Atitude Diferenciada e o clássico do RAP BA Preparado para a Batalha (2006), é mais um resgate de um registro fundamental da nossa cultura!
Porquê você deveria conhecer esse quase debutante registro do Rap Ba…!?
Depois de muito tempo sem escrever porra nenhuma, resolvi que estava na hora de despertar da hibernação. E sem saber exatamente sobre o quê escrever, comecei folhear alguns arquivos antigos e dei de cara com uma antiga entrevista do grupo Atitude Diferenciada, para o site Bocada Forte, por intermédio de Rangell Santana. Naquela altura, junto ao Testemunhaz, o Mobbiu também estava apresentando “as caras” do Rap de Salvador para o resto do Brasil conhecer, e em grande estilo.
Lembro que o ano de 2006 foi um ano de poucos, porém, importantes lançamentos para cena do Rap soteropolitano, muitas apresentações na City, mas poucos discos (e aqui eu me refiro a álbuns) naquele ano. E dentro desse contexto temporal é que surge um dos grandes álbuns daquele período do rap de Salcity.
Não de hoje, o bairro da Boca do Rio figura entre os polos mais prolíficos do Rap de Salvador. Grandes nomes como Verbo de Malandro, PJC, Provérbio Final, Badiga, A Febre, Verídico, Preto Dr e outros tantos, firmaram naquele chão o seu QG. E no final de 2002, surge um dos grandes nomes do Rap da cidade.
Ali surgiu o embrião de Preparado para Batalha (2006), que aqui se apresenta não somente como um grande disco do Rap nacional, mas também como uma prova documental da qualidade, criatividade e força do Rap baiano.
Falar da produção do Rap Ba em 2020, tanto qualitativa quanto quantitativamente falando é chover no molhado, a cena local já não precisa responder a esse tipo de questionamento.
Mas estamos falando da nossa produção lá pelo idos de 2006, pai. Por tanto, “senta que lá vem a história”.
Capitaneado por dois grandes MC’s de Salvador, MC Vitor da Boca do Rio e Miedson de Tancredo Neves, outro bairro que também se apresenta como grande polo criativo do Hip Hop soteropolitano em todos os seus elementos.
O álbum Preparado Para Batalha (2006) do Atitude Diferenciada é altamente significativo em vários aspectos e ser um quase debutante do Rap soteropolitano, acredite, talvez seja o menor deles e você saberá porque.
Logo nas primeiras audições desse trabalho e parafraseando o próprio nome do grupo, a dupla logo ganha destaque pelas suas rimas “diferenciadas”.
As letras mais gângsters que consolidaram o gênero no Brasil pós-Sobrevivendo no Inferno (1997), aqui ganham contornos, sotaques e a cara da Bahia, com uma identidade muito própria, onde se nota em toda sua narrativa, uma linguagem de rua sim, mas das ruas de Salvador. Porém, para além do gângster, o Atitude Diferenciada não se limitou, e correu na busca de novos elementos que enriquecessem seus ares narrativos, o que ficou claro com as suas variações, tanto temáticas quanto de métricas, imersões essas que podem ser notadas ao longo de todo o disco.
COMO NASCE PREPARADO PARA BATALHA
A concepção do trabalho, como não poderia deixar de ser, começa a ganhar seus primeiros contornos ainda em Salvador, e pelas mãos talentosas de Aspri (RBF), que assina a co-produção do trampo, começando assim a nascer o que viria ser um dos grandes discos do Rap Ba daquele ano.
Já em mente com a ideia pré-concebida do que queriam, os manos arrumam suas mochilas e levantam voo, rumo a capital paulista, onde ficaram por 45 dias adquirindo bagagem suficiente para finalização do trabalho.
E por conta de uma ponte feita pelo parceiro Nill (MRN/Verbo Pesado), chegaram ao estúdio Reviravolta Mafia, do consagrado produtor Erick 12, que aqui, dispensa apresentações prévias e que dali em diante assumiria a condução da produção do disco.
A tensão do gângster fica clara após uma breve intro que logo emenda com os versos iniciais e impactantes de “Estado de Choque”. Saber que o “Nosso Cotidiano” violento do lado de cá é uma narrativa antiga, porém não datada, é o que permeia a denúncia dos manos que aqui fazem o contraponto entre essas duas Salvador (Cartão Postal vs. Favelas), nessa eterna dicotomia sócio-racial de nossa ensolarada capital.
E nessa odisséia pela sobrevivência, os manos nos convidam a uma reflexão sobre o equilíbrio (ou a falta dele) de nossos conflitos pessoais, aqui com participações certeiras de Erick 12 nos refrões e o poeta das ruas paulistanas, Nill. Responsável, dentre outras tantas o indiscutível clássico “Noite de Insônia”, conduzem essa que figura entre as melhores tracks do disco.
O bom rap do nordeste já havia trilhado o caminho rumo ao eixo central para mostrar toda a sua capacidade e talento em outros momentos, grupos como Faces do Subúrbio e Afrogueto, já haviam feito bonito e mostrado a força de seus trabalhos. Aqui, A Tropa do Nordeste, liderada pelos cangaceiros do mic, MC’s Vitor e Miedson também não fazem por menos em sua denúncia as nossas mazelas regionais.
“Que eu me organizando posso desorganizar…” Chico Science.
Na mais psicodélica track do disco, “Satélite” nos convida para mais uma viagem visceral, num turbilhão de versos que a uma primeira audição, pode soar como uma sequência de rimas aleatórias, o que não é, uma track que requer mais de uma audição. E aqui vemos uma forte influência de um outro nordestino notável, o mestre Chico Science.
Numa injeção de auto estima, “Vá a Luta”, é daqueles sons que remete ao real bate cabeça, onde o desafio aqui é tentar permanecer parado ao som dos graves potentes dessa porrada sonora. Fortaleça a corrente e venha pra roda.
“A Caminhada”, é outra reflexiva e espiritualizada canção que compõe o disco, e que está alicerçada num beat suave, onde MC Vítor visita suas memórias pessoais.
E pra quem subestimou o talento e a caminhada dessa talentosa dupla que incendiou a cena do nosso Rap, com a sua caneta pesada, aqui vai um recado em forma de rimas. Num beat funkeado, os versos certeiros e colagens primordiais de Racionais e a participação do Branco (ex-Pavilhão 9) dão o tom do recado dos manos.
Mandando seus versos numa levada rítmica envolvente e que hoje muitos classificariam de speed flow, a dupla de rimadores narra as problemáticas sociais, nos alertando sobre as armadilhas históricas de uma estrutura social caótica e corrompida, moldada para aniquilar pretos e pobres periféricos, nos passando a visão de que “A Vida é Uma” só.
Fechando esse grande registro, uma verdadeira celebração ao Rap brasileiro e como o próprio nome sugere, “Hip Hop Brasil” é isso.
Numa das primeiras cyphers entre estados protagonizada por um grupo de Rap baiano, em uma época que o termo já tinha sido cunhado na gringa, mas ainda não havia sido popularizado em terras brasilis.
Pega a visão no bonde que fechou com os manos na composição desse registro. Um verdadeiro time de monstros: Erick 12 (Facção Central/Reviravolta Máfia), W Yo (RPW/Verbo Pesado), Gang Selvagem, P.MC (Jigaboo).
Fica aqui o registro do que entendemos ter sido não somente um encontro de talentosos rappers de diversos cantos do Brasil, que se apresentavam como sendo os da velha e os da nova escola e sim de uma continuidade. Uma autêntica celebração de um mesmo Hip Hop. Um registro clássico para posteridade do Rap Nacional.
Além do lançamento desse antológico registro do Rap soteropolitano, o Atitude Diferenciada, tem em seu currículo apresentações importantíssimas ao lado de outros grandes nomes do rap soteropolitano e a histórica abertura de uma das maiores apresentações do Racionais na cidade.
A boa repercussão do trabalho de estreia do grupo, que estava em grande fase criativa, logo em seguida rendeu a faixa Vamo Na Missão, de 2007, que contava novamente com produção do Dj e produtor Erick 12 e que iria compor um EP pós-Preparado Para Batalha, que infelizmente não saiu. Graças a colaboração de Vítor e do Miedson, nós podemos colocar essa e um remix do grande DJ Edilson como bônus track junto ao disco original!
O Oganpazan tem a honra de colocar esse grande disco a disponibilidade de quem conhecer a história do Rap Baiano, do Atitude Diferenciada.
-Atitude Diferenciada e o clássico do RAP BA Preparado para a Batalha (2006)
Por Paulo Brasil