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A Força Feminina do Jazz: Lakecia Benjamin

Lakecia Benjamin 2019 Promotional Images

Em seu último álbum, lançado em 2020, a jovem saxofonista Lakecia Benjamin honra sua herança musical ao render homenagem a John e Alice Coltrane. 

Capa de Pursuance: The Coltranes

A nova geração de jazzistas caminha no presente. Quero dizer com essa afirmação, que suas composições buscam seus elementos na música contemporânea, em seus diferentes segmentos. Por exemplo, os jovens jazzistas britânicos se aproximaram bastante das sonoridades eletrônicas e étnicas, principalmente de origem africana. 

Lakecia Benjamin, jovem saxofonista nova iorquina, é nascida e criada no bairro dominicano de Washington Heights. Formou-se sob o som da música latina, tocando salsa e merengue durante a adolescência. Lakecia é um bom exemplo dessa geração de jazzistas que pensa o jazz conectado com seu tempo. 

Sua trajetória até aqui, presente nos seus três álbuns de estúdio, ReTox (2012), Rise Up (2018) e Pursuance: The Coltranes (2020), mostra a compreensão do jazz entrelaçado a todos os gêneros que formam a música negra, linhagem comum entre todos eles. Essa visão abrangente, que coloca a música negra como um amálgama sonoro, permite criar novos caminhos pro jazz. 

Em ReTox, Lakecia buscou no funk e na soul music a energia e a emotividade para compor sua sonoridade, enquanto em Rise Up a conexão foi estabelecida com o rap. Mas queremos neste breve artigo falar um pouco sobre o último álbum da saxofonista. Pursuance: The Coltranes faz uma releitura de músicas compostas pelo casal ou por cada um separadamente. 

Dessa forma, Lakecia mergulha no universo sonoro a partir do mergulho de John Coltrane na espiritualidade, que traz na união com Alice o ponto que marca o início dessa fase. Para essa homenagem, a jovem saxofonista contou com a participação de grandes nomes do jazz contemporâneo. 

O foco de Lakecia neste álbum é alcançar a mística e a espiritualidade sob as quais estão envoltas as composições do casal por ela escolhidas. Claro, buscando fazê-lo a partir de uma concepção contemporânea do jazz. Em “Syeeda’s Song Flute”, David Bryant, através de seu piano elétrico, elabora uma camada sonora, que forma a base sob a qual Lakecia emite os guinchos de seu sax alto, revezando com o trmpete de Kayon Harrold. Ron Carter desenha suas linhas de baixo funcionando com uma espécie de mola propulsora da música.

“Spiral” traz o swing da salsa, agitando de forma contida as trocas de frases entre os sax altos de Lakecia e Steve Wilson. Em “Central Park West”, temos uma combinação mais ousada de batidas mais suaves de jazz e hip hop com órgão, harpa e linhas vocais esparsas de Jazzmeia Horn, tudo isso partindo de um groove faceiro. 

Os hinos gospel, “Walk With Me” e “Going Home” são trazidos como parte da homenagem a Alice Coltrane. Na interpretação de ambos percebemos a presença do poder espiritual da religiosidade das comunidades negras estadunidenses. A fabulosa Regina Carter, através de seu violino suave e dramático, soma-se à harpa de Brandee Younger para imprimir a aura gospel às músicas. Marcus Strickland no clarone, junta-se à sessão de cordas para garantir mais amplitude às músicas. 

“Prema”, música do álbum Transfiguration de 1978 da Alice Coltrane, está envolta por ritmos do Oriente Médio, bem definidos pelas cordas e a “troca de ideias” entre a flauta de Gamaliel Lyons e o sax alto de Lakecia. Já “Turiya e Ramakrishna” segue pela forma jazzística mais simples tendo o piano de Surya Botofasina em belos arpejos, pontuado por notas bem escolhidas para que Lakecia construa suas frases comoventes e cheias de reverência a seus mentores musicais e espirituais. 

No que diz respeito às composições solo de John Coltrane, “Om Shanti” agrega em torno de si o fervor das práticas religiosas. Essa atmosfera ganha força através das linhas melódicas de Georgia Anne Muldrow, que soam como uma oração, de quem reza sob o transe de uma força maior, alimentada pelos solos ondulantes do sax alto e da profundidade harmônica do piano elétrico. Alcançando no transcorrer da música um frenesi construído lentamente sobre a colcha de vozes do coral com MeShell NdegeOcello e o ritmo r’n’b descontraído de Joe Blaxx. 

“Alabama” tem sua simplicidade preservada, porém, sem perder de vista sua força de protesto e reverência às quatro meninas, vítimas do racismo aterrorizante que infecta o sul dos EUA. Destaque para os pianos de Sharp Radway e Bertha Hope, além dos baixos de Reggie Workman e Lonnie Plaxico, todos borbulhando sob a eloquente lamentação de Benjamin, que consegue se alinhar à interpretação original de John Coltrane. 

A beleza e força da fase espiritual de John Coltrane tem como base um dos álbuns mais bonitos do jazz, “A Love Supreme”.  Em “Acknowledgment” Abiodun Oyewole, membro do grupo “The Last Poets” usa sua voz rouca para falar sobre Coltrane. Logo substituída pelo canto suave de Dee Dee Bridgewater emitindo a antológica frase “A Love Supreme”, que vai se  espalhando sobre o improviso vigoroso de Lakecia. 

Todos esses músicos e essas musicistas que fazem distintas abordagens das músicas e que abrem uma dimensão abrangente para a obra dos Coltranes dão ao álbum sua verve. Porém, tem como pedra fundamental o poderoso timbre e fraseado do sax alto de Lakecia Benjamin. Tudo gira em torno do som que sai de seu instrumento. 

Interpreta com maestria as músicas e consegue usar todos os seus recursos enquanto instrumentista e criadora para, ao lado de outros sax altos, como Gary Barts em “Liberia” ou Greg Osby e Bruce Williams em “Affinity”, gerar diálogos musicais intensos. 

Mais que um tributo, Pursuance: The Coltranes é um mergulho na obra imortal de John e Alice. 

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