Cantora, compositora, DJ e vendedora ambulante, A Travestis é uma das importantes Novas Vozes do Pagodão, batemos um papo com ela, confira:
Nos últimos anos, vem despontando no Pagodão da Bahia um movimento muito importante de incorporar como protagonistas mulheres e LBTQIA+, o que vem a somar-se com o amplo desenvolvimento musical que esse gênero musical construiu nas últimas décadas. O Oganpazan como site especializado em música e originário da capital baiana, não poderia deixar esse importante movimento passar longe de suas páginas.
Inauguramos essa série de entrevistas e matérias com uma entrevista mais do que especial com uma das figuras de proa, em um processo de renovação e de promoção das diferenças dentro da música baiana. A Travestis vem a custa de muita dificuldade produzindo clipes inovadores, apresentando temáticas que são tabus em nossa sociedade.
Historiadora da arte, produtora de cordeis, vendedora de brigadeiro (Brigadeiro da Loura), DJ, cantora e compositora, a história e os trabalhos d”A Travestis nos deixa claro uma artista inventora de soluções na vida e na música. Abaixo você confere agora uma entrevista com essa artistas que precisa ser mais conhecida:
Oganpazan – Conta pra gente quais são suas primeiras lembrancas musicais e de onde surgiu o desejo de fazer música?
A Travestis – Então, minhas primeiras lembranças musicais remetem a infância e até a adolescência o meu gosto era mais cult, mais MPB o que eu equilibrava com um outro lado mais pop em geral. Mais com o passar do tempo, minha experiência no fazer música começou com a literatura de cordel, no Rio de Janeiro eu fazia faculdade de História da Arte, vendia cordéis e fazia esses poemas musicados. Eu participava de um coletivo chamado Chica Manicongo, um coletivo de pessoas trans nordestinas, fazendo literatura de cordel e nós cantávamos para divulgar o cordel e depois a gente vendia.
Daí veio meu desejo de fazer música, de uma forma mais simples nas ruas e nos eventos com esse coletivo. Um pouco depois eu desenvolvi o desejo de fazer algo mais voltado pro grande público em termos de produção para youtube como DJ, eu era DJ Tertu e lá no Rio eu comecei a produzir Funk, podcasts e músicas. Quando eu cheguei em Salvador comecei a fazer pagode para divulgar meus brigadeiros, aí eu gravei uma música e essa música estourou. Uma história muito louca.
Oganpazan – De estudante de história da arte para DJ, vendedora de brigadeiro e produtora de jingle para o próprio negócio, porque o Pagodão como veículo para suas canções?
A Travestis – O pagodão foi o veículo para mnhas canções, porque os jingles foram compostos como pagodão para vender na praia. Tinha o menino do caldo que cantava: “Caldo do paredão” e vários outros vendedores faziam pagode como jingles porque é o que se aproxima mais do povo, entendeu? Assim, eu também fiz jingle com o pagodão, e aí eu disse pra mim mesma, eu vou gravar pagodão.
Porém, quando eu morava no Rio, eu tinha um sonho, eu já tentava algo que eu conquistei hoje. Eu via as músicas hetero batendo nos paredões na favela, todo mundo ouvindo, nos podcasts e tal, e eu tinha um sonho de que músicas de putaria LGBT também estivessem lá entendeu. Eu nunca consegui realizar o meu sonho no Funk, mas no Pagode eu consegui. E também de certa forma, o Funk e o Pagodão tem relações muito próximas, pois são ritmos de favela, o funk surgido no Rio expandiu-se para outros estados, e o pagode é um ritmo de favela baiano que se expandiu para outros lugares como o Piauí e outro estados nordestinos.
Oganpazan – Ter Pagodão de Putaria LGBTQIA+ estralando nos paredões é um avanço né? Comente um pouco como você vê essa abertura que está ocorrendo no pagodão baiano e o surgimento de novas vozes como você, Nininha, A Dama, A Dona, e a rainha Leo Kret!
A Travestis – Eu penso que é muito importante né, na verdade a mulher sempre esteve em termos de voz no pagode, sempre como backing vocals e esse deslocamento de backing para vocalista, é fundamental. É uma mudança que pode parecer boba, mas na realidade é uma grande mudança com protagonismo feminista. Então, com certeza é um grande avanço, um avanço que nós tenhamos LGBT’s como Nininha Problemática, como Miguela Magnata, e também que tenhamos mulheres como A Dona, A Dama, a banda Swing de Mãe, A Poderosa, Aila Menezes, como protagonista. Para mim é importantíssimo. E Leo Kret que é uma precursora e agora A Braba e a Japa, que eram backing vocals e se tornaram vocalistas de um projeto só delas, saindo da banda La Furia.
Oganpazan – Quais as dificuldades que você enfrenta para produzir? Como é o seu corre para conseguir colocar na rua suas produções?
A Travestis – As dificuldades são muitas, até porque eu sou uma artista independente, mas eu tô sempre dando a volta por cima, fazendo vários corres e acreditando no meu sonho. Muitas coisas que me aconteceram em termos de dificuldade foi por conta da transfobia, outras coisas por conta de uma questão financeira, de muitas vezes eu não ter dinheiro para comprar um fone de retorno, que eu ainda não tenho. Mas eu trabalho e acredito que tudo isso vai se resolver logo em breve né? Eu sigo trabalhando com outras coisas para conseguir investir na minha carreira artística.
Eu necessito trabalhar para investir e recebo os streamings e dos shows, porém com a pandemia, eu perdi essa fonte de renda. O mais difícil até agora, tem sido esse período da pandemia sem fazer show pois me retirou uma boa parcela da minha fonte de investimento na minha própria carreira.
Oganpazan – É isso, a pandemia tem vitimado muitos artistas que estavam em ascensão e vinham galgando espaço e visibilidade. Como você tem lidado com essa “pausa”?
A Travestis – Pausaram os shows, mas eu não parei de lançar, eu sigo gravando e lançando e tenho já vários projetos que vão sair logo mais. E acredito que ainda não conquistei o que em breve conquistarei, pois vem muita coisa por aí. A pausa dos shows, me fez no início eu me sentir muito mal, ver que tava tudo caminhando e parou e eu tava começando. Mas depois eu entendi que as coisas acontecem no tempo certo, e vai dar tudo certo. Foquei em pensamentos positivos e sigo pensando positivo e trabalhando. Uma hora acaba e eu vou estar pronta, porque me preparei durante essa pausa.
Oganpazan – Exatamente, e essa sequência de lançamentos é importante para manter os ouvintes e fãs alimentados, porque se não está havendo shows, os paredões continuam a acontecer – talvez em menor escala. E recentemente você soltou um clipe super bem produzido com participação do Kevin Brito (O Marginal). Fala um pouco desse trabalho e da parceria.
A Travestis – Eu tenho feito recentemente algumas parcerias nessa quarentena, fiz com Paulilo, fiz com O Maestro, fiz com a banda UH Sistema e fiz com o Kevin. São artistas que estão no meio LGBT e outros que estão no meio do pagodão e eu penso que é essa a minha identidade. O Kevin é um artista que canta brega funk, arrochadeira, e ele é do interior da Bahia, de Feira de Santana, então eu quis trazer também essa representatividade, uma pessoa LGBT do interior do estado. E fizemos um vídeoclipe baseado em We Found Love da Rihanna, usando o sample dessa música e construíndo um audiovisual com referência no clipe dela também, que tem essas cenas de casal e fizemos a mesma coisa no clipe Empurra, Empurra.
Oganpazan – No excelente audiovisual do single Ele Senta em Cima da Prostituta, você toca em dois pontos muito importantes. O reconhecimento do trabalho sexual como um trabalho digno como qualquer outro trabalho, e também apresenta uma relação sexual entre um homem e uma mulher trans. Qual a importância você vê em abordar esses temas dentro de uma sociedade machista e transfóbica como a nossa?
A Travestis – O clipe não retrata apenas a prostituição, ele retrata principalmente o meu trabalho como camelo no Porto da Barra, que é algo real e muito difícil, aliás pessoas trans, travestisqualquer trabalho vai ser muito díficil. As pessoas são muito transfóbicas, não sabem lidar com a existência de pessoas trans, machucam colegas de trabalho. No momento que você chama uma mulher trans de ele, você já tá fazendo ela se sentir mal. Agressões verbais, físicas, tudo isso são coisas muito recorrentes, com pessoas trans, e eu digo isso porque minhas experiências com trabalho foram assim. Até recentemente eu estava em um trabalho provisório e eu sofri muita transfobia ao ponto de pedir demissão. E é nesse sentido que nós sabemos que a maioria das trans preferem se prostituir por isso.
Eu particularmente não sou prostituta sou câmelo, me sinto mais confortavel com esse trabalho e a questão da prostituição é super importante de ser abordada porque é uma profissão onde os direitos não chegam, onde a fiscalização, o respeito, nada disso chega. Então eu penso que a prostituição tem que sair desse lugar esquecido e ser regulamentada, ser institucionalizada.
Oganpazan – Nesse mesmo clipe, é possível ver a atuação da Nininha Problemática e da Leo Kret, assim como você já atuou no clipe da Nininha e quem acompanha pode ver essas trocas. Existe um senso forte de comunidade entre os e as protagonistas da cena LGBT no pagodão no sentido de se ajudarem? Conta pra gente!
A Travestis – Então, as LGBT’s do pagodão, a gente se divulga, a gente se ajuda, até porque não somos muitas e precisamos. Uma precisa da outra, uma ajuda a outra e eu entendo que essa é a importância de estarmos juntas, fortalecer o movimento LGBTQI+.
Oganpazan – O que você busca com a sua música, quais os seus principais desejos com a carreira artística? No pagode e no funk por exemplo, é muito comum artistas não lançarem discos oficiais, EP’s e produzirem muitos singles, videoclipes etc… Você planeja lançar disco, quais os seus planos nesse sentido?
A Travestis – Sim, já agora no mês de novembro eu vou gravar o meu primeiro disco. Já tenho as músicas e todas as composições são minhas, e junto ao lançamento do disco, vou lançar um audiovisual. E além disso, eu posso garantir que vem muita coisa boa por aí, pois além desse meu primeiro disco, eu já estou preparando alguns outros projetos, que em breve serão lançados.
Oganpazan – Gostaria de te agradecer pela conversa e pela disponibilidade, dizer que conversas como essas são muito importantes para mim. Você gostaria de falar alguma coisa que não perguntei? Deixe um recado para os leitores do Oganpazan e para o seu público em geral!
A Travestis – Eu gostaria de dizer para as pessoas que são leitoras do Oganapzan, que é preciso uma reforma social para que nós pessoas trans consigamos ser incluídas nessa sociedade, pois do jeito que está, através dos princípios que estão aí, nosso destino é a morte, é a depressão, entendeu? Pois, é muito difícil você resistir a essas pressões todas, eu resisto, eu busco sempre fazer coisas que possam me positivar, trabalhar com o que eu gosto, mas não é tão fácil assim, tudo é muito difícil. Então essa é a mensagem que eu gostaria de deixar para os leitores.
-A Travestis – Novas Vozes do Pagodão
Por Danilo Cruz