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Arthur Vinih expõe as feridas tóxicas causadas pela Vale

Ferida Exposta, nova música de Arthur Vinih, reaviva a memória sobre os crimes cometidos pela Vale contra a fauna, a flora e o povo de Minas Gerais.

Vivemos um momento impar na história da humanidade, pela primeira vez a economia mundial para por causa de uma doença. Quando o covid 19 começou a se espalhar, governantes europeus não deram a devida importância à gravidade da situação. Viam a China ter os números de infectados e mortos aumentando numa progressão geométrica e não tomaram as medidas necessárias para conter o avanço do vírus em tempo hábil.

Priorizaram a economia, o impacto foi catastrófico, levando a milhares de mortes na Itália e Espanha. Foi preciso a materialização das projeções dos pesquisadores sobre o impacto da doença, caso medidas drásticas não fossem tomadas para conter seu avanço, para que medidas drásticas, mas necessárias, fossem tomadas.

Mesmo diante deste quadro, do exemplo do que o descaso de líderes europeus causou às suas populações, Bolsonaro segue minimizando a gravidade da situação, referindo-se ao covid 19 como “resfriadinho” em pronunciamento oficial. Usa o senso comum de tiozão de boteco para tal, alegando ser o brasileiro uma espécie resistente a doenças, capaz de mergulhar em esgoto e permanecer ilesa.

Essa condição biológica seria suficiente, de acordo com este infectologista de ocasião, para imunizar a população brasileira contra o covid 19. Toda essa campanha pela desqualificação do engajamento na luta contra a contaminação em massa do covid 19 feita por Bolsonaro, visa atender aos anseios de parte do empresariado brasileiro que exige a retomada das atividades comerciais no país. Comportamentos dessa natureza visam preservar os lucros das corporações financeiras, mesmo que custem as vidas de pessoas.

Situação pela qual boa parte da população mineira passou em dois momentos, (Mariana – 2015 e Brumadinho – 2019) quando a mineradora Vale, por negligência na manutenção de suas barragens, provocou o rompimento das mesmas, levando à contaminação e destruição da fauna, flora, áreas urbanas e rurais por onde o mar de dejeto químico passou. O distrito de Bento Rodrigues, pertencente ao município de Mariana, foi dizimado pela lama tóxica produzida pela SAMARCO, empresa controlada pela Vale. Milhares de pessoas foram afetadas e tiveram suas vidas drasticamente destruídas pela mineradora.

Os crimes socioambientais provocados pela Vale passaram impunes. Pouco foi feito para diminuir o dano causado ao meio ambiente e às famílias, vitimadas pela mineradora. O poder público pouco fez no sentido de infligir à mineradora o devido ônus pela responsabilidade dos danos causados pela negligência da Vale na manutenção de suas barragens. Mais uma vez o fator econômico pesou na balança e o lucro se sobrepôs a vida das pessoas e à preservação do meio ambiente.

Ferida Exposta, nova música do compositor mineiro Arthur Vinih, permite essa reflexão acerca do modo como a vida das pessoas tem pouco valor numa sociedade regida de acordo com as necessidades do Mercado. Nesse sentido, a questão colocada por Arthur no refrão da música, “Quanto Vale a vida do povo mineiro?”, pode ser facilmente respondida: diante dos interesses de uma empresa multinacional como a Vale, a vida do povo mineiro não vale um centavo sequer.

A letra da música revela o teor hipócrita dos discursos oficiais emitidos pela empresa e poder público, que passou pano pra mineradora, acerca de reparar os danos causados, uma vez que a realidade nos apresenta um quadro diferente. Situação levantada ao se referir a este descaso como uma “ferida”, que alerta ao cidadão comum sobre a necessidade de mudar sua postura, buscando uma outra direção para suas condutas na esfera política e social. Ainda sobre essa crítica, o verso “Uma, duas vezes, a terceira anunciada na tv.”  denuncia o descaso, o qual potencializa possibilidade de novas tragédias de igual proporção se repetirem. 

Outra questão levantada se apresenta no verso “A memória curta é perigosa, paralisa a multidão”. Podemos relacionar essa imagem ao modo como a mídia conduz suas pautas de acordo com o imediatismo dos acontecimentos. Tal comportamento é adotado porque também a mídia opera de acordo com as leis do mercado, perdendo assim seu caráter social. Nesse sentido, com o passar do tempo, tais ocorrências perdem força na memória coletiva, levando a opinião púbica a esquecer tais acontecimentos. O resultado é a imobilidade da multidão, que uma vez esquecida destes fatos, deixa-os de lado.

Conecta-se a essa linha de raciocínio o verso “O coração da luta é o grito forte da população” na medida que alerta sobre o papel da população na luta contra a impunidade. O cerne desta batalha reside na articulação popular, materializada pelas manifestações e atos que pressionam o poder público a fim de obter a reparação devida pelos prejuízos causados pela Vale.

A letra de Ferida Exposta foi muito bem trabalhada do ponto de vista da expressividade. Usar a palavra vale para se referir a um só tempo ao sentido de preço, custo e o nome da mineradora para colocar a questão acerca do valor que a empresa dá ao povo mineiro, dá uma força representativa maior ao verso. Assim como os demais versos, que possuem recursos imagéticos ricos que remetem às situações ligadas às tragédias de Mariana e Brumadinhos que o compositor quer destacar.

Essa construção imagética através das palavras é muito bem vinculada às imagens usadas durante o clipe, transmitido de forma expressiva a mensagem que a música intenciona transmitir a quem assiste o clipe. Arthur mostra como é possível fazer um bom clipe, com uma boa narrativa contando com poucos recursos. Impecável o trabalho de montagem feito por Ulisses Luciano. 

Passemos à cereja do bolo, a sonoridade apresentada por Arthur nessa música. Acompanho a carreira de Arthur desde a adolescência, quando fundou com outros amigos a Primatas. Houve um avanço significativo em seu modo de tocar, cantar, compor, se expressar, produzir. Embora cada música lançada indicasse uma melhoria técnica, sempre me pareceu faltar algo.

Sempre aguardei o momento em que ouviria aquele som que expressasse em sua totalidade a sonoridade de Arthur Vinih, uma identidade sonora própria. Finalmente ele a encontrou, ouso dizer aqui da minha condição de mero ouvinte. Esta é sem sombra de dúvida a música mais bem acabada, melhor construída e elaborada por Arthur. Há um groove bastante característico, um groove que não há em nenhuma outra composição de Arthur. 

Existe uma originalidade imanente em cada nota executada por cada músico envolvido na gravação dessa música. O peso dado pela linha de baixo e pelos efeitos distorcidos muito bem escolhidos para o som da guitarra geram uma parede sonora que sustenta todos os demais elementos estruturais da música. Os arranjos para os metais, que levaram a elaboração de linhas melódicas agressivas e expressivas aumentaram o tom vibrante, ressoando de forma latente nos tímpanos do ouvinte.

Considero Ferida Exposta o melhor trabalho de Arthur feito até aqui. Sempre me chamou atenção, o que considero ser a maior virtude do compositor mineiro, sua constante busca por novas sonoridades, o que interpreto ser a busca por uma linguagem musical própria, aquilo que o define enquanto compositor. Revela a sensação de incompletude do artista, sempre a procura do que lhe falta. Este é o combustível que move Arthur e o fará a levar essa descoberta estética feita em Ferida Exposta além. Nós que acompanhamos seu trabalho esperamos que ele consiga fazer isso, pois não nos satisfaremos com nada abaixo do limite estabelecido por Ferida Exposta. 

 

Ficha Técnica 

Música  – Ferida Exposta

Composição – Arthur Vinih

Edição de Vídeo – Ulisses Luciano

Fotografia – Isis Medeiros

Direção Musical / Baixo – Eneias Xavier

Sax e Arranjo – Chico Amaral

Trompete – Ulisses Luciano

Trombone – Miguel Praça

Bateria – Adaílton Couto

Percussão – Sergio Silva

Guitarra – Felipe Vilas Boas

Voz e Violão – Arthur Vinih

 

 

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