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A Vivência que sobrevoa o tempo, Matéria Prima e nabru

Vivência que reúne dois dos melhores MC’s da cena mineira. Matéria Prima e nabru sobrevoam o tempo com muita visão!

Nos últimos dois anos e meio tive a imensa e gratificante oportunidade de acompanhar a história e o desenvolvimento da obra do MC, cantor e compositor Matéria Prima. Desde que tomei tardiamente contato com o trabalho desse artista, o mesmo reforçou em mim a certeza de que tudo aquilo que é babado pelo senso comum, nunca me serviu. É talvez aquilo que chama de síndrome de underground, mas estranhamente não se configura numa patologia, pelo contrário é uma outra saúde. Mamãe sempre me disse que eu não era todo mundo, mas demorou até que eu tivesse certeza disso, filho desobediente. 

Dito isso, o último disco do Matéria Prima foi por mim escutado antes, durante e depois,do seu lançamento, o que o fez ficar grudado em meu espírito como uma espécie de talismã nesses tempos pandêmicos. Tempo de muito ódio, de centenas de mortes, de fascismos e de fake news, onde o virtual assumiu de vez a condição de controle semi-total. Se por um lado Visão (2020) é um disco que eclode esses tempos e aborda esses temas com muita força, por outro traz para todo o ouvinte atento o mais antigo e o mais moderno em termos de rap nacional. Experiência de um pretão coroa, com mais de 4 décadas de vivência dentro da cultura hip-hop, obviamente o disco aborda temas clássicos do nosso rap, porém com uma roupagem singularmente única.

Ao largo da estreiteza dos escravos de algoritmos e passando às léguas do público do fundamental 2 que hoje compõe grande parte do público do rap nacional, Matéria Prima segue trazendo uma vivência única no seu último disco. Palavra gasta é bem verdade, pois todos possuem vivências e as alegam, no entanto aqui podemos encarar um existencial determinado por percepções críticas transformadas em flows e rimas únicos, através de uma lente muito bem polida capaz de enxergar anos luz à frente da mediocridade atual expostas nas vitrines mais vistas. Nesta empreitada, o artista contou com a produção não menos singular do nILL aka O Adotado e diversas participações e contribuições que podem ser melhor conferidas aqui

O disco foi precedido por alguns audiovisuais e agora ganhou um videoclipe exatamente da faixa Vivência, quarta música do disco e que conta com beat edo bILL e com a nabru dividindo as rimas. Apresentando toda a força polissêmica que a palavra vivência possui não apenas nessa música, como no disco como um todo através da multiplicidade de olhares que Matéria Prima e seus convidados e músicos do disco apresentam.  A nabru, por exemplo, é um excelente exemplo de uma vivência muito única dentro do que se produz no rap de BH e mesmo no Brasil, uma jovem artista do nosso underground que tem uma das obras recentes mais instigantes. 

Com mais de duas décadas de vivência dentro do hip hop nacional e contribuições de grande magnitude para o rap nacional, entender a vivência do Matéria Prima é uma das provas de fogo para quem quer falar sobre o rap nacional com o minimo de propriedade. Porém, aqui ele eleva as suas ideias – como todo bom poeta – ao nível do universal – apresentando-nos uma lírica que sobrevoa o tempo pandêmico e seus signos mais pertinentes para que nós mesmos possamos entender nossa vivência nesse momento.  

O audiovisual contou com a direção da dupla Leo Gael e Denis Leroy também responsável pela animação, e captura a dupla na cidade vazia, a utopia que passamos mais de um ano desejando. O audio presente na introdução da música, proveniente de uma senhora muito sensata diante da dissociação esquizofrênica da realidade que vivenciamos enquanto sociedade, nos últimos anos, e que se insere no clipe com o Matéria Prima ouvindo, é um ponto fantástico para situar a audiência dentro da proposta do vídeo e da música. 

A câmera segue acompanhando o MC enquanto o mesmo dixava o mel do melhor do underground nacional, com rimas inteligentes, visões muito bem colocadas sobre o falatório da internet e sobre sua própria história. A bela nabru já abre sua parte recorrendo a sua ancestralidade familiar e cultural, abordando numa só linha de entendimento sua negritude e a cultura hip hop como vetores necessários e dialéticos em sua vivência não romantizada. Essa junção produz um curto circuito em cérebros pouco treinados e representa um dos pontos altos do disco. 

Só lhe resta agora oganauta,  dar o play:  ,  

-A Vivência que sobrevoa o tempo, Matéria Prima e nabru 

Por Danilo Cruz 

 

 

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