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Dicas, Variedades

A Diversidade do Rap Brasileiro em 5 Ep’s e uma Demotape

Selecionamos 5 EP’s e uma Demotape que continuam representando a diversidade do rap no nosso cenário nacional.

De certo modo, o fato de noticiar de uma enfiada só trabalhos distintos, reflete menos a facilidade para economizar nas linhas, do que a possibilidade de num mesmo texto colocar as diferenças juntas. Em tempos onde as diferenças são repudiadas a todo custo e o fascismo encontra terreno fértil, optamos por juntar essas mesmas diferenças de modo que algum tipo de dialogo entre diferentes lugares de fala possam se estabelecer. Senão numa escrita que queira costurar artificialmente uma unidade inexistente, que seja num quadro abstrato onde cada linha siga num rumo, mas que essas estejam cruzadas na própria abertura do texto, sempre capaz de conjurar a falsa unidade e abrindo-se num movimento aberrante da conjunção e.

Difícil de negar as diversas estratégias que o jogo tem feito aparecer, e antes de querer ser a má consciência dos outros, preferimos o esquema da maquete. E se formos felizes na empreitada conseguiremos colocar em palavras que tipo de pathos, de posicionamentos, quais as imagens e os afectos que os diferentes autores tem produzido. Dessa vez selecionamos 5 Eps e uma Demotape, feitos por vozes dissonantes dentro da cultura, com pegadas diferentes, mas todas muito boas em suas buscas por liberdade e união para o gueto, justiça e respeito ás diferenças e minorias, a necessidade de imprimir beleza e qualidade em sua própria vida. Vários corres, que tentamos alcançar, compreender e divulgar da melhor forma possível.

Lukas Kintê  – 1º Episodio (2015)

https://www.youtube.com/watch?v=m48vfRcsMG8

Um EP dos mais urgentes lançados até aqui, uma urgência buscando correr dos enganos, dos relacionamentos furados, das faltas e das falhas que empobrecem a vida. Lukas Kintê deu voz e batida à urgência com o seu 1º Episodio (2015). O rapper oriundo do bairro de Periperi, poetiza aquilo que todos os jovens de periferia também já estão de saco cheio: de ser ameaçado pela policia racista, de ter que se provar a todos os minutos do dia: baculejo, busu lotado, subempregos, e baixa renda. Tendo como única saída, o caminho do crime, porém diante dessa estratégia os mais atentos conseguem (como Kintê), a custa de muito trabalho e inventividade, se sair.

Uma vivência que só quem é Du Guetto pode colocar em palavras e beats com a força da verdade que aqui aparece. Lukas manda: Anota Ai, que ele esta buscando o melhor, e isso fica evidente na qualidade com que essas 6 músicas conseguem imprimir no ouvinte a sensação de alguém que se debate com os problemas e angustia e de tanto se debater consegue finalmente fazer dos problemas aprendizado. Conseguindo uma auto superação, depois de um tempo se recuperando, pega a visão e vai atrás daquilo que se quer conquistar. Ambição legítima, de qualquer cidadão que quer viver do seu trabalho, mas que sabemos, é um caminho difícil. Difícil de se manter no presente num mercado onde a primeira palavra é: competição, parece ser essa a motivação do jogo. Mas essa pseudo motivação, é antes apenas mais um esquema de trazer a guerra onde deveria haver solidariedade.

Felizmente o mano Lukas Kintê, tem junto de si a banca da F.M.E, e apoio não lhe falta junto aos manos. Neste disco, colaboram o onipresente Diego 157 mixando e masterizando 4 faixas, enquanto o Dj Akani da família BTB, cuida de outras duas faixas. Essa é a primeira cartada, e sinceramente vemos que a mão do homem ta carregada de boas ideias rimadas num flow forte, daqui de onde estou, eu passo nessa rodada.

 Rico Dalassam – Modo Diverso (2015)

Não é por motivos óbvios, ou melhor é. O que de óbvio traz-nos essa estreia do Rico Dalassam é um disco pra cima agenciando um lugar de fala, um posicionamento inédito até então no rap nacional. Rico Dalassam apareceu na cena do rap com um single que de cara colocou a sua questão – que deveria ser a de todos que buscam realmente igualdade, justiça, liberdade e outros valores para a real harmonia social – que o de se inserir num meio que ainda é muito machista, quem dirás homofóbico. Dessa forma, possuímos na pessoa deste rapper uma politica que excede o mero discurso para se fazer corpo, notado inicialmente na estética dos figurinos. E encontrando seu prolongamento nos beats e no clima escolhido para seu EP de estreia. Homem negro, homossexual, morador de periferia, o disco não possui um pingo de ressentimento e é uma afirmação bonita e alegre de se ouvir.

Em clima de festa, com beats dançantes e certa pegada R&B, Rico faz da auto aceitação uma arma forte o suficiente para que as diferenças invadam a festa do hip hop e sejam respeitadas como merecem. O reconhecimento do direito que lhe é próprio pode não garantir livre trânsito nos espaços onde homofóbicos se fazem ainda maioria, mas abre um caminho para o convencimento e a reflexão de uma cena que precisa se repensar cada vez mais e de preferência com uma intensidade maior. E é nessa pegada que o mano canta o amor, e a pressa de ser o que se é, afinal ninguém deve ter vergonha de Ser o que quiser e ser de quem se quiser.

Rico Dalassam e seu Modo Diverso (2015) toca na ferida e coloca a questão sobre o respeito ás diferenças no cerne do hip hop, movimento que precisa estar sempre em construção quando se trata de preconceito, posicionamento politico, sexualidade, religiosidade, etc. As ideias presentes no disco, assim como as rimas do mano, são de primeiríssima qualidade e “com papo de recalque, é um dedo e um abraço.” Pra bom entendedor um pingo é letra, né não? Escute e fique a vontade.

 Victor Xamã – Janela (2015)

Ele esteve bem próximo de nós aqui em Salcity, e desse tempo por aqui plasmou, escreveu as músicas que ora escutamos em Janela (2015). E é bem esse o sentimento que conseguimos captar no EP, relatos feitos através das janelas da alma, do ônibus, da casa. De alguém que esta de passagem, desenraizado, nômade que repousa para registrar suas impressões da travessia. Pela vida, entre cidades e estados, que podem ser territoriais ou do espirito. O rapper capta as ironias, mas também escreve o próprio destino em linguagem rara, poesia intrincada. Por aqui captou nosso ambiente cinzento mesclado ao verde que ainda resta, o calor talvez incentivando certa melancolia na reflexão. Mas, sobretudo questionou nossas rotinas que muitas vezes nos levam a uma existência seca, ossificada pelos hábitos, incapaz de perceber a beleza.

Victor Xamã parece fazer parte desse estilo emergente que busca uma poesia mais introspectiva, partindo de si mesmo para compor uma espécie de trilha sonora das angústias uma Bussola Quebrada. Porém num individualismo pouco egocêntrico, Essa Noite Vou Me Embriagar Com Verdades, que tem a participação de Makalister Renton parece evidenciar isso. A caminhada de um homem pela cidade, flanando e captando de passagem a “falta de sentimento na fachada dos prédios”, “os valores sem crédito, os sorrisos sintéticos”. Vagabundos iluminados, embriagados com a sobriedade angustiante de quem busca o entendimento da miséria humana.

Escrevendo um livro sem fim, vomitando verdades circunstanciais numa produção de sentido em que a poesia caminha junto a loucura de um destino perfurado pelo tempo, sua construção e a força da rapidez do contemporâneo. Um quadro impressionista da realidade, que abre mão das facilidades de olhos lucrativos, Dual II – Q$MRT com a participação de Dalsin. O disco possui qualidades poéticas incríveis, talvez merecendo um exegese mais aprofundada. Aqui escrevemos apenas interpretações impressionistas. Abra essa janela e suporte a vista, bela e terrível que o Xamã lhe oferece.

Terra Preta – Inevitável 2 (2015)

Neste ano de 2015, o rapper paulista resolveu lançar não um EP, mas três até agora. Selecionamos aqui o com que apareceu-nos com o maior numero de faixas: Inevitável 2 (2015). E depois de ouvirmos algumas dezenas de vezes, é inevitável perceber que a mensagem que o mosaico das canções compõem é simples: Trabalho = Vitória. Uma luta, a busca da celebração, a vitória conquistada a custa de muito trabalho, honestidade e solidariedade. Qualidade de sua arte como armas para enfrentar a guerra em que todos os nascem na periferia são jogados. Já na Intro(celebrar), o áudio sampleado de Troia, confronto mítico entre Aquiles e Heitor, resgata e tematiza a substância do EP.

Dominando a cidade e A Guerra III (Nunca vai Morrer) são outros cânticos de batalha. As faixas parecem de certo modo trabalhar nesta dualidade luta – celebração. Enquanto Chave canta a alegria nos rolês pela city, Siga Seu Caminho reflete mais um pouco a necessidade de ter calma e continuar seguindo em frente mesmo com os problemas. “Se uma flor um dia te magoou/ escondendo os perigos dos espinhos/erga a cabeça o tempo cicatriza/meu mano, então siga seu caminho.” Terra Preta mostra aqui, sua qualidade não só como rimador, mas também como cantor capaz de entoar um refrão com bastante afinação e qualidade melódica.

Ética na produção, a luta contra si mesmo e os demônios mais perigoso que são aqueles habitam dentro de nós mesmos. Disciplina reflete sobre o ano do artista e seu método de encarar a vida como uma estética da existência. Pausa para o romance em Essa Mina É Demais, que como o próprio título deixa claro, é uma ode a uma princesa, elogio sensual e amoroso. E fechando o EP, Só Deus Pode Me Julgar, batalha contra os invejosos e o disse me disse que faz parte de toda cena, ou melhor, de todo lugar onde se juntam mais de dois seres humanos. Mas como a própria substância que o EP canta, é o trabalho e a disciplina os únicos antídotos contra a trairagem, o mal olhado e maledicência. E com certeza Terra Preta sabe disso.

Samuel Px – Império dos Monstros (2015)

O mano lançou o seu primeiro EP quando esse texto já estava quase pronto e aí rolou aquela dúvida cruel: Escutamos e mexemos no texto, ou escutamos depois e depois encontramos uma pauta? A presença dele nessa pequena seleção já responde a resolução que tomamos. E certamente decidir escutar logo foi a melhor solução. Em Império dos Monstros (2015) o ritmo é de pesada denuncia, de coisas que não podem mais esperar, mas que como num pesadelo em vida é sempre adiado, enquanto o sofrimento não para. Miséria, violência e crime, esse trinômio poderia definir a essências das canções. O clima é o do rap dos anos 90, em muitas de suas rimas o estilo de Samuel PX evoca grandes nomes do rap nacional como MV Bill, por exemplo. Mas como os problemas narrados, a atualidade é a cara do som, do estilo e das temáticas, tudo embrulhado em Beats pesadões.

Neste trabalho solo (Samuel PX que faz parte do grupo Dazideia) carrega nas tintas para contar pra quem não sabe como funcionam as relação dentro da favela. Como os policiais veem e tratam as pessoas dentro das comunidades. Como se trata os que deixam falhas ou caem na besteira de falar demais. Contando com a participação de Tiago Paixão (Nordwest) e N’Ativa Sico e Dactes (Ácido Corrosivo, Clima Violento) e produção de Christian Dactes. O disco foi gravado no estúdio Na Ativa House, e se você gosta de autenticidade e peso de verdade, ouve aí!

 Mobb – Demotape

https://soundcloud.com/mobbmms/mobb-america

Menção honrosa para a demotape desse rapper que surge com uma força incrível no cenário, munido de uma produção modesta e independente. Porém genial, cuspindo muitas linhas cheias de ideias contundentes, abordando os mais diversos problemas, com desenvoltura de veterano. Essa primeira coleção mostra o quanto é importante alimentar flow com ideias, preenche-lo com informações e fazê-lo capaz de quase inconscientemente, falar com propriedade.

América faz uma bela analise sobre a colonização e a recolonização da América e África, desvendando rapidamente as mazelas ainda hoje sofridas nesses dois continentes. O essencial não é captado com a vista. E o rapper abre as mais diversas portas da percepção pra rimar contra: os atentados sofridos pelo candomblé, a policia genocida, o capitalismo, a politica oficial,  a inquisição, a favor da ganja, do jatobá e da inteligência insurgente, porque pensar é pensar contra. “Viver é ser feliz, ou só matar o tédio?” Pergunta em Faro. Contra o tédio medíocre de rimas pobres preenchidas de clichês, Mobb aparece muito bem, mandando a real de lá de Camaçari: Vamos pra Holanda, mas só depois de libertar Ruanda!

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