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Acertando os ponteiros com o relogin do Lheo Zotto em “Não Estamos Sozinhos (2022)”

Lheo Zotto

Lheo Zotto é um dos construtores do hip hop nacional e acaba de lançar um disco atemporal chamado Não Estamos Sozinhos!

Quantas pessoas do hip-hop nacional podem se colocar na história de dois cenários diferentes,interior paulista e mineiro, com contribuições reais em termos de cultura e arte? Quantos artistas do rap nacional mantêm uma carreira desde 93 ininterruptamente produzindo rap, grafite, breaking, beats e também produzindo conhecimento? Pois, Lheo Zotto pode e basta você se colocar na sua direção para que essa história ainda não devidamente contada se abra. São muitos lançamentos, atividades, shows, e ainda assim é um dos manos que não estão devidamente colocado no seu lugar devido: a história do hip-hop nacional. 

Em tempos de meritocracia, onde jovens apressados e adolescentes velhos vomitam bobagens e se ajoelham diante do deus mercado, entrar em contato com Lheo Zotto e a sua arte é um bálsamo. Seu novo trabalho, o disco “Não estamos sozinhos” (2022) nos apresentam uma sequência de reflexões poéticas musicalizadas que transbordam com qualidade atualíssima a visão de um homem que possui 27 anos de estrada.

Em todas as formas de arte e de produção de conhecimento os grandes construtores, os mais velhos são geralmente reverenciados. No Brasil nos encontramos em uma situação estranha, pois com poucas exceções, os pioneiros são ridicularizados e ou invisibilizados. Tudo bem que antiguidade não precisa ser necessariamente posto, haja vista que muitos envelhecem e se tornam imbecis, pessoas que muitas vezes negam sua própria caminhada, mas entender a importância da história é algo que inclusive define a existência humana.

A obra em construção do Lheo Zotto é a prova de que a contracultura precisa se atualizar constantemente, manter a indignação e o estilo, assim como buscar dialogar com a contemporaneidade. E isso o beatmaker e MC faz com maestria, não se aproximando como o tiozão das novas gerações, cheio de conselhos e de nostalgias vazias sobre o seu tempo. Antes, o artista uberabano está lado a lado com quem quer que seja, como o coroa que domina seus meios artísticos e segue sendo capaz de expressar suas experiências de modo atual e suas ideias com os valores de um bom e velho indignado. 

Ao longo de 35 minutos e 43 segundos, com 10 faixas e participações, Lheo Zotto construiu um trabalho que dialoga com um público que já passou dos 30 em sua madurez de temas, mas que também serviria muito aos mais jovens sedentos por conhecimento e não apenas pelos sons que inflamam a pista. São muitas as participações mas ainda assim não se perde a coesão temática e o fio da experiência que atravessa todo o trabalho. Já na abertura é a voz do Alessandro Dornelos quem abre os trabalhos em poesia inspirada e que já informa o ouvinte da variedade de referências que o mesmo encontrará, assim como da polissemia poética e da polifonia musical. 

Junto ao K Oliver MC, Lheo Zotto traz um trap pesado onde as balas no pente são na verdade as indignações, chaves de interpretação e fome de luta que informam as linhas dos artistas e são direcionados aos nossos inimigos. A dupla de MC apresentam rimas competentes e flow encaixado nos fazendo pensar em como o bate cabeça se instaurará imediatamente quando essa faixa tocar ao vivo. Do trap para o beatbox do Marcelinho Beat Box, onde as linhas de Leandro Gladiador nos apresentam um relato do passado formativo de muitos de nós. 

Estamos caminhando todos para a morte, estamos envelhecendo e muitos dentre nós não estão encaretando, “100 Prazo De Validade” é uma aula sobre isso. Hip-Hop não tem prazo de validade e maloqueiro veio é troféu da cultura, Lheo Zotto termina por construir junto ao Pimas e o DJ Double Dee um ideal para a nossa terceira idade. Junto a linda e talentosíssima Camila Rocha (Sinta A Liga Crew), o mineirinho nos mostra toda a qualidade poética de um amante experiente. “Absynto” é uma lovesong que para nós é um dos pontos altos do disco, fugindo dos clichês comuns nesse gênero. A paraibana Camila Rocha apresenta um refrão que daria um texto inteiro sobre as relações possíveis entre paixão e amor, droga e remédio e inclusive apresentando linhas poderosas. 

O descontrole atual, a rapidez que os nossos tempos imprimem na nossa existência que se configurou em grande parte durante um tempo pré-internet é o tema da instrutiva “Saiba Lidar” com a participação de Eibe Lapaz. Um boombap da lavra do próprio Lheo que assina todos os beats do trabalho como Malandrinhação LAB. Saber lidar com o tempo em que se vive, entender, compreender e refletir os problemas que se transformam e se apresentam como novos, é o grande tema da faixa. 

O trampo também traz a “Cypher Rimaremoto” que apresenta um bonde nas rimas, Alessandro Dornelos, NDN, Miucha Ramos, OG Roc, Amandynha MC, Robson Selecta, Beto Dogstyle e DJ Double Dee. “Metafísica” é outra faixa pesada abrindo a tríade matadora final, e como o título mesmo denota é uma reflexão existencial cadenciada e calma sobre nós encontrarmos um equilíbrio que fuja da mediocridade, Lheo Zotto divide a faixa com o Lupa OutrAtitud. Na sequência os riscos do DJ Double Dee abrem a faixa “Na Ponta da Caneta” e o baixo da Jéssica Valeriano chega groovando. Lheo Zotto e Inútil VZ dividem as linhas sobre essa prática deliciosa que é escrever as rimas, e de como isso só possui valor real para os MC’s que o fazem com vistas a vida mesma, as ideias, a transmissão de palavras que enriquecem vidas. 

Ser real é o ponto de corte nas escrevivências do rap, em “Flow Tabajara” mas do que dar uma carteirada e ou apelar para a autoridade, Lheo Zotto traz versos que escurecem sobre os verdadeiros valores que deveriam estar no horizonte de pessoas que estão na cultura Hip-Hop. Ser fake é muitas vezes o ponto que deveria servir para que avaliassemos que está brincando dentro de uma cultura tão importante. Porém, o mercado mantém artistas que estão muito longe de apresentar o que necessitamos como povo, nos envenenando com bobagens e ou nulidades. Uma busca de derreter a cultura Hip-Hop em favor de um rap esvaziado. 

Em “Não Estamos Sozinhos” (2022) encontramos um disco que se não vai encontrar milhões de ouvintes, certamente ficará gravado na mente e no coração de que se oportunizar a audição. A capa do trabalho de certo modo traduz esse sentimento, produzida pelo baiano Vinícius Nabuco, apresenta o Lheo Zotto no comando de uma nave alienígena abduzindo algumas pessoas, devo confessar que sou um desses!  

-Acertando os ponteiros com o relogin do Lheo Zotto em “Não Estamos Sozinhos (2022)”

Por Danilo Cruz

 

 

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