticamente instigante e bonito, ao se propor juntar duas composições poéticas tão distintas sob andamentos diferenciais, visualmente em movimento de prospecção do que pode ser – do que essa cidade é capaz de expressar – apesar de tudo.
A direção é assinada por Alan dos Anjos que já tinha co-dirigido Ventos com a Milena Abreu, ele que registra os audiovisuais da Bagum desde 2016, ano de fundação da banda e motivo do título do EP. Lucas Raion ficou responsável pela fotografia e quem assina a bela direção de arte é Bel Abreu, a produção é de Gabriel Burgos e Filipe Duarte!
A crueza vanguardista oriunda da periferia de carona no carro da Bagum, Vandal apresenta a potência poética da rua, dos guetos, da negritude que se recusa ser submetida. O trabalho poético informado e doce, da cantora e compositora Livia Nery, e o seu conhecimento musical complementam nossa visão com uma produção noturna belíssima. Nos dois casos, fala-se de amor, memória, buscas, desencontros. A Bagum nesse sentido reúne muito bem o que poderia ser visto como polos opostos, culturais, raciais e socioeconômicos, e que através do tapete voador musical da banda se tocam, com honestidade suficiente para incorporar essas forças às suas artes!
Faço aqui o movimento de leitura de quem primeiro viu o audiovisual, e que na sequência recebeu nos peito o EP 16 (2022). Ontem recebi o release com as informações mais técnicas oriundas da produção da banda. Para nossa surpresa e contentamento, descobrimos que a faixa de abertura do trabalho que conta com a participação do saxofonista Paulo Pitta (Ofá Trio) é uma homenagem ao saudoso Letieres Leite. “Manda pra Lukas” é um tema que começa de modo evocativo através do sax de Paulo e do synth do Pedro Oliveira, para receber a cozinha finamente cadenciada de Gabriel e Pedro. O tema se desenvolve num groove macio, com a cama feita pelo sintetizador, até ganhar contornos rockers mais pesados e uma quebra de andamento invocada. Certamente o mestre agradece o carinho e o talento.
Disco que contou com a produção musical do multifacetado Tiago Simões do estúdio Cremenow Studio e que também assina a mix e master do trabalho, possui ainda outros três temas instrumentais. “Da Terra”, que abre os trabalhos com a guitarra do Pedro Leonelli e que recebe um tratamento com uma atmosfera de rock progressivo do Paulo, as mudanças de andamento, é um verdadeiro para balançar o esqueleto na maciota!
A curtinha “Cristalzinho” é um tema etéreo doce, quase um interlúdio, o diminutivo do nome e o tempo da faixa, só são pequenos em minutos, mas é um daqueles temas que ficam presos na memória. A música que encerra o EP é “Lua”, e que linha de baixo sacana do Pedro Tourinho, o tema é mais soturno, chegando às portas do suspense em seu desenvolvimento, até se iluminar um pouco nos seus minutos finais.
É muito bom, para quem gosta de música ver uma turma jovem de excelentes músicos que utilizam sua virtuose para buscar expandir-se sem se prender em fórmulas ou naquilo já alcançado. Uma busca em favor da música, não de um onanismo que se compraz com o próprio talento e técnica. Ouvir a Bagum é um prazer contínuo, sem interrupções, acompanhar seu movimento de expansão e de seus aliados musicais, parceiros e homenageados é o que nos leva a escrever, o que nos impulsiona a tentar pensar uma música de construções complexas mas que bate no corpo com a simplicidade dos reais prazeres da vida. Aqui não há necessidade de pressupostos preparados de antemão para justificar o corpo em seus movimentos diante do som recebido.
Escutem!
-BAGUM x VANDAL x Livia Nery e o amor através de Salcity!
Por Danilo Cruz