Nosso colunista Tom Siqueira fez uma análise dos 40 anos da Bad Religion, resenhando um importante álbum de cada uma dessas 4 décadas. Tudo isso a partir de sua paixão pela banda.
Este ano, o Bad Religion completa 40 anos de carreira, e está comemorando em grande estilo. Já fomos avisados sobre uma série de singles a serem lançados, sendo o primeiro a nova e magnífica versão de “Faith Alone”, composição do vocalista Greg Graffin, que figurou o impecável tracklist do clássico Against The Grain (1990). Agora aparece em tom sinfônico e atmosférico, dando ainda mais significado a como tem sido para esses, agora, senhores, acostumados a colocar a atitude e a razão acima da fé e das orações, no ano da pandemia, enfrentar o mundo e aguardar respostas do meio das almofadas dos seus sofás.
O próximo lançamento nos streamings será uma versão demo de “Lose Your Head”, outro título sugestivo para 2020, tirado direto da caminhada que culminou no lançamento de Age of Unreason (2019), último esforço inédito, que acabou dando o start em todas essas comemorações. Mas apesar do valor de todas essas surpresas, o grande presente para os fãs esse ano é sem dúvidas a, já festejadíssima, autobiografia Do What You Want.
Enquanto escrevo a matéria, ainda aguardo a chegada do material nas nossas queridas bookstores, mas, por tudo que já temos conhecimento, Do What You Want, promete dar dimensão épica a uma carreira que fez demais pela cena punk americana e deu à muitos jovens ao redor do mundo a opção de mudar de ideia. O livro, que teve lançamento agendado para 18 de Agosto, foi escrito pela própria banda junto ao Jim Ruland, famoso por sua colaboração com inúmeros zines que cobriam o movimento na década de 90, e seu brilhante trabalho como coautor na My Damage, The Story Of A Punk Survivor, que disseca a trajetória do vocalista Keith Morris (Black Flag/Circle Jerks).
A minha expectativa para com essa biografia é imensa e intimamente afetiva, e a razão é muito simples: o Bad Religion foi a banda que me formou como ser humano, e uma das 3 mais importantes da minha vida no setor musical. Antes deles, música era diversão, um acessório, trilha para bons momentos. Estamos falando de quando comecei mesmo a descobrir esse universo. Apesar de já admirar alguns artistas, e sentir que aquilo teria um significado diferente do que para mais de 90% das pessoas que me rodeavam (e isso já me fazia sentir ainda mais diferente do ambiente em que vivia), não conseguia me conectar em nada com o visual, conceito, letras, estilo de vida, ou qualquer coisa que viesse das “lendas do rock”. O som era incrível, e muitas estão entre minhas bandas preferidas, mas já começava a me questionar se existia mesmo um espaço pra mim naquilo tudo.
Estou, neste exato momento, emocionado, ouvindo o Stranger Than Fiction no mais alto volume, enquanto preparo essa carta aberta de parabéns para os caras que dividiram com meus pais a missão de formação do meu caráter. Assim que “Infected”, seguida das demais tracks de Stranger apareceram pra mim, me encontrei no mundo dos sons, e comecei um processo de aceitação e questionamentos que me fizeram aprender a lidar com fraquezas e inseguranças que só a sensação de pertencimento e a representativa que tinha ali poderiam fazer por uma criança. Ainda buscava fendas para me encaixar nos preocupantes aspectos que começavam a se formar e anunciar a chegada da adolescência. Tenha certeza de que isso aqui tá sendo um daqueles casos em que é mais sobre mim até do que sobre a música.
Minha primeira camiseta de banda da vida foi deles, e a usava como uma armadura. O Bad Religion agora era um escudo pra mim, e o punk não era mais aquele cara de moicano, não era mais destruição, ele não tinha mais visual, estereótipo, e também poderia reconstruir. Não existia alguém que lhe legitimaria como punk. Punk era o espírito, a atitude, o “change of ideas”, e o saber lidar com o fardo de viver abraçado aos seus princípios e valores, que certamente não serão exaltados pelo nosso modelo social. Eu não tinha que me esforçar para ser como aqueles caras, eu já fazia parte, de alguma forma.
Quem conhece a realidade da era do CD vai se identificar: economizar todo o dinheiro da merenda e criar vários projetos para conseguir o máximo de músicas possível em uma única compra. O material que chegava no país era limitadíssimo, e os valores eram absurdos até para os lançamentos mais populares. Nesse sentido, as coletâneas e os discos ao vivo viraram febre, e sempre pareciam a melhor opção. Assim, Tested, um violento ataque sonoro que cobria toda a tour de 1996, acabou se tornando um dos meus companheiros de aventuras. São 27 faixas ao vivo (dentre elas, 3 inéditas em estúdio) que nos presenteia, envolto em uma das produções mais cruas da história do grupo, o punk veloz e melodioso em seu estado mais agressivo.
O Bad Religion foi formado em 1980, em San Fernando Valley, e isso já dizia muito sobre como seria a personalidade que o grupo assumiria na cena de Hollywood. O BR seria sempre a banda outsider, e já fica claro em seu primeiro disco, How Could Hell Be Any Worse?, de 1982, que seria difícil para os punks entenderem logo de cara qual era a deles.
O disco, segundo lançamento da história da Epitaph Records, gravadora independente do guitarrista Brett Gurewitz, criada justamente para ser veículo para os projetos da banda (o EP autointitulado também tinha saído por lá), é sólido e traz algumas grandes músicas. O material sempre foi apontado como influência por muita gente, de Fat Mike à Zack De La Rocha, e sim, não dá pra ignorar aquela capa e aquele título, sem falar que “Fuck Armageddon… This is Hell” sempre esteve no meu top 3 de composições do grupo. Acontece que você consegue sentir que ainda temos um som em construção, principalmente quando o comparamos com outros debuts da época, trazendo um conceito pronto e forte, como a cartilha do pop-punk em Milo Goes To College, do Descendents, a fúria de uma banda contra o mundo em Damaged, do Black Flag, e claro, o disco que definiu uma geração, o criador do hardcore por excelência: o autointitulado do Bad Brains. E claro que esses me impactaram e influenciaram bem mais que o do BR.
De lá para cá, agora com 17 lançamentos, muita coisa aconteceu, e acredito que a melhor forma de fazer um dossiê de banda sem entregar todo o ouro da vindoura autobiografia, seja dando minha visão pessoal de quatro momentos cruciais dessa trajetória traduzidos em discos, um de cada década, que deixarão um belo legado do grupo para as próximas gerações. Vamos nessa:
ANOS 80:
SUFFER (1988)
Como já vimos, a banda demorou a se encontrar, e passou os anos 80 em uma caminhada árdua para definir o seu som, tudo isso com várias mudanças de formação e algumas separações. Brett e Greg, os donos da bola, não ficaram satisfeitos com o que apresentaram em seu primeiro disco cheio, e decidiram tentar algo totalmente diferente na segunda investida.
Não é surpresa para ninguém que os dois são aficionados por rock progressivo. Greg usava camiseta do Yes nos shows, e o nome Epitaph foi dado por Brett como uma homenagem ao King Crimson e ao Emerson Lake and Palmer. O Professor também nunca escondeu que é amante do pop setentista e bebe na fonte de pilares como Todd Rundgren, que inclusive já produziu a banda em The New America (2000).
Com toda essa bagagem e uma nova cozinha, o Bad Religion coloca na praça Into The Unknown (1983), álbum que traz uma mistura do prog do Genesis, Jethro Tull e das bandas já citadas, e um power pop espacial(!) cheio de sintetizadores que deixou o grupo com ares de 10cc e ELO (prestem atenção na capa!). Eu sou um grande fã de ELO, e a bolacha não é ruim! É, no mínimo, curiosa, e vale muito uma ouvida, mesmo que você não seja chegado nesse tipo de som. Mas sim, não faz sentido algum dentro da linha do tempo de uma banda que tinha acabado de aportar em uma cena punk madura que já se inclinava para a chegada do hardcore. Isso sem falar na qualidade da produção que deixava tudo ainda mais confuso. Um caso clássico de lugar errado, hora errada.
Apesar da satisfação dos integrantes com o resultado final, não tinha como cobrar da plateia, sedenta por sons cada vez mais sujos e agressivos, uma compreensão do que tinham cometido ali. Resultado: tocaram o material ao vivo uma única vez, e se separaram logo em seguida.
A banda precisava mesmo de um tempo para decidir muito bem o que queria com sua carreira dali para frente. Ensaiaram até uma volta com o EP de sugestivo nome: Back To The Known. Contavam agora com Greg Hetson (Circle Jerks) assumindo de vez a guitarra – ele já tinha gravado o solo de “Part III”, do primeiro disco, e tava sempre “por ali” nas reuniões da banda, substituindo Brett, que optou por apenas produzir a bolachinha. Foi mais uma tentativa que não deu em nada, e o BR acabou mais uma vez.
Quando tudo parecia perdido, em 1988, Graffin e Gurewitz se unem à Hetson, Jay Bentley e Pete Finestone para dar origem à formação clássica da banda e lançar o disco que inauguraria a lendária corrente de pérolas que viria pela frente nos próximos 4/5 anos. Sim, eles tinham finalmente encontrado a sua identidade, e enquanto os dois primeiros discos não inventaram a roda, agora seriam responsáveis por forjar o som que mais representaria o punk e o hardcore na década seguinte. Absurdo.
A hoje lendária capa de Suffer, arte de Jerry Mahoney, já anunciava que a influência prog e os sintetizadores já não eram mais parte do repertório, e davam lugar à visão definitiva que teríamos da banda: andamento acelerado, letras inteligentíssimas, e a maior contribuição que o grupo trouxe ao punk: a melodia. O Bad Religion inovou trazendo um Greg Graffin que tinha encontrado sua voz, e os backings vocals de outrora evoluíram para harmonias vocais dignas de Crosby, Stills e Nash. Era um animal completamente diferente. Uma banda furiosa, revigorada e pronta para se firmar como expoente do estilo.
O que o Bad Brains fez pelos anos 80, o BR fez pelos 90, e vários grupos decidiram o que fazer no exato momento em que botaram a bolacha para tocar, e todo aquele “boom” conhecido como skatepunk, e que acabou até desembocando no hardcore melódico, encabeçado por figuras como NOFX e Pennywise, usaram Suffer como sua “bíblia”.
O disco saiu pela Epitaph, produzido pela própria banda, com participação das garotas do L7, e assim que se ouve os acordes e a letra ácida de “You Are (The Government)” logo se sabe que se está diante de uma bomba sonora, e que refletia a dor de uma geração em pedaços. Fat Mike diria que foi o álbum que mudou tudo, e concordo. Suffer ainda traz “Do What You Want” – nenhuma música na história define melhor o punk rock do que ela, e encapsula tudo que o grupo sempre quis passar. Tornou-se um cartão de visitas, e não é à toa que empresta o nome à já comentada autobiografia. Enfim, clássico real. Só ouça muito alto.
ANOS 90:
STRANGER THAN FICTION (1994)
Depois de toda aquela turbulência nos negócios, O Bad Religion lançou um petardo atrás do outro, e é bem difícil se decidir entre obras como No Control, Against The Grain e Generator, e finalmente chegamos à Recife For Hate, álbum que já aponta uma nova direção e mostra o grupo buscando experimentações, trazendo convidados variados, como Johnette Napolitano do Concrete Blondie, Eddie Vedder(sim, ele mesmo, que já conhecia os caras da cena dos anos 80 – Ed foi roadie dos Buzzcocks) em seu maior hit “American Jesus”. Preste atenção em sons muito diferentes de tudo que eles já tinham feito como em “All Good Soldiers”, e em outra música que eu colocaria fácil em um top 3 de composições: “Man With A Mission”, brilhante canção de ares country (sim, country!) sobre os perigos da irresponsável construção de mitos modernos – destaque para a belíssima slide guitar(!) de Greg Leisz.
Recipe foi gigante, e era chegada a hora do grupo tomar a tal decisão de adentrar o verdadeiro mainstream em uma major, e foi assim que Stranger Than Fiction invadiu as rádios e a MTV, sob a batuta da Atlantic Records. Andy Wallace, produtor mega, foi o responsável por cuidar do novo som da banda, que aparece ousado, e apesar de explosivo, com uma pegada mais cadenciada e quase post-punk em alguns momentos, com muita ênfase em grooves de baixo (Jay Bentley melhor do que nunca) e bateria, emulando algo entre Hüsker Dü e Gang of Four.
A Atlantic não aprovou o disco nas primeiras audições, e queria encontrar no meio daquilo tudo singles impactantes que justificassem o grupo como a potência maior daquela explosão de punk californiano que bradava nas ruas e nos ouvidos dos jovens. Apesar de “Infected” ter sido a música que mudou tudo para eles, ainda precisavam de algo mais forte para transformar Stranger no som de 94.
Foi então que Brett, que sempre foi o cara dos hits, foi buscar no Against The Grain o maior ataque que o grupo já arquitetou: depois da super gravadora cobrar uma canção pop para robotizar adolescentes na frente da TV e do rádio e criar filas imensas para compra de singles, o Bad Religion regrava “21st Century Boy”, outra clara referência ao King Crimson, transformando em hino uma dura e sarcástica crítica à sociedade zumbi consumista dos anos 90. Golpe certeiro.
Stranger foi o disco que me trouxe para o mundo do Bad Religion, e é incrível como as letras de músicas como “The Handshake” e da faixa título ainda conseguem traduzir nossas batalhas do dia a dia, e como ainda mexem comigo. O disco vence muito por conta do texto fortíssimo, e acalma os mais radicais que achavam que o grupo mudaria seu foco por conta dos novos acordos com os grandes chefões da indústria. O Bad Religion queria mudar o sistema, e agora estava na sua sala de reuniões, batalhando do mesmo jeito, mas dessa vez, de dentro pra fora. O disco ainda traz o holofote para a cena, com participações de Tim Armstrong (Operation Ivy/Rancid) e Jim Lindberg (Pennywise). Aqui, o Bad Religion consegue tocar o mundo e também fecha uma fase de discos que entrarão para a história com um som forte e bastante politizado.
ANOS 2000:
THE EMPIRE STRIKES FIRST (2004)
Como vimos, 1994 foi o ano do skatepunk. Smash, disco do Offspring explodiu, desencadeou toda uma correria por mais bandas dentro daquele estilo, e a Epitaph estava, finalmente, na crista da onda. Todo o trabalho e a responsabilidade foram os aspectos que realmente pegaram para que o Bad Religion fosse para uma gravadora major. Brett Gurewitz não queria ter que enxergar sua própria banda como mais um negócio, e preferia, ali, ser mais um músico, e deixar outras pessoas fazerem o trabalho burocrático. Vimos que a decisão foi acertada.
A Epitaph merece o título de maior selo do movimento justamente porque fez algo que ninguém mais apostou: mapeou a cena durante 40 anos, abraçando, sem preconceitos, todas as transformações pelas quais ela passou. Skatepunk, hardcore melódico, emo, metalcore, post-hardcore… eles não ficaram para trás em nenhum desses momentos, e sua celebrada série de coletâneas Punk-O-Rama, grande sacada em vista de tudo que falei sobre a era do CD, virou trilha de tardes ensolaradas para muita gente, apresentando até aos mais desavisados tudo que a cena tinha a oferecer. Toda essa demanda ficou insustentável para ser conciliada com a banda, e agora que tínhamos o Bad Religion no auge, Gurewitz resolve sair.
Temos, então, a entrada do melhor guitarrista da história do punk, Mr. Brian Baker (Minor Threat/Dag Nasty), que também teve enorme importância na minha vida, me levando a conhecer suas bandas mais antigas e acabando por me deixar encantado com o movimento straight edge (mas isso já é uma outra história). Acontece que o grupo perdia um de seus cabeças e principais compositores, e o Professor, enfurecido, se questionava se conseguiria tocar o barco sozinho.
O que vemos em seguida é um Bad Religion se esforçando, procurando novos caminhos, com o poder de fogo dos riffs de Baker, e Greg se afastando do conteúdo político para tratar de questões mais pessoais. O resultado deixou os fãs a desejar, com uma trinca de álbuns considerados por muitos como esquecíveis. Apesar de tudo, gostaria de exaltar o trabalho de guitarras de The Gray Race (1996), e uma visão mais positiva do grupo em muitas das letras do já citado, The New America (2000).
Greg e Brett nunca foram de compor juntos na mesma sala. Greg é a melodia ácida, tem um texto duro, embasado, introspectivo, e talvez, por isso, tenha seguindo também em uma carreira solo com bons discos mais orientados para o folk. Brett é a melodia doce, o hitmaker, consegue ser direto, pungente. O que une os dois é justamente o peso das palavras e a emoção que colocam em cada nota. É algo que não pode separá-los. E foi por isso que, em 2002, a dupla se reúne para sua redenção: The Process of Belief.
Process traz como single “Sorrow”, canção épica sobre questionamentos da fé em um mundo pós 11 de setembro, e apresenta o grupo em uma formação que mais parece um dream team do punk/hardcore: Greg, Jay, Brett na terceira guitarra (acompanhado de Hetson e Baker), e o prodígio Brooks Wackerman (Infectious Grooves, Suicidal Tendencies, Vandals) na bateria. Merece ser conferido.
Esse time está de volta, dois anos depois, com seu projeto mais icônico daquela década. Com a equipe mais entrosada do que nunca, The Empire Strikes First, título que dá claro sinal de que o alvo do disco seria a Guerra do Iraque, já abre com um ataque supersônico em “Sinister Rouge”, e revela um BR mais pesado e agressivo do que nunca. Que bateria! Sério, é de tirar o fôlego!
Não há muito o que falar, a não ser que o grupo nunca soou em tamanha harmonia, e conseguiu criar um clássico instantâneo. E o que dizer de Greg Graffin, sarcasticamente, gritando “The people who benefit most are breaking bread with their benevolent host/Who never stole from the rich to give to the poor/All he ever gave to them was a war/And a foreign enemy to deplore” ao som de 3 guitarras crocantes, e harmonias hipnotizantes em “Let Them Eat War”? Era o Bad Religion contra um Bush novamente.
Falando em “Let Them”, ainda contamos com versos do rapper(!) Sage Francis que atesta que estamos diante de mais um twist nas bases sonoras do grupo. Ainda temos corais, violinos e órgãos aqui e ali que deixam tudo ainda mais robusto. Um Bad Religion corajoso, na cara, adulto, e com muita fome de bola. Empire recolocou o grupo no topo, e ainda fez de “Los Angeles is Burning” mais um hit para sua conta. O mundo estava salvo novamente.
ANOS 2010:
AGE OF UNREASON (2019)
O disco que começaria esse aniversário tinha tudo para dar errado. Na mesa, mais uma troca de integrantes, e dessa vez, bem traumática: saiam a lenda Greg Hetson, fiel companheiro dos caras nesses 39 anos, e Brooks Wackerman, o homem que deu novo vigor ao som do conjunto em sua volta triunfal, para dar lugar à Mike Dimkich e Jaime Miller, respectivamente. Sem falar que “The Kids are Alt-Right”, primeiro single em 5 anos, não agradou ninguém.
Apesar de tudo, Age of Unreason chega para o mundo em maio de 2019, e mostra uma banda apontando para um novo momento, com um som com ótimas referências de classic rock, chegando até a emular bandas como ZZ Top e Ram Jam – lembrando que o Brian Baker tocou hard rock por 20 anos no Junkyard, e riffs e solos desse calibre já fazem parte de sua assinatura. Isso tudo deu uma respiração muito interessante para as letras que já não se parecem tão raivosas e urgentes, mas dão 10 passos à frente em questão de alcance, se mostrando ainda mais poderosas e realistas, retratando como nunca os reflexos históricos em nossas decisões atuais.
Se engana quem pensa que a banda é sobre a delicada e nociva relação entre os radicais religiosos e a política mundial. O nome e o logo são sim um reflexo (para chocar mesmo) do “boom” dos televangelistas americanos na década de 80, como Jerry Falwell, por exemplo, e sua lendária influência nos governos de Reagen e Bush (e vimos a conexão se repetir entre o Falwell Jr e Donald Trump). O Bad Religion é sobre educação, e ela está mais forte do que nunca no álbum.
Filho de professores, Greg Graffin é o oposto do que todos pensam sobre um rockstar. Não usa calças de couro, não tem o corpo coberto de tatuagens, não bebe, não faz uso de drogas, e ainda ostenta uma vida acadêmica invejável. Greg é formado em Geologia, fez doutorado em biologia evolutiva na Universidade Cornell, em Ithaca, Nova York, e também atua na área como professor universitário. Enquanto todos os garotos da minha idade sonhavam em ser o Axl Rose ou o Kurt Cobain, eu virava a noite aprendendo inglês com os artigos que ele postava no site oficial da banda, sonhando em ser mesmo como o Punk Professor.
A luta de Greg é a minha: que a educação não seja o mero instrumento para formar um profissional, ou atingir um status social, mas um ser humano livre, livre para dialogar com a sua essência e com as nuances de seu próprio papel no mundo. Essa falha no sistema educacional sempre foi o foco dos conceitos da banda, e como vimos em Against The Grain, é sempre mais recompensador remar contra a corrente quando se fala em busca pelo conhecimento. Na visão do Bad Religion, a educação pode mudar o mundo, e é nisso que acredito.
Age of Unreason é o descaso com a construção do caráter, e como isso tem acabado com nossas expectativas para dias melhores. O discurso desse último projeto é forte, cheio de frescor, com muitos dos melhores vocais da vida do Doutor. 2019 foi um ano transformador para mim, e Age foi um companheiro como há muito tempo os discos não eram. Ele realmente tem um tom intimista, chega junto, e ficou entre os meus 3 favoritos daquele ano, junto com The Valley, do Whitechapel e Thoughts And Prayers, do Good Riddance. O BR está pronto para uma nova fase de sua carreira.
O que temos em comum nesses 4 discos de fases tão distintas é uma banda que sempre se manteve fiel a um posicionamento, e isso não tem a ver com nenhuma questão política, mas sim em sempre prezar pelo parar, pensar e questionar. Em 40 anos, o Bad Religion procurou a direção contrária para fazer a coisa certa, e fez. E enquanto corro atrás da minha cópia da Do What You Want, desejo a todos que encontrem alguns momentos divertidos nas páginas desse ou de alguma outra leitura que tenham escolhido para a quarentena, já que a verdade aqui fora já está mais estranha do que a ficção. Feliz aniversário, caras!
Por Tom Siqueira
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