As nossas manias são podadas, a tampa do vaso perde um pouco de sua costumeira ousadia e até a louça passa a sofrer sérias consequências. Agora o depósito de pratos que antes era uma clara tentativa de maquete do Empire State Building, começa a conhecer o detergente e, como se não fosse suficiente, ainda é enxaguado, secado e guardado.
Sendo que chapações sonoras como ”On The Corner” e a odisséia do Jazz Fusion ”Bitches Brew”, só foram arquitetas depois que sua sinhá trouxe a nata do Funk e da Psicodelia para a residência Davis. Fazendo com que nomes como Sly Stone e Jimi Hendrix (pífio guitarrista com o qual Miles quase gravou um disco), tocassem a campainha e descabelassem o som caxias-tradicional do Jazz.
São quatro discos de estúdio, três lançados na década de 70 e ”Is It Love Or Desire” (que foi gravado em 76 mas só saiu em 2009). Todos venderam relativamente bem na época de lançamento, mas não foi nada de outro planeta, chegou na Billboard mas acabou ficando no miolo, top 50… faixa dos 40 mais. Só que com o passar dos anos esses discos se tornaram grandes clássicos e o primeiro deles (o autointitulado lançado em 1973) é o mais celebrado hoje em dia, mas todos são muito bons.
Line Up:
Betty Davis (vocal)
Larry Graham (baixo)
Gregg Errico (bateria)
Doug Rauch (baixo)
Merl Saunders (piano)
Jules Broussard (saxofone)
Sylvester – The Pointer Sisters
Patryce Banks – The Pointer Sisters
Kathi McDonald – The Pointer Sisters
Annie Simpson – The Pointer Sisters
Willy Sparks – The Pointer Sisters
Willie Sparks (bateria)
Neal Schon (guitarra)
Pete Sears (piano)
Doug Rodrigues (guitarra)
Richard Kermode (piano)
Hershall Kennedy (órgão/vocal)
Victor Pantoja (percussão)
Mic Gillett (trombone)
Greg Adams (trompete)
Skip Mesquite (saxofone)
Track List:
”If I’m Lucky I Might Get Picked Up”
”Walkin’ Up The Road”
”Anti Love Song”
”Your Man My Man”
”Ooh Yeah”
”Steppin In Her I. Miller Shoes”
”Game Is My Middle Name”
”In The Meantime”
Só que a moça era tinhosa, chegou nos EUA e não deu nem bola para o grande Carlos e se concentrou em criar seu próprio material. Fazendo conexões com contatos que fez na época que estava com Miles e fortalecendo o laço criativo para fechar o baile com Gregg Errico (Sly & The Family Stone), e requisitar a nata de músicos da Bay Area, fechando a conta com Neal Schon, Doug Rauch e Larry Graham.
O som desses discos agrega o Funk dentro de seu estado mais bruto, onde além de linhas muito bem traçadas e entrelaçadas entre todos os instrumentos, os envolvidos apostam na riqueza de detalhes como revolução e arriscam riffs ácidos e passagens que assustam pelo peso, isso mesmo que você leu, peso.
Quando abrimos o disco com ”If I’m Lucky I Might Get Picked Up” a coisa fica clara. Percebam a chumbada da percussão, o groove passando por cima de tudo e a voz chavosa da senhorita, que aliada daquele bom e velho approach Soul, chega encurralando orelhas com um inspirado e rifferamático Neal Schon em puro êxtase depravado.
Larry Graham bem que tenta mas ele também perde a linha. Os temas são curtos mas a cozinha é uma senhora quebradeira, tudo chega somando no groove, desde os ilustre backing vocals do pessoal da The Pointer Sisters até o órgão de Hershall Kennedy, que chega recheando a baguete do swing com ”Walkin’ Up The Road”.
Mas o destaque do disco é a senhorita Betty, ela domina o vocal de uma forma que apenas os grandes conseguem, ela irradia sua arte e como se não bastasse ainda tinha um time de músicos que ganha até Champions League, se liga no que o baixo faz em ”Anti Love Song”, destilando riffs como se fosse uma guitarra!
Segura o ímpeto temperamental da mulher, ”Your Man My Man” surge com uma confiança que chega a ser até arrogante e quando o Wah-Wah chega pra somar, a casa sente a piração e os ouvintes percebem que o Miles era nerd demais pra essa mina, o marido ideal devia ser o Sly, tamanho o grau de Funk que temos em ”Ooh Yeah”.
Mas sem entrar nessa de conselheiro amoroso, antes só fazendo sons como ”Steppin In Her I. Miller Shoes”, do que mal acompanhada dando rolê em passarela sem groove no nível de ”Game Is My Middle Name” ou metalizando a ideia com ”In The Meantime”. Agradeço essa senhora não só por ter apresentado o Funk ao mestre, mas por ter gravado seu próprio material, um dos raros exemplos de esposas que tinham uma profissão que ia além de ”ser esposa do Miles Davis”. Coisa fina, gritaria Black Power!