Baco Exu do Blues – BLVESMAN (2018) Em seu segundo disco, o rapper baiano, oferta um produto ao gosto hipster e da classe média branca!
Um dia talvez Criolo seja lembrado por fazer um disco que ao mesmo tempo em que abriu outras perspectivas estéticas para o rap, trouxe o público mais reaça e imbecil pro rap. MPBlezar o rap foi uma operação que despertou um monstro dentro da cena do rap nacional. Num país onde historicamente a cultura negra precisou do embranquecimento para se legitimar, utilizar padrões da famigerada ideia de mpb para legitimar o rap, esvaziou a cultura hip hop de seu conteúdo ameaçador.
Abriu-se um filão onde a começar pela estética, o discurso passou também a ser algo passível de relativizações, e toda sorte de aventuras. Junte-se a isso todo o contexto histórico que se seguiu em nossa esfera macro politica e as perspectivas são assustadoras. Os boys agora não querem ser Tupac, eles se acham o próprio, e acendem velas para ideias como estado mínimo e para meritocracia, e votaram no nosso fascista eleito. Recentemente encontramos o bebê de Rosemary desse processo: o rap de direita.
O rapper baiano radicado em São Paulo, Baco Exu do Blues, fez uma jogada de mestre dentro desse processo em seu ultimo disco solo, BLVESMAN (2018) trabalhando muito bem dentro de uma linha que poderíamos chamar de rap anódino.
Sem querer utilizar qualquer falácia ad hominen, porque é fácil perceber, e é notório que estamos diante de um personagem talentoso, seu segundo disco é exatamente isso, um produto. Um produto muito bem acabado, diga-se de passagem, mas ainda assim, está longe de ser a obra de arte pela qual se vende.
A persona que entoa com boa técnica e com a dicção melhorada os versos no disco aqui em questão, é apenas isso, um personagem. A industria cultural que segue o procedimento de operar signos descodificados em favor da manutenção do status quo, se regozija com artistas como Baco. Na verdade, toda a máquina por trás do seu nome, trabalha em conchavo com aquela outra, formando um bloco inabalável.
Se é muito importante hoje, ser capaz de apresentar com eficiência a arte num mercado musical fragmentado, tão importante quanto é apresentar a obra que se vendeu. E certamente não é isso que conseguimos ouvir em BLVESMAN, um disco preguiçoso e cheio de clichês, nadando dentro de uma piscina de auto complacência, megalomania e de uma auto estima dignas de memes.
Braggadocios é uma forma amplamente utilizada no rap e obviamente legitimas dentro desse contexto musical, no entanto, para os mesmos surtirem efeito é preciso uma coisa que falta a Baco: Legitimidade. A música rap e a cultura hip hop valorizam a verdade no sentindo existencial, através de um modo de ser verídico. Mesmo contradições precisam ser reais, e nesse caso, o artista em questão não tem onde ancorar os seus arroubos de grandeza a não ser no reconhecimento do Multishow ou de um público consumidor, por que na rua né não.
Em sua trajetória musical, Diogo Moncorvo (Baco) foi forjando uma persona que fazia sentido tanto sol, quanto no DDH por sua veia underground. No contexto local, era legitimo um garoto saído da classe média soteropolitana, em confluência com outros atores da cidade, começar uma caminhada. Os capítulos seguintes nos mostraram uma apropriação simbólica primeiro do candomblé, que recebeu naquele momento legitimação de Xarope Mc. Em seguida, no mesmo movimento, houve uma busca pelo caráter internacional do blues como música fundadora de tudo que se fez de importante desde o começo do séc. XX.
O único erro que podemos apontar aqui, em termos éticos e estéticos, consiste a completa falta de âncora existencial para firmar tal movimento. Politicamente, o discurso carinhoso de BLVESMAN (2018) é a manutenção de um combate ante racista que mantém tudo no mesmo lugar. Todos os símbolos, a lírica e auto referência são sempre fakes, ou quando nada, inofensivos.
Em momento algum, a música de Baco é contra corrente, pois esteticamente é um produto tão bem acabado que emprenha o ouvido hipster de modo apolíneo e exalta os dramas da classe média sem tocar em Dionísio (Baco). Da mesma sorte, quanto mais grita preto, mas percebemos a desmelanização dos versos, feitos todos dentro de um contexto branco, sem nenhuma aproximação com o gueto, nem em Salvador e nem em São Paulo. Muito menos com quaisquer iniciativas da cultura hip hop de quebrada, nem um milímetro dentro da cultura, é só rap. São versos ora bem acabados, ora acabados pelos clichês, mas vazios de substância real, impossíveis de serem levados a sério.
Utilizar a história e manipular conceitos de modo pseudo acadêmico é um perigo e um acerto, porque ao mesmo tempo em que demonstra como o discurso é vazio em substância, agrada uma classe média ignorante. A turma do lacre e os boy que leram meia dúzia de livros se mijam de emoção ao ouvir falar do minotauro deles.
Junte-se a isso uma apologia vazia do sexo, identificado com o amor romântico e seus dramas pequeno burgueses, uma certa utilização revoltada da depressão como signo do século, e voilá, temos o disco do ano. Ledo engano.
Cero, quem vive depois da morte física aqui em Salvador é Gardenal, OBZO e Cydrak, esses guerreiros estão de pé pelas ruas, junto a Mito e tantos outros que deram suas vidas nas ruas. O resto é farsa de Kayne West da Bahia, reacionários e Bolsonaros do rap, vivendo fakenews como signo de uma consciência atual.
Nesse sentido, Baco Exu do Blues é a grande Black Fraude do ano, compre um disco de rap e leve um playboy com a máquina da industria cultural a seu favor. Novela anti escravidão da Globo, música de protesto direto do playground.
A classe média e os hipsters que ouvem Muddy Waters entre garrafas de vinho, aquele cabernet souvingon degustado pra arrotar no instagram, não sabem o que é o Blues e nunca ouviram a verdade profunda do sul estadunidense. Eram os donos das nossas plantations, até pouco tempo, são os mesmos que pediram o fim dos Mais Médicos. Assistem Mississipi em Chamas e vestem a roupinha da KKK, na era do duplipensar.
Essas pessoas vão exaltar o disco do ano, ou vão simular algum tipo de genialidade que não é possível se denotar da mera audição desse enlatado. Vão reivindicar as fotos do João Wainer e dar como autenticidade do trabalho, sem notar que estão diante de um filme do Tarantino, colcha de retalhos bem costurada por mera erudição e capital.
As love songs, que são em geral outra forma do rap se render aos dramas da classe média, bobagens como medo de amar e etc… Baco envereda por um caminho certeiro, todos amam, todos amaram, mas o amor preto tá faltando. Ele fala a língua da burguesia branca e da minoria negra que é controlada por algoritmos, analfabetos funcionais, gente que na verdade não escuta rap ou vive a cultura hip hop de fato e de direito.
Da última faixa do disco, B,B. King, poderíamos levantar uma questão: em qual rua o personagem Baco é um Rei? É sim o rei da massa da internet e o queridinho eleito pelos críticos da grande mídia. A música que possui um beat fabuloso de JLZ, termina com um texto declamado por Lucas Andrade, dissertando sobre como o Blues foi re-conhecido pelos brancos. Como assim, em 1903 houve algum reconhecimento da cultura negra? Seria essa afirmação uma especie de chiste onde o rapper consagrado pela mídia branca se confundiu com a história da música negra? Certamente, não é assim que se delira a história preta em diáspora, e nesse caso em especifico, fica muito claro como estamos diante de um produto gourmet.
Sabemos que o Blues americano, durante décadas fora comercializado em race discs (discos raciais), e em 99% por cento dos casos por pretos. E somente nos anos 60 quando os ingleses legitimaram o blues negro e seus gênios, os mesmos gozaram de algum reconhecimento.
Procedimento comum nesse disco, mistificação e clichês em profusão embalados por beats dos grandes Portugal e DKVPZ, que apresentam um trabalho irreparável e emprestam ao disco o único elemento agradável, a sonoridade. As participações de Tim Bernardes, 1LUM3, Bibi Caetano e do trio Tuyo não emprestam a mesma grandeza dos beats, servindo como meros enxertos de vozes e poucas ideias.
O problema do segundo disco, algo comum na história afeta seriamente esse álbum BLVESMAN (2018), pois seu autor mesmo utilizando um cast e uma produção de alto nível, apresenta um rap esvaziado de qualquer conteúdo de luta, tipo um Kayne West apoiando Trump. tipo assim saca ? Mas na rua, né não !