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Discos, Resenha

Babylon by Gus, Vol. 2 (2015) – Black Alien

coverBlack Alien – E o verbo se faz carne.

Muito se tem dito sobre o hiato de onze anos entre o lançamento de Babylon by Gus Vol. 1: O Ano do Macaco e esse novo lançamento. O fato é que Gustavo, o homem, passou por seus infernos pessoais, reaparecendo agora e conseguindo plasmar esses onze anos de vivências em arte. Babylon by Gus Vol. 2 – No Principio Era o Verbo é um petardo de ritmo e poesia e me levou a pensar em muitas coisas, pois é um disco plural, mas sobretudo me levou a lembrar de duas figuras importantes para a música negra. E não me contive, tive que escrever algumas linhas num tom um pouco impressionista sobre. 

Nosso Hendrix está vivo.

No âmbito da música contra-cultural (rock, reggae, rap, etc.) existe de certa forma uma apologia às drogas como elemento capaz de abrir as consciências e como comportamento transgressor. E obviamente ao longo da história do século XX alguns tombaram e outros conseguiram sobreviver, ao consumo excessivo das drogas (todas elas incluídas). Ainda existem aqueles que acreditam que foram essas substâncias que elevaram a arte dos grandes e com toda certeza nada é mais falso. Sempre que escuto algum dos grandes da música vitimados por overdoses, me ocorre aquela pergunta: O que esse cara teria feito se não tivesse morrido? O que Hendrix teria gravado no meio dos anos 70 e no inicio dos 80?

Passar do vicio a condenação moral é o caminho mais fácil. Buscar o autoconhecimento e cultivar a prudência como postura ética capaz de lhe afastar das substâncias que lhe fazem mal, é difícil. Gustavo apresenta esse novo trabalho depois de passar por uma reabilitação para se livrar do vicio em drogas. E confesso que durante algum tempo fiquei apreensivo de que esse novo trabalho fosse alguma espécie de manifesto rasteiro antidrogas passando a dar lições de moral contra o consumo. Repetindo a formula fácil, gritar para os outros, aquilo que preciso acreditar e tentar vencer na repetição vazia de formulas morais (religiosas ou não) aquilo que ainda está em mim.

Black Alien faz da potência de suas palavras e do exercício poético o elemento capaz de nos transmitir a intensidade de sua mudança. A força de sua arte, sua substância já afirma de modo pleno o novo homem presente em novo disco. Que pode ou não servir de espelho para alguém que esteja passando pelos mesmos problemas que ele passou.  Afinal, a arte certamente não é lugar para discursos morais. Antes propõem afetos que nos agrada e nos levam a pensar. Em momento algum percebemos uma postura reativa com relação aos seus vícios; “Do jeito que tava indo, não estava indo.”

O belo se coloca por todos os lados durante o disco, mas começa com a leveza deste posicionamento. E vai além, mostra-nos o quanto, outros elementos são passiveis de tirar a cara. Com certeza muita gente ouvindo esse disco de ontem pra hoje, está lombrado. No xadrez com a morte, todas as jogadas do mestre da rima de Niterói levam ao xeque-mate. Apostando sempre em elementos solares, na clareza e em movimentos poéticos alucinados, Black Alien deixa claro que no planeta em que habita e no novo mundo que criou, a caretice não é aliada da saúde. 

Nosso John Coltrane: A Love Supreme. 

Perguntado sobre os seus planos para a próxima década, John Coltrane (um dos maiores artistas da história da humanidade) respondeu: “Eu vou tentar virar um santo”. E essa foi a outra lembrança que me ocorreu durante as primeiras audições do disco. Pensamento embriagado de uma espiritualidade realmente forte, alegre, auto irônica com as próprias fraquezas, mas sempre consciente de sua própria força. É mais um dos méritos deste grande disco e da força de caráter que se abre a todos que se aproximarem dessa obra. Gustavo consegue nos mostrar isso muito claramente.

Desde o tom da voz para recitar os nomes de sua genealogia familiar até os conteúdos religiosos explícitos no primeiro single lançado: Terra (“Os planos de Jah para mim, são maiores que meus próprios planos para mim”). Black Alien mostra como consegue incorporar na carne do cotidiano a transcendência: “ A laje da minha vó é meu monte Sinai”. Conseguindo fazer com que o novo álbum dialogue plenamente com sua vida anterior. A mudança no modo de ser e ver o mundo conversa com a permanência do tom combativo, transgressor e obviamente na qualidade absurda e transcendental de sua arte.

Passeando por beats os mais diversos, a enxurrada de flows e letras certeiras é a única constante do disco. Participações de Kamau, Parteum, Edi Rock, Céu e Luis Melodia, fortalecem a excelência do registro. Esse é com toda certeza o lançamento mais importante da música brasileira em 2015. A volta mais do que ativa de um dos maiores compositores de nossa música. Esse disco vai ser um clássico?

A aceitação e o reconhecimento honesto dos problemas serviram para fazer com esse homem mantenha o seu corpo redefinido entre nós, o abandono da pretensão em produzir outro clássico, matou o rei e produziu num xeque-mate espetacular uma constatação muito obvio: Black Alien é que é o Clássico.

Nota:  

Leia mais sobre Babylon by Guss Vol. II clicando aqui.

Sem mais delongas, faça o que importa de verdade, ouçam a porrada:

https://www.youtube.com/watch?v=k5Z-AnlxEJE

Produzido por A-Basa A&R: Gustavo Ribeiro

Produção Executiva: Gustavo Ribeiro e Leo Motta
Direção Executiva: Gustavo Ribeiro
Direção Artistica: Gustavo Ribeiro
Mixado por A­Basa no estúdio Red Bull Studio São Paulo, no Red Bull Station
Masterizado por Buguinha no Studio Mundo Novo
Design e Capa: Petit Pois Stúdio

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