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Antiporcos contra o futebol moderno

Antiporcos lança O Bagulho é Torcida, uma trilha sonora das arquibancadas.

O futebol é muito mais que um jogo, reduzi-lo a análises táticas, comentários técnicos sobre o que acontece numa partida e a contabilização dos pontos alcançados por cada time ao final de uma temporada para classificá-los por seu desempenho é objetificá-lo, torná-lo artigo de consumo apenas. Desde o anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo FIFA de 2014 houve uma intensificação dos procedimentos de mercantilização do futebol no país.

Leis restringindo a manifestação das torcidas organizadas nos jogos, impedidas de usar sinalizadores, bandeirões, instrumentos musicais (isso varia de um estado para outro) dentre outros recursos característicos da forma de torcer das organizadas, juntamente com a construção padronizada das chamadas arenas, procuraram moldar o futebol brasileiro de acordo com o dito padrão FIFA. Tal ação desconsidera todas as características culturais do modo de torcer do brasileiro, colocando-nos diante de uma realidade opressora pra quem tem no futebol um estilo de vida, uma realidade chamada futebol moderno.

Existem movimentos contrários ao processo de modernização do futebol através da propagação da cultura de arquibancada. Busca-se mostrar às novas gerações que o amor por um time de futebol não possui ligação com o seu desempenho, mas com a forma como o vínculo construído entre torcedor e time ocorre. Torcer é um estilo de vida, faz parte da personalidade de alguém, a define, estabelece suas relações sociais e a forma como vive. O torcedor conecta seu amor pelo futebol com seu amor por outras instancias da sua vida. Daí o futebol se ligar à música, ao cinema, à literatura, à política, às diferentes áreas da ciência, dentre tantas outras instancias da existência humana.

O Bagulho é Torcida, novo Ep dos Antiporcos, debruça-se sobre um tema presente em todos os trabalhos lançados pela banda, o ato de torcer. Música e futebol possuem uma ligação indissolúvel para cada um dos membros da banda, aficionados torcedores, inseridos por completo na cultura das arquibancadas. Nos registros anteriores havia sempre uma ou duas músicas sobre futebol, contudo faltava um lançamento dedicado exclusivamente ao tema.

Lembro de certa vez, ter comentado com alguém numa conversa de boteco sobre porque os Antiporcos não tinham um álbum apenas sobre futebol. Essa questão surgiu após ouvir o último Ep lançado pela banda até então, Contra Genocídio do Povo Negro de 2018Foi quando me dei conta da presença de faixas sobre futebol em todos os Eps. Sendo eu mesmo outro doente por futebol, fiquei curioso em ouvir um trabalho da banda dedicado exclusivamente ao futebol. Desejo atendido!!

Outro tema recorrente nas músicas dos Antiporcos é a política e na faixa de abertura, Dia de Clássico, abordam a questão de classe aliada ao futebol como uma de suas características culturais mais importantes. Sabemos muito bem que os finais de semana são sagrados para a classe trabalhadora por causa do futebol. Este é o momento da catarse, da suspensão do juízo no que se refere aos problemas cotidianos, o expurgo da dor através da arquibancada.

Essa dimensão existencial vital ao trabalhador vem sendo retirada da sua realidade através da gourmetização das chamadas arenas. Nesta configuração mercantil do espaço de jogo e do torcer, não há arquibancadas, mas cadeiras numeradas e camarotes, demarcação de setores que tem o seu preço determinado a partir do campo de visão de quem assiste ao jogo. Quanto melhor o angulo maior o preço. A partir desta reorganização dos estádios ocorre o processo de transformação do torcedor em mero espectador. Intenciona-se retirar deste seu caráter participativo e ativo, dando-lhe um caráter passivo.

Clique nas imagens abaixo e confira a arte gráfica criada por 

Diego Mira para O Bagulho é Torcida.

Trata-se de uma realidade cada vez mais comum. Os altos preços dos ingressos e dos programas de sócio torcedor retiram o trabalhador destes espaços para dar acesso ao almofadinha da classe média. Esta criatura de condomínio iludida pela falsa ideia de pertencer a uma elite econômica e social para a qual importa apenas o resultado da partida e o entretenimento efêmero de assistir a uma partida de futebol. Estádios não são teatros ou salas de cinema. Futebol não é opera, tampouco um concerto sinfônico. 

A letra de Dia de Clássico reivindica o futebol à classe trabalhadora, pois esta o tem como forma de estar no mundo, algo para além do jogo, um modo de ser. A velocidade e agressividade da música, iniciada com um cântico de torcida garante uma natureza combativa, estimulante para entoar cânticos e partir para o confronto caso seja necessário. 

Uma Cerveja Por Favor é um cântico de torcida consagrado à Antiporcos. Uma ode a banda que dá sentido à vida desses quatro camaradas assim como seus times e o futebol, responsáveis por completar o caráter existencial de cada um deles. Outra música rápida e certeira, porém consagrada à diversão pré jogo, aqueles momentos antes de entrar pro estádio, dedicado a incendiar as mentes e os desejos pra fazer a torcida adversária tremer e o time jogar pra valer.

Ainda nos remete ao fato da proibição, na maioria dos estados da federação, da venda de cerveja em seu interior. E se tem uma coisa, além dos sinalizadores, que é essencial para torcer numa arquibancada é cerveja. Nesse sentido esta faixa pode ser considerada também uma reivindicação de outro elemento, a cerveja, a fim de resgatar o futebol das inescrupulosas garras do futebol moderno. 

Se tem um lugar onde uma partida de futebol é levada a sério é na várzea, nas peladas, nos babas. Existe aquele discurso de que é só brincadeira, mera diversão, nada que deva ser levado a sério, mas quando a bola rola algo desperta dentro de cada peladeiro. Cada qual passa a se sentir disputando uma final de Libertadores da América no estádio do adversário. Claro, existem aquelas figuras que adoram vir com o discurso de que é só uma brincadeira e acabam aplaudindo a jogada do adversário em nome de um fairplay desprovido de qualquer sentido. 

Jogo de futebol, seja num estádio valendo um título, seja num baba valendo a permanecia do time nos dez minutos seguintes, tem importância e deve ser disputado com garra, com unhas e dentes! Se não gosta de jogar assim que vá pro Porto da Barra controlar bola em rodinha de praia. Meu Baba aborda essa perspectiva da pelada. No baba temos um momento catártico, quando cada um se sente de fato um jogador de futebol disposto a dar de tudo para vencer cada partida e permanecer em campo o maior tempo possível.

A letra exige postura séria, dedicação de cada membro do time, sem lugar pra pipoqueiro. Exige-se raça acima de tudo, mesmo acima da habilidade, a entrega se apresenta como engrenagem fundamental ao bom funcionamento do time. Essa faixa possui elementos musicais que remetem ao folk punk. Lembrei dos The Pogues ao ouvi-la, banda irlandesa que pauta sua sonoridade nas estruturas musicais de canções do folclore irlandês. O uso da sanfona por Lucas Medeiros, conjugada ao banjo indolente de Gigito, geram essa atmosfera folk, dando um efeito muito interessante tanto à sonoridade quanto à dinâmica da música.

Fecham o Ep retomando a temática da torcida, desta vez abordando o hooliganismo, chamando atenção para seu caráter político, manifestadamente antifa e colocando em relevo sua apresentação enquanto forma de torcer. Os caras fazem um ska encorpado, agressivo, tocado ao modo hardcore com interlúdios que recaem num reggae pra logo ser retomada a pegada anterior. Destaque para as linhas melódicas do sax de Bruno Torres e os bongôs do motossérrico Rodrigo Gagliano. 

O Bagulho é Torcida é um brado de luta pela liberdade do ato de torcer, contra a elitização dos espaços dedicados ao futebol que impede o ingresso da classe trabalhadora em seus interiores. Nesse sentido este Ep se apresenta como instrumento, a um só tempo, de celebração das manifestações dos torcedores nas arquibancadas e contra a opressão infligida pelo futebol moderno a um modo de vida arraigado na cultura brasileira, em particular nos estratos mais marginalizados da sociedade.

Os Antiporcos são:

Os tricolores Pelegrini no baixo e Paulo Sérgio na guitarra.

Os rubro negros TP77 na bateria e Dudu no vocal. 

 

 

 

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