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Antiporcos, Contra o Genocídio do Povo Negro (2018)

Os Antiporcos não arregam, gritam e fazem barulho como se estivessem na arquibancada. Essa intensidade, concentrada radioativamente em seu novo Ep, estremece as pernas fascistas que ensaiam sua marcha para fora dos armários isentivos. 

Genocídio:

O uso de medidas deliberadas e sistemáticas (como momrte, injúria corporal e mental, impossíveis condições de vida, prevenção de nascimentos), calculadas para o extermínio de um grupo racial, político ou cultural ou para destruir a língua, a religião ou a cultura de um grupo“. 

Webster´s Third New International Dictionary of the English Language, Springfield: G & C Merriam, 1967.

A noção de “democracia racial”, amplamente utilizada pelo sociólogo Gilberto Freyre em seus estudos sobre as relações raciais no Brasil, contribuiu para que o racismo em nosso país se camuflasse, tornando-se quase imperceptível. Introduzido cultural e socialmente, esse racismo disfarçado, mas fortemente atuante, passou a ser denunciado quando autores como Florestan Fernandes e Abdias Nascimento passaram a contestar a existência da tal “boa” relação entre as raças em terras brasileiras como queriam os defensores da “democracia racial”. 

Em sua obra O Genocídio do Negro Brasileiro, Abdias Nascimento desmascara esse racismo velado, revelando em toda sua crueldade, um sistema opressor, perpetuado após a farsa da abolição da escravidão brasileira, direcionado à população negra, cujas características se alinham com a definição acima do que caracteriza o genocídio. 

Mostrou haver um aparato estatal responsável pela promoção de práticas de coação e eliminação de jovens negros, cuja ação conhecida mundialmente como Chacina do Cabula, apresenta-se como uma, dentre as muitas provas factuais que fazem parte da sombria história do nosso país de forte herança escravagista. 

No dia 06 de fevereiro de 2015, 18 jovens negros foram perseguidos por policiais militares da RONDESP, sigla para Rondas Especiais da Bahia. Dos 18 jovens 12 foram mortos pelos 500 disparados, dos quais 100 atingiram fatalmente os 12 copos negros caídos no chão da Vila Moisés, no bairro do Cabula, aqui em Salvador. Os seis sobreviventes só escaparam por terem se fingido de mortos durante a perseguição e execução dos demais. Seis meses depois, no dia 24 de julho de 2015, todos os policiais envolvidos na chacina foram absolvidos. Para mais detalhes clique aqui

Engrossando a crítica de autores como Abdias Nascimento, vem a público outra obra contestadora, que joga holofotes sobre as práticas opressoras, promotoras do extermínio da população negra em nosso país. A começar pela faixa título do Ep, Contra o Genocício do Povo Negro, da banda soteropolitana Antiporcos,  que não suaviza em nada a crítica direcionada às instituições que atestam e ou passam os panos em ações como a empreendida pela RONDESP no episódio da Chacina do Cabula. 

A banda utiliza  linguagem direta, crua, lançando mão de termos que ressaltam os contornos da violência intensa ocorrida dia após dia, fazendo jorrar sangue de jovens negros pelo asfalto e pela terra batida nas zonas periféricas das grandes cidades. 

O andamento rápido, o ritmo martelado, o vocal estridente, beirando o grito, a distorção volumosa, são ingredientes do som militante e arredio dos Antiporcos em todos os 3 Eps, da banda. Interessante é o cuidado em soar mais intensos nesse último Ep. A começar pelas curta duração das faixa, que atingem nossos ouvidos a queima roupa, como as balas disparadas sobre os corpos assassinados no Cabula. 

Consciente ou inconscientemente houve intenção dos Antiporcos em trazer ao seu ouvinte a metáfora da violência e repressão em suas diferentes conotações. “Contra o Genocídio” é um trabalho de denúncia da violência como mostram sua faixa título, a faixa 2 “Batem Primeiro Perguntam Depois” e a faixa 5 “Ódio Eterno ao Futebol Moderno”, onde a repressão, perseguição e extermínio da população periférica são denunciados e duramente criticados. 

“Batem Primeiro Perguntam Depois”, faixa mais agressiva e rápida, com arranjo cru, beirando ao primitivo reflete a barbárie policial usada contra a parte da população fragilizada pelo impedimento intencional de   acesso à direitos civis básicos como trabalho formal, educação, saúde, moradia e lazer . A força policial treinada para ter sua humanidade anulada e tornarem-se ferramentas inertes para serem manuseadas facilmente pelas classes dominantes, escondidas na penumbra, mexendo as cordas de seus fantoches.  

Confiram abaixo o clipe ofical desta faixa lançado oficialmente no último dia 14 no evento de lançamento do Ep no Bardos Bardos em Salvador:

“Ódio Eterno ao Futebol Moderno” critica duramente a pasteurização do futebol brasileiro, transformado desde a eleição do Brasil para sediar a edição de 2014 da Copa do Mundo da FIFA. Desde então nossa maior paixão, nosso lazer mais prazeroso nos foi usurpado e colocado num processo de enlatamento para finalmente ser jogado em prateleiras para consumo da nova freguesia formada ao longo desse processo de mercantilização selvagem do futebol.

Os torcedores foram alijados do seu habitat, a arquibancada, dando lugar à clientes, que de sus camarotes e áreas vips bebem, conversam e esperam a vitória do seu time ser anunciada. Quando esta não vem se sentem lesados e tal qual a criança  mimada, apega-se à produção da mais ferrenha birra por não terem recebido o pacote completo do produto pelo qual pagaram.

Trata-se de coisa séria para os Antiporcos, torcedores apaixonados, seriamente comprometidos em fortalecer a cultura da arquibancada, onde a festa, a música e principalmente o ato de torcer são elementos fundamentais. Nesse sentido, a identificação dos amantes do futebol com a música da banda é imediata. O chamado futebol moderno vem tentando dar um fim a esta prática, porém encontrará forte resistência, isso nos mostram os Antiporcos. 

Saindo da zona de denúncia do Ep e entrando na zona de resistência, do combate corpo a corpo, mostrando a existência de uma articulação nesse trabalho entre análise e crítica de um lado e da prática e ação do outro. Essa complementaridade deixa ainda mais latente a dimensão política e combativa do Ep. “Caminhando pelas Ruas”, faixa 3, evoca o espírito da resistência, convocando à luta contra as forças reacionárias e opressivas que tentam nos esmagar. Aliás, trata-se da exortação das classes oprimidas ao despertar para sua condição, a qual só será superada pelo combate direto.

Essa faixa ganha mais força por usar expressões próprias da cultura popular soteropolitana como “pelo certo”, usada para aprovar uma conduta ou ideia que expressa justiça. Tem ainda “cheio de ódio”, bom, essa expressão é auto explicativa. Foram usadas no refrão cantado em coral, transmitindo ao ouvinte de maneira forte a ideia de união, fraternidade e companheirismo no front de batalha. Tem-se desperta a sensação de segurança, imprescindível para qualquer tipo de luta. 

Caminhando cheio de ódio pelo centro da cidade

Caminhando pelo certo

Só quem é, só quem é de verdade

Temos ainda a faixa 4 “Hooligans”, música que retrata a cultura de arquibancada, que vai além dos 90 minutos de uma partida, constituindo verdadeiro estilo de vida. Nesse sentido o tema abordado na faixa se apresenta como a antítese do tema presente em “Ódio Eterno ao Futebol Moderno”. Hooligans nos coloca em contato com a dinâmica da arquibancada, do torcer como prática existencial, que está muito além da ênfase determinista e clientelista fomentada pelos arquitetos do futebol moderno, responsável por substituir os torcedores por simples consumidores, no máximos simpatizantes de clubes e do próprio futebol. 

Ressalto que o Ep foi gravado numa “sentada’, como se diz. Em um dia os Antiporcos juntamente com Rodrigo Gagliano, gravaram essa pedrada. Não a toa sua força explosiva se mostrar de forma tão contumaz. O caráter artesanal e independente é ressaltado com a informação da mixagem e masterização ter sido feito no Home Studio de Kabula na belíssima capital sergipana. Certamente a sonoridade do álbum se deve muito a esses dois fatores. 

Vida longa ao hardcore, aos torcedores das arquibancadas, à luta antifascista, à luta contra o genocídio da população negra brasileira, que essas batalhas sejam sempre travadas ao som de trilhas tão intensas, intempestivas e que exaltam nossos sentimentos mais primitivos como as que saem dos alto falantes dos Antiporcos. Pois isso é essencial para manter os ânimos exaltados, os combatentes em prontidão e os fascistas se borrando nos buracos onde habitam.

Ficha técnica:

 Capa / Contracapa: Jesus Guaré

Encarte: Lucas Pellegrini & Diego Mira

Gravação: Rodrigo Gagliano

Mix / Master: Anderson Kabula

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