Abu e o seu maravilhoso mundo de colaborações! O MC e produtor mineiro tem feito do ano de 2020 um ano de trocas criativas, saca só!
É um fato assustador e gratificante a quantidade de artistas que habitam o underground, produzindo em alta qualidade e esticando os limites da música para mais além. Assustador, pois como alguém que escreve sobre rap é bastante difícil dar conta de tantes artistas do under, mas gratificante pois quanto mais pesquisamos mas confirmamos o grande valor destes trabalhos.
O MC e Produtor mineiro Abu chegou até mim via um trampo recente que ele lançou com o mestre Matéria Prima, mas como não gostamos de ficar na superfície, caímos na besteira de fuçar seus streamings. Nooooooooooo, era trabai demais sô! E aqui não estamos falando apenas quantitativamente, são produções solo e também muitas colaborações deste ano, o que fez Abu transitar por diversas sonoridades com vários artistas.
Como o próprio MC rima na faixa “Papo Reto”: “Visto a camisa, foda-se pra quem me analisa, você não sabem o tempo que eu gasto em pesquisa“, presente no seu disco Cru, Vol.2 (2018) junto com o Cizco. Essas pesquisas complexificam a produção de sentido diante de uma obra tão diversa e ampla. Dito isso, pedi a ajuda da minha parceira Gabriela Santos que já conhece a obra do seu conterrâneo há muito tempo e corremos pra trocar uma ideia sobre esse verdadeiro mundo de colaborações do Abu. Se ligue no papo!
Oganpazan – Salve Abu, um prazer poder trocar essa ideia contigo. Cara, gostaria de abrir os trabalhos falando sobre a imensa quantidade de colaborações que você tem feito esse ano. Como elas tem surgido e qual a importância delas para a sua construção como artista?
Abu – Salve Danilo, satisfação! Eu sempre pirei na música como encontro, principalmente encontros espontâneos. Sou de BH mas atualmente eu tô morando no sul, em Florianópolis, então as sessões de estúdio também são muito valiosas quando eu vou pra BH pra encontrar os amigos, produzir. Essa sequência de projetos em colaboração meio que celebram esses encontros diferentes, algumas faixas eu tinha gravado em 2019 nessas idas pra lá, como a faixa com o Gurila Mangani e a faixa com a Sofia; outros projetos surgiram já nesse contexto doido de pandemia.
Acho que todas elas ajudam a construir a ideia que tenho pro selo musical Xifuta Records como uma plataforma aberta pras possibilidades do processo.
Oganpazan – No início deste ano você soltou: Farol, Valsa & Mormaço e Fases. São trabalhos que conjugam beat, rimas e audiovisual, mas se eu tivesse que resumir diria que são um quadrado mágico underground e inventivo sobre resistência coletiva, sobre saúde mental, companheirismo e o poder da arte. Estou enganado? Comenta um pouco sobre esses trampos.
Abu – Gostei demais dessa leitura sua dessas faixas. Fui fazendo e soltando elas num processo de estudar produção musical, produção de beats e também de tentar lapidar um estilo de rimas mais próprio, uma textura ali diferente. Acho que elas conversam entre si meio que nessa tentativa de criar um clima propositivo e de certa forma leve apesar de estarmos vivendo um clima geral de falta de esperança e de desânimo com o rumo das coisas. Acabou que esses sons me ajudaram muito a moldar a ideia do meu próximo disco solo, chamado “Vô”, que tá pra sair agora no fim do ano.
Oganpazan – Uma curiosidade grande que tenho como leigo em termos de produção é como se dá a colaboração entre dois produtores. Você soltou junto com o Fumaça a beattape Microbeatologia (2020), que por sinal realmente nos leva numa viagem climática pelo reino da microbiologia dos beats. Como se deu essa colaboração em termos de produção, o que cada um fez, como foi o processo?
Abu – Nesse caso específico a gente decidiu um conceito geral que ia guiar a sonoridade ali, os timbres e tal, que tem a ver com essa microbiologia que você fala, um universo meio “futurístico-orgânico”, e fomos produzindo cada um suas faixas e mostrando um pro outro, e compilando as que achamos que tinham mais a ver. Então nesse trampo não chegamos a co-produzir nenhuma faixa, mas compartilhamos a autoria do disco como um todo. Mas essa parada de co-produzir beats é uma experiência muito doida e que a gente sempre tenta experimentar.
Oganpazan – O mesmo vale nessa pergunta, pois na sequência foi a vez de um EP com o Bruno Amaral – Fraga [Ponto Chave EP]. Porém, gostaria de acrescentar aqui sobre a sonoridade house nesse trampo, que bagulho delicinha de meter dança. Fala um pouco dessa sua aproximação com a cultura do house e da parceria com o Bruno.
O Bruno é um figura com uma musicalidade muito doida lá de BH, e que tá envolvido nessa cena techno e house há um tempo, mas curiosamente foi o cara que produziu a base que eu gravei meu primeiro rap. Lá em BH tem uma cena de produção e de festas de música eletrônica de rua que é muito forte, tipo a 1010, a Masterplano, e o Bruno tá envolvido nessa cena, discotecando. Então tem uma conexão ali na cultura de rua da cidade já. Em 2019 eu comecei a produzir a faixa instrumental “Fraga”, desse nosso EP, e na hora lembrei do Bruno e mandei pra ele. Aí no caso eu mandei o projeto em aberto e ele acrescentou uma linha percussiva, mudou a linha de baixo, e tal, e fomos indo assim. Daí, em janeiro de 2020 ele passou aqui pelo sul, e conseguimos produzir a faixa Ponto Chave, que tem os vocais meu e dele, em cima de um beat que eu já tinha feito. Essa pegada de rap que traz essa levada do house é muito massa. Tem vários artistas gringos e também daqui que tão fazendo umas misturas legais assim né. Na nossa vivência aqui de produção o Bruno me aplicou no Channel Tres, que achei foda demais.
Oganpazan – Como foi o processo criativo do Mabu? Como surgiu a ideia e qual a importância desse projeto pra vc?
Abu – O projeto Mabu foi uma parada que surgiu num fluxo meio natural das coisas durante essa pandemia. Eu e Matéria Prima vínhamos trocando muita ideia em relação a outros projetos bem como sobre a vida em geral nesse contexto maluco, eu aqui no sul do país e ele em BH. E nessas conversas fui mandando pra ele uns beats que eu venho produzindo. Nisso ele me voltou com umas rimas em cima deles e com a ideia de fazer esse projeto de uma forma despretensiosa, como forma da gente exercitar nossa caneta, de eu exercitar aqui também a parte de produção. Então foi fluindo assim.
Ele trouxe essa ideia inspirada num projeto chamado Lice, do Homeboy Sandman com o Aesop Rock, que é um projeto onde eles soltavam do nada EPs com várias faixas em uns beats mais experimentais, no meio do cronograma de trabalhos mais “planejados” de cada um deles. Eu curti muito principalmente por trazer uma sensação que eu tinha perdido há um tempo, de liberdade poética mesmo, aquela coisa da sessão de rima, sem pirar muito em expectativas.
Oganpazan – Como foi fazer esse projeto com o Matéria Prima? Qual a parte mais desafiadora disso?
Abu – Pra mim é uma honra porque admiro muito o trabalho dele faz anos, bem antes da gente se conhecer, mas também foi muito massa poder consolidar um trampo com ele depois de anos de amizade. A gente já fez um show juntos em 2016, mas nunca tinha gravado nenhuma faixa juntos.
Acho que o desafio grande desse projeto, além de segurar o b.o na rima ali com ele rs foi justamente o desapego, de não construir expectativas nem extrapolar a ideia inicial de fazer no contra fluxo mesmo do que é o caminho “padrão” de um projeto, de ficar naquela coisa de instigar em redes sociais, essas paradas. Escrever, gravar, e partir pra próxima, sem ficar pirando demais. A gente vive muito condicionado a buscar um retorno pro ego nas redes sociais, por mais cabeça aberta e desapegado que você seja, trabalhar com arte hoje em dia passa por essa dinâmica de redes sociais que é doentia. E é massa construir esse projeto meio que na contramão disso.
Oganpazan – O estilo de rima seu e do Bill (X Sem Peita) são bem diferentes né. Como foi o processo criativo de “Liberdade”? Foi algo pensado? Como surgiu?
Abu – A gente já tinha trocado umas ideias do tipo “um dia vamos fazer um som” e tal. Mas foi uma parada que surgiu meio do nada, também nesse esquema de quarentena, vi o Bill postando no twitter alguma coisa sobre rimar em um bumbep, e aí eu joguei aquele verde tipo “vou te mandar uns beats aí uai” e ele já respondeu positivo na hora. Aí mandei esse beat pra ele, feito pelo Leo Machion, que eu tinha guardado no PC há um tempão, e ele tipo em meia hora me mandou um áudio no celular rimando a parte dele. Brabo demais rs. Daí eu fiz a minha parte em cima seguindo a ideia que ele trouxe.
Oganpazan – Como foi fazer essa junção?
Abu – Foi muito foda porque como você disse a gente tem estilos bem diferentes, mas desde que a gente se conheceu a gente troca uma ideia muito massa sobre rap, sobre música e outras coisas. Conheci ele quando ele me convidou pra fazer uma discotecagem num evento de graffiti que ele tava ajudando a organizar, junto com outro parceiro, o Vira Lata, em Contagem. E ele sempre me deu muita moral nos meus sons, da mesma forma eu sempre chapei muito nas rimas dele. Lá na cena de BH e região rola muito isso. Cada um tem sua linguagem muito particular mas rola muito diálogo e isso tá gerando esses frutos aí, de muita gente boa se destacando, cada um com sua originalidade. O X Sem Peita mesmo, é original demais.
Sentiu a pressão Oganauta? Pois é, lhe cabe agora dar o play nos sons e acompanhar Abu em seus mundos maravilhosos de colaborações e solo, um artista singular, com muita consciência do que quer produzir em termos de rap – real ritmo e poesia.
Além disso, o selo Xifuta Records acaba de soltar seu site oficial (você pode acessar clicando aqui) e vale a pena acessar e conferir o passeio entre beats, timbres e grooves.
Certamente há muito mais a se descobrir em seus trabalhos e em suas parcerias que já abrem outro leque de artistas e sonoridades. Então é isso, segue o fluxo de máscara e se higienizando com álcool em gel e/ou sabão.
-Abu e o seu maravilhoso mundo de colaborações!
Por Gabriela Santos & Danilo Cruz