A alma de Leon Bridges no Soul de Coming Home

Anos 50, 60 e 70: o apogeu das grandes vozes da música negra. Tempos daquele Soul incorruptível, banhado no mais fino Gospel e que era entoado por seres realmente virtuosos. Misturas fervilhantes, shows homéricos e uma emoção com sentimento digno de tributo. Histórias tristes, mas que musicadas, passam uma realidade que chega a ser palpável e ainda demonstra uma  classe que ganha a mulher mais gata da primeira fila só com o ”good morning”. 
Esse relato se molda, não só para a época de ouro de nomes como Sam Cooke, Otis Redding ou Al Green. Essa descrição serve também para uma trinca muito especial da nova safra de expoentes do clássico Soul e R&B: Benjamin Booker, Benjamin Clementine e Leon Bridges.

Booker por sua veloz combustão de gasolina e Rock ‘N’ Roll, Benjamin Clementine graças à sua estonteante fusão de música africana com Jazz, e Leon Bridges, Soulman de feeling refinado, voz marcante e dono de uma classe contundente. este jovem músico, de apenas 25 anos, assim como os já citados, também estreou com tudo. ”Coming Home”, seu primeiro full lengh, lançado dia 19 de junho de 2015, é um disco grandioso.

O tom contemporâneo que esse registro tenta emacular é a  característica que  o torna desconcertante. A simplicidade inexiste, quando termina você até pensa que o instrumental é econômico, mas isso se deve a grandeza da voz de Leon, que mesmo guiado por uma background sonoro do mais alto padrão, brinca com suas cordas vocais durante todo o disco. Sua força surge dos arranjos crus e tão apoteóticos quanto uma missa no Harlém, ”Coming Home” é um convite ao ser nostálgico.

”Coming Home”
”Better Man”
”Brown Skin Girl”
”Smooth Sailin”’
”Shine”
”Lisa Sawyer”
”Flowers”
”Pull Away”
”Twistin’ & Groovin”’
”River”

Lançamento do mais fino trato, este debutante se destaca por ser um disco perfeito dentro do que se presta à fazer. São pouco mais de 35 minutos onde 10 faixas impressionam o ouvinte, track após track e nos mostram toda a vitalidade que apenas um músico da nova safra poderia jogar na cena.

É fantástico e completamente contraditório ver como um jovem de 25 anos, em seu primeiro disco para um label grande (Columbia), conseguiu chamar tanta atenção por fazer um som que estava no auge quando sua avó ainda dava um caldo.
Só que engane-se o senhor se você pensa que ”Coming Home” é um prensa de saudosismo barato, não, independente do estilo que esse cara produz quando canta por cima da melodia, o ponto principal de todo o disco é o feeling apurado de sua voz e a pureza com que ele retrata todos seus sentimentos  por meio de um vocal que ao vivo parece sample de gravação de estúdio.
Com um fundo musical nos trinques e bastante fiel à era de mestres como Al Green, Leon gravou uma pérola seguindo os dogmas clássicos do Soul/R&B como se fosse o Alcorão para um muçulmano. O timbre dos instrumentos é cru, a batida é mais cadenciada e todo o desenrolar dos temas mostra como a essência de um trabalho é fundamental. Depois do fim do disco você pode até sentir algo mais atual, mas a base deste LP é do final dos anos 50 e 60.

Só que não venha com esses rótulos imbecis na linha de ”Leon Bridges: novo Sam Cooke”, não, Leon fez um disco que veio junto de seu cordão genético. Mostrou, em menos de 40 minutos, que o Soul vai muito bem, obrigado e ainda faz questão de levantar seu LP com orgulho e falar: ”eu vim do Texas, apareci em Fort Worth.”

É muito bacana ver um cara que respeita suas raízes e que gerou um dos melhores discos do ano, alimentando o próprio movimento underground que lhe impulsionou para o patamar atual. É pouco tempo, sei disso, Leon também tem essa noção, mas é bastante claro que a caixa de pandora do garoto ainda está cheia de ideias, afinal de contas não tem como gravar temas tão sinuosos como ”Lisa Sawyer” e sumir no mundo!
Produzido pela dupla americana Austin Jenkins & Joshua Block do White Denim, ”Coming Home” foi completamente arquitetado na terra natal do vocalista. As gravações receberam toda a nata de músicos da região e na tentatia de seguir com a tradição do sentimento, Leon registrou temas no primeiro take, aliás, a faixa título é um exemplo disso.

Com uma cozinha que privilegia aquele órgão suave e que ronrona nos momentos chave, assim como a voz do garotão em ”Better Man”, os músicos presentes nesta gravação arrebentam. O sax é talvez o principal destaque, em praticamente todos os temas o metal caminha no groove como se fosse um jato em rasantes panorâmicos. Sempre fornecendo insights belíssimos e que entre o minimalismo de ”Brown Skin Girl” e da azeitada ”Smooth Sailin”’, nos apresentam ao time de açucarados backing vocals.
Bridges se apresenta de maneira muito confortável, sua naturalidade é de fato assustadora e o resultado acerta em tudo que experimenta. ”Shine” é um retrato perfeito deste disco, é nesse tema que os não familiarizados com o Gospel ficam de queixo caído, nota-se o esmero e o cuidado da instrumentação, enquanto que na voz, notamos a singela troca de assovios entre órgão & sax. Eletrificamos a cozinha com algo mais badalado em ”Flowers”, contemplativo em ”Pull Away” e simplesmente adorável ao som de ”Twistin’ & Groovin”’.

Cuidado pra não quebrar o LP quando dormir com o disco. Eis aqui um passeio sereno pela história e evolução deste sentimento chamado de ”Soul”. Aqui está um CD que vai lhe puxar pelo pé e encontrar um lugar especial dentro de suas melhores memórias e momentos. Encerra essa gravação com ”River”, a reverberação que define a força de Leon e de todos os músicos que contribuiram para esta gravação. É inspirador e arrepia da mesma forma que os grandes mestres fizeram um dia. 

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