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A força feminina do jazz Vol. I: Camilla George, Isang (2017)

Estejam avisados, o jazz também é feminino e daí emana uma força criadora que não pode passar desapercebida. 

As mulheres estão presentes no jazz desde os primórdios. Como em todo os estratos da sociedade, sempre lhes foi dificultado a pratica de qualquer atividade que não fosse correspondente à manutenção do lar. Tendo sempre  que brigar por diferentes frentes e formas para conseguir alcançar as minimas condições para realizar aquilo que aos homens sempre foi permitido fazer, partiram para luta, pois mulher no jazz durante muito tempo não podia ser. Às mulheres era permitido cantar, por isso os grandes nomes femininos do jazz estão vinculados ao canto: Bessie Smith, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Billie Holliday, dentre tantas outras.

Algumas conseguiram romper essa fronteira após décadas e ir um pouco além em tempos em que o machismo ainda era resistente como ferro no meio jazzístico. Alice Coltrane destacou-se ao piano na virada dos sessenta pros setenta, chegou onde nenhuma mulher instrumentista havia chegado até então. Tornou-se uma band leader e construiu uma carreira sólida e de respeito. Atualmente Esperanza Spalding alcançou o status de pop star, algo impensável uma década atrás para uma jazzista, ainda mais tendo o baixo como instrumento. 

Essa série especial “A Força Feminina do Jazz” busca trazer aos holofotes as grandes jazzistas mulheres e suas contribuições para esse gênero musical durante quase seus 100 anos de existência. Nas últimas décadas o número de mulheres liderando seus próprios grupos de jazz , big bands também, cresceu consideravelmente. Contudo são pouquíssimas que chegam a ter seu nome conhecido pelo grande público de jazz e mesmo ter o devido reconhecimento junto ao mundo do jazz. 

Nessa primeira edição trazemos a jovem Camilla George. 

Camilla George

Banda: Camilla George Quartet

Álbum: Isang

Selo: Ubuntu Music

Data de Lançamento: 13 de janeiro de 2017

“…I love the old school swing. And whilst I like all the old time signature stuff and I find it a challenge, my main thing at college was definitely learning how to swing in four bar… It’s that essence of Jazz; it’s that old school Jazz that I love.” – Camilla George

“ … Eu amo o swing da velha guarda do jazz. Embora eu goste de tudo que leva sua assinatura e encontre aí um desafio, meu objetivo na faculdade, definitivamente, foi aprender como ter swing a cada compasso … Essa é a essência do jazz; isso é o que amo no jazz feito pela velha guarda.” – Camilla George

Embora jovem em idade, Camilla George possui experiência e maturidade como jazzista. Nigeriana, radicada em Londres, graduou-se numa das mais importantes escolas de jazz do mundo, a Trinity College of Music. Estudou com grandes saxofonistas entre os quais Jean Toussaint, que integrou durante um período o lendário grupo The Jazz Messenger, liderado pelo gênio das baquetas Art Blakey. Venceu em 2012, logo após graduar-se como Master in Jazz, o Archer Scholarship, premiação destinada aos músicos que se destacaram ao longo de sua trajetória acadêmica. 

Desde 2004 Camilla integra duas instituições de apoio à jovens músicos, a Tomorrow´s Warriors e a Nu Civilisation Orchestra ministrando workshops, sendo a mais jovem integrante da The Warrior’s family a lecionar na instituição.  Em 2009 passou a integra a Jazz Jamaicabig band de jazz criada pelo baixista Gary Crosby centrada em traduzir na linguagem do jazz ritmos tradicionais jamaicanos como o ska e o reggae. 

O passo mais ambicioso foi dado em 2014 quando fundou o Camilla George Quartet ao lado da jovem pianista Sarah Tandy, o baixista  Dainel Casimir e o baterista  Femi Koleoso. No ano seguinte, 2015, lançou o EP Lunacity, que teve recepção calorosa entre os amantes do jazz e recebeu elogios da lenda do jazz britânico Courtney Pine. Com seu quarteto Camilla George se apresentou em importantes festivais de jazz do Reino Unido entre eles o Derry Jazz Festival, Ealing Jazz Festival, The Vortex, Jazz in the Round, Jazz Re:freshed, Ray’s Jazz e o The Spice of Life.

O álbum de estréia da saxofonista alto Camilla George impressiona por sintetizar suavidade e agressividade, alternando essas tensões de acordo com as exigências das músicas. Econômica no uso das notas, constrói suas linhas melódicas numa progressão controlada, buscando encaixar cada nota no lugar que lhe é devido. 

Claramente influenciada por vertentes modernas do jazz, perceptíveis nas estruturas harmônicas e melódicas construídas pela saxofonista. Em Lunacity, por exemplo, Camila presta reverência aos mestres do bebop ao fazer brotar em seu improviso o refrão de Salt Penault. A busca por inspiração e pelo swing nos estilos vanguardistas do jazz é mesclado às sonoridades negras presentes em sua ligação com a Nigéria e o interesse pelo swing proporcionado pelos ritmos caribenhos . Não esqueçamos a presença marcante da música jamaicana no Reino Unido, bem como na carreira da saxofonista. O toque apurado, orientado por uma verve criadora inspirada levou à alquimia perfeita entre essas vertentes musicais, resultando num álbum bem acabado, cuja sonoridade cristalina reflete a busca pela excelência. 

A escolha da música Isang para nomer seu álbum de estreia pautou-se no significado da palavra isang. Pertencente ao antigo idioma effik/ ibibio, falado na costa sudeste da Nigéria, região de nascimento de Camilla, quer dizer jornada. Eis a carga semântica por trás do título que representar o momento da caminhada da saxofonista ao longo de sua trajetória musical.  Esse simbolismo permite compreendermos a ligação profunda da instrumentista com a música, sempre remetendo à sua ancestralidade, fonte da energia que move seu processo criativo.

Abaixo confira a performance do Camilla George Quartet durante o  importante festival de jazz Jazz Re:freshed em julho de 2015. Tente não se emocionar. 

Para Camilla George não se trata apenas de reverenciar os grandes mestres da modernidade do jazz, mas a construção de um método que permita utilizar o legado que deixaram como elementos de sua própria expressão. Ao longo das faixas vamos encontrando releituras de estilos diferentes do jazz, como o avant-garde, bebop, cool e suas variantes surgidas nas décadas de 50 e 60. Identificamos a presença dos grandes nomes desses estilos em suas músicas, sem, contudo, soar repetitivo. Camila evita a sensação de monotonia ao utilizar esses elementos de forma comedida, apenas como ingredientes para suas composições.

O timbre aveludado, límpido e vibrante do sax de Camila encanta, envolve-nos numa atmosfera sonora agradável. Essa marca da musicalidade da saxofonista casa perfeitamente com os estilos nos quais busca matéria prima para suas composições. Mami Wata é uma faixa de andamento cadenciado cuja melodia principal marca presença por sua fluidez alternante, quebrada por breaks que conduzem ao momento do improviso.

Em Ms Baja, Camila faz sua versão para a composição de Kenny Garret, contando com a presença da cantora Zara McFarlane, cujos scats vocais imprimem ainda mais sutileza à música. Ouça a versão original por Kenny Garret clicando aquiThe Night Has a Thousand Eyes popularizada por John Coltrane (ouça a versão de Coltrane aqui) ganha contornos suaves, apresentando uma dimensão ainda mais tranquila.

Isang, faixa que dá título ao álbum, ganha swing pela marcação rítmica acentuando os contratempos. Ficamos na expectativa de a música desembocar num revezamento apoteótico de improvisos bem atiçados por um ritmo frenético. A justa medida é preservada. Dreams of Eket encerra o álbum levando-nos ao encontro do relaxamento pelo som, numa remissão à transcendência através da música.

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