Alemar para corações partidos mas não vulgares. em Rossi (2020). Seu EP de estréia chega bebendo na fonte do grande Reginaldo Rossi e vai além
Começo a escrever essa resenha e aqui na festa da vizinha é Lairton quem comanda os teclados e a minha agonia, sim, não gosto desse artista e também não sou um entusiasta do que se convencionou chamar no Brasil de música brega, ou de seu parente baiano: o arrocha. Mas preciso dizer que com exceção do Odair José e algumas coisas do Reginaldo Rossi nunca me dei o trabalho de pesquisar outros artistas como Amado Batista, Lindomar Castilho ou Agnaldo Timóteo, e nem vou.
Já faz umas semanas que recebi o EP do paulista Alemar, um cantor e compositor muito promissor, mas talvez por causa do título, e não sei que diabo de raciocínio, eu imaginava que Rossi (2020) era um disco de regravações. Essa minha confusão me levou a demorar um tempo pra escutar. E para minha surpresa nada mais enganoso, pois em seu EP de estréia Alemar nos apresenta um trabalho que vai muito além de um mero apanhado de covers ou de meras versões. Uma das coisas mais interessantes em arte, é perceber como artistas recolhem influências e as transformam em partes de si mesmos.
O EP composto de 7 faixas traz o sobrenome do rei do brega, Rossi (2020) mas bebem com prudência nas temáticas exploradas bastante pelo mestre pernambucano Reginaldo Rossi. Ao longo do disco, o que percebemos é que a grande inspiração está no clima de fim de relacionamentos e nos sentimentos que corações partidos emanam através dos seus cacos. Sendo por sua vez, o trabalho de artistas como Alemar elaborar esses sentimentos, nem sempre nobres em termos de música, melodia, harmonia, ritmo e voz.
Elaborar um canto proveniente muitas vezes da dor, da angústia, do luto de um coração partido, do fim de um relacionamento não é tarefa fácil. As composições do artista paulista, se destacam num primeiro disco, um EP, que apresenta uma produção bastante rica e se insere com força entre os novos nomes do R&B.
Com pouco mais de meia dúzia de singles lançados no spotify, Alemar vem no nosso modo de ver construíndo o seu fazer músical no R&B nacional e aqui de modo muito singular dialogando com o universo da “música brega”. Seus singles são produções que podem ser escutadas com aquela sensação de que possuímos um artista preocupado com seu próprio desenvolvimento estético. Alguém que não está preocupado apenas em lançar música, mas em se talhar para algo maior, e que hoje faz muita falta em quem se debruça para escrever sobre amor, o belo na música, a fuga dos modos vulgares. Óbvio que o belo, a beleza pode ser sempre reduzido a condição da subjetividade de quem escuta: “O belo está nos olhos de quem vê”.
Porém, se escutarmos os singles do Alemar com um pouco de cuidado, vamos percebendo um artista que tem buscado em meio às dificuldades, construir uma obra, receber os feedback, o retorno, de quem realmente gosta, curte, música, e aqui sua música, é o mais importante. Esse trato com a própria arte, é um ato que poucos tem consciência. A relação entre singles e trabalhos maiores, entre si mesmo e o mundo ao redor, como se inserir no mercado, mas sobretudo como forjar um estilo próprio.
E não é difícil notar o quanto um audiovisual como o Garçom não seja já uma carta de intenções, basta ver o clipe pra perceber o quanto o seu EP de estréia é uma forma de mostrar ao público o quanto estamos diante de um artista que precisa ser mais conhecido. O clima apresentado durante o audiovisual é o mesmo do EP sobre as perspectivas que estamos observando esse trabalho. Assumir um legado e desenvolvê-lo sobre seus próprios termos, é o que Alemar faz com muita qualidade, aplicando suas singularidades e influências ao longo de todo o EP.
O single e o audiovisual acima mencionado, faz realmente o papel que todo bom Garçom executa, nos entrega de saída a qualidade do estabelecimento, um menu com tudo que será encontrado ali. Alemar, nos apresenta um EP que vai da produção visual, audiovisual, musical e gráfica, nos dando o quanto a beleza se faz presente. Os beats de Riff, Thomas TH, Jarbas, Leo Machion, são um show a parte, e mesmo com nomes diferentes nas produções, há coesão estética num trabalho, que traz influências do rap, com Alemar demonstrando muita versatilidade. E também traz a participação da bonita voz da Jhany Oliveira.
Há muito cuidado com a música, a inserção de instrumentos entre os beats traz cores que enriquecem muito o trabalho. As composições de Alemar são invulgares, e o cantor e compositor além de dar aulas com sua voz, ainda manda um flow muito bacana, mostrando-nos que esse mano vem das ruas, é de verdade.
Alemar compõem sobre a vida, abordando os amores perdidos, os relacionamentos confusos, cria cenários, metáforas, imagens poéticas muito bonitas. Vai também à política, seja na forma de se relacionar com os objetos de desejo perdidos, seja sobre o social mesmo. Um trabalho muito bacana, que você tem ao alcance de um clique, pode apertar, você não vai se arrepender.
-Alemar para corações partidos mas não vulgares em Rossi (2020)
Por Danilo Cruz