O machismo e a ganância desenfreada dos “donos do mundo” seguem vitimando mulheres em várias partes do planeta. Os texanos da banda At The Drive In lutam contra o feminicídio em Ciudad Juaréz através de sua música direta e combatente.
Esses dias estava de bobeira e lembrei de um clipe do At the Drive in que acho sensacional. Sem pretensão alguma resolvi compartilhar o clipe contando um pouco da história por trás dele de forma bem simplória e apenas para contextualizar.
Para minha surpresa diversas pessoas comentaram que não sabiam nada sobre a história por trás da música e do clipe, e outras sequer conheciam o clipe. Então, sendo o tema feminicídio algo que nos é tão caro, e sendo o At the Drive In uma banda foda, acho que cabe falar um pouco mais sobre num texto mais abrangente.
Em 2001 o At The Drive In lançou o terceiro single do seu álbum mais badalado, o Relationship of Command, a música escolhida foi ““Invalid Litter Dept.“, uma das faixas mais intensas do álbum.
Tanto a música como o posterior clipe lançado fazem uma verdadeira denuncia a situação das mulheres em Ciudad Juaréz, cidade mexicana que faz divisa com os Estados Unidos, mais especificamente com a cidade de El Paso (Texas), cidade natal do At The Drive In.
O clipe é sensacional, em preto e branco, e durante todo o vídeo passam legendas com informações sobre o massacre das mulheres em Ciudad Juaréz e sobre as exploração de sua mão-de-obra através das maquiladoras.
A primeira legenda que aprece no vídeo é
“Desde 1993 dezenas de mulheres foram mortas em Ciudad Juaréz, México”.
Infelizmente, desde 93’ e desde o lançamento do clipe essa situação só piorou, caracterizando um verdadeiro genocídio das mulheres em Ciudad Juaréz, sem contar o número de mulheres desaparecidas, que em 2011 ultrapassavam as 1000, sem sequer um caso solucionado.
No clipe também é marcante a presença de cruzes pintadas nos postes, além de diversas cruzes espalhadas pela cidade. Isso porque, em sinal de protesto, a comunidade, as feministas e familiares das mulheres mortas ou desaparecidas, começaram a espalhar cruzes pela cidade no intuito de denunciar o feminicídio presente na cidade, o qual foi tão negligenciado pelas autoridades locais.
Inclusive esse é o parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que no caso Gozález e outras (“campo algodoeiro”) vs México considerou que o Estado violou diversos direitos de suas cidadãs, sobretudo pela má condução das investigações das milhares de mulheres desparecidas.
Não por acaso desde 1993 começaram a surgir os casos de desaparecimentos, estupros e mutilações em Ciudad Juárez. Em 1994 foi estabelecido o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, que deu carta branca pra diversas indústrias norteamericanas explorarem a mão de obra barata no México, são as famosas Maquiladoras. As maquiladoras além de optarem por se instalarem em países com legislação trabalhista frágil e com mão de obra barata, importam materiais sem o pgamento de taxas, logo aumentam e muito sua margem de lucro.
Tendo se desenhando previamente a assinatura do Tratado de Livre Comércio, ano antes essas empresas já estudavam os locais onde iriam se instalar, aumentando assim, consideravelmente o fluxo de pessoas em Ciudad Juárez, localizada em região de fronteira e onde encontram-se diversas maquiladoras instaladas. Considera-se a primeira vítima de Feminicídio Alma Chavira Farel, já em Janeiro de 1993
Grande parte das mulheres assassinadas ou desaparecidas em Ciudad Juárez eram funcionárias dessas Maquiladoras, estando em estado de vulnerabilidade, muitas das vezes, devido à localização das maquiladoras e os horários de entrada/saída dos turnos de trabalho.
Necessário destacar que além do fator corrupção do Estado, um fator que se tornou um verdadeiro obstáculo para as investigações dos casos em Ciudad Juárez foi o machismo impregnado na sociedade, tendo inclusive Jessica Livingston constatado em seu artigo Murder in Juárez: Gender, Sexual Violence, and the Global Assembly Line que a violência de gênero em Ciudad Juárez pode ser uma reação negativa contra as mulheres, pois estas obtiveram uma maior autonomia pessoal e independência, já que grande parte da mão de obra das maquiladoras é feminina.
O At The Drive In, com esse vídeo ajudou a ecoar as vozes das vítimas e de todas àquelas que lutam pelo esclarecimento dos assassinatos e desaparecimentos em Ciudad Juárez, assim como a música em si faz críticas diretas aos órgãos federais e ao Estado Mexicano por não dar uma resposta efetiva sobre os crimes ocorridos. Creio que tal tema seja de suma importância para banda, até pelo fato de terem convivido com essa realidade, afinal só uma ponte separa El Paso de Ciudad Juarez.
Para além desse clipe, indico um excelente documentário de 2001, Señorita extraviada, que também denuncia o feminicídio existente em Ciudad Juarez.
https://www.youtube.com/watch?v=nE8xl_p-uiM
Sobre o autor
Dudu é Straight Edge, Membro do coletivo Saco de Vacilo, vocalista da banda Antiporcos, Rubro Negro e viciado em música.