Grandes Singles do Rap Baiano #2

O Ano de 2015 acabou, porém a produção baiana não dá nenhum sinal de se encerrar. Os verdadeiros seguem cada um na sua, lançando singles, EP’s, Mixtape, discos. E como disse o poeta Mobiu alguns dias antes do fim do ano, 2015 ainda não acabou e 2016 já começou. Por isso copilamos alguns singles lançados ano passado, mas que obviamente permanecem atuais. Seja pela evidente qualidade, seja por que 2015 parece que foi ontem.

Para além das tretiinhas de facebook, das doxas infundadas do que seja o verdadeiro rap, a verdadeira postura do rap, o que tivemos em 2015 em nossa cena é uma proliferação de trabalhos, diversos em seus estilos, mas que como toda cena que se quer forte, com qualidade, tem que ter. Conquistando públicos também diversos, por vezes com opiniões e posturas duvidosas que precisam ser trabalhadas no próprio seio da comunidade rap.

As discordâncias de posição politica tem que se encontrar para se resolver, antes de se atacarem no trágico tribunal do facebook. Que de resto só serve pra promover publicidade negativa e de separação da cena. Se é uma determinada qualidade que você quer, produza, que se encontre com os diferentes para conseguir praticar o espirito democrático. Onde a posição contraria a sua encontraram o lugar de verdadeiro combate do hip hop: o palco.

Talvez o ano de 2015 tenha sido um dos mais produtivos para a cena rap em Salvador. Não entraremos aqui no mérito da questão quantidade versus qualidade, pois entendemos que isso – a questão do gosto – é algo pessoal. E como se quer por diversos movimentos políticos contemporâneos não existe uma régua única capaz de dizer o que é e o que não é válido de forma absoluta e universal. Restando o debate e a desconstrução das posturas mais reacionárias de forma positiva. Acreditamos que em termos de produção, muitos estão conseguindo mandar seus recados com qualidade. Resta a cena se pensar e conseguir dar tempo ao tempo, para que esse senhor decida o que vai e o que não vai durar.

Selecionamos aqui alguns lançamentos que acabaram de sair do forno, e outros que já possuem algum tempo de lançados. No intuito de não deixar o que admiramos e acreditamos ser relevante para uma mais completa visão de conjunto, tendo o velho critério que adotamos em todas as nossas publicações como guia. Só publicamos o que nos chama atenção, seja  por curtimos demais ou por pensarmos ser determinada produção relevante num determinado gênero do rap.

Soulrap – “Você pode ser o que quiser”

É sabido o quanto o rap trabalha em suas letras para a busca da autovalorização, para estabelecer a capacidade de resistência do individuo diante dos problemas sociais. Batalha que se trava tanto na chave politica quanto no plano existencial e é nessa segunda perspectiva que pensamos que o Soulrap se posiciona. O Trio formado pelos Mc’s Shark e Lefs e pelo Dj Alf, cantam em alto e bom som a superação dos obstáculos da vida. As escolhas éticas que muitas vezes não possuem a aprovação dos outros, mas que precisam de determinação e coragem suficientes para que se consiga o que se almeja.

Os caras lançaram algumas semanas atrás um Lyric vídeo da música que de certa forma dialoga bem com a mensagem da música. A dupla é capturada no palco – lugar das conquistas – cantando, entre sorrisos e filmada de dentro do público. Uma espécie de observador que demonstra e nos mostra a verdade da música encarnada na própria arte e na posição dos atores. A mensagem é clara e a alma do rap, deixa explicito que sim, nós podemos.

Sabótico – No Respaldo

Estar na noite, nos bang, no pixo e no skate, não é fácil, é só pra quem é realmente undergorund e Sabótico é uma peça rara cheia de conhecimento das ruas. Com uma voz carregada de rua, de vivência nas noites, rima numa pegada influenciada pelo maestro do Canão, mas colocando sua identidade no flow. Suavemente mostrando um flow pegado de sujeira, indignação, periferia, recheado de contestação e mandando mensagem de luta e de prudência pela vida e por melhorias para os manos e as minas.

Mais um sobrevivente do racismo, da violência da polcia, lutando no underground para mostrar seu valor. Cheio de respaldo dentro da cena do hip hop, não poderia chegar de outro modo. O Mc Ed Sabótico lançou o single Respaldo como segundo lançamento de sua lavra, na força e na resistência, contando com a produção UGangue. Mas um maestro das ruas de Salvador que busca ser escutado e luta dia a dia por seu espaço.

Beirando o Teto –  Overfluxo

Música sacana e rebelde, com muita irônia para todos, uma espécie de punk do rap, pois não abre mão de sua incompreensão, não estando preocupado com o entendimento. Amor à linguagem, pitadas de surrealismo, humor na medida certa. Contestação do senso comum do rap e da música em geral, boombap de trincheira.

Esse tipo de underground é maravilhoso pela sua iconoclastia que se dá no próprio estilo e na sintaxe mesma, numa busca pela cadência perfeita, como poetas herméticos. Em linhas que mandam ideias truncadas de resistência mas não abre mão da zoeira clássica de rodas de improviso, gastação: “coçando o furiquinho e fumando um beck.” Beirando o teto da linguagem numa conquista suada de estar a frente e aquém do famoso rap de mensagem, por um lado. E por outro, se posicionando além da mera comunicação e em tempo onde podemos entender esses jogos de linguagem como a própria subversão.

“Fome da desgraça, sem os garfos, pedra no sapato.” São apenas linhas que seguem buscando todos os fluxos da consciência sem cortes, impedindo a mera fruição divertida. Mentes doentias e saudáveis é o que precisamos nessas linhas loucas. Sabedoria zen-budista e ensinamentos non sense, oriental e firme.

Educonceito & Alien16 – Sustentabilidade

Mr. Smith nos ensinou que nós humanos somos muito mais próximos de bactérias do que de mamíferos, ao que o crente Morpheu não aceitou. É mais ou menos nessa perspectiva que a dupla da Capelinha de São Caetano Educonceito e Aliem MFV trabalha na track recentemente lançada, Sustentabilidade.

Nós seres humanos – nem sempre humanos – por conta de nossa ganância e pelos altos índices de consumo que o capitalismo produz artificialmente, estamos aos poucos destruindo a possibilidade de vida na terra. É claro, encontramos subterfúgios pra continuar nossa matança, seja em nossas atitudes alienadas no cotidiano. Seja no não reconhecimento de que nós somos também natureza e que não podemos destruir onde habitamos.

Essa track é um chamamento para que nós caiamos na real para a necessidade de produzirmos um mundo outro, com a chave da sustentabilidade. A possibilidade de entendimento do nosso planeta como um organismo vivo onde todas as partes se comunicam, para que a vida possa estar de fato saudável.

Educonceito com a participação de Aliem16, produzem um som que mostra o quanto o rap é capaz de pensar os mais diversos problemas enfrentados em nossa sociedade. Esperamos agora os próximos trabalhos dos caras.

Oddish – Luzes Nas Alamedas

Capacidade verbal conjugada a um flow nacionalmente conhecido, sem ilusões de mundos melhores. Oddish parece viver e rimar apenas para demonstrar com suas palavras o quanto nos enganamos com sonhos de uma vida melhor. Suas luzes vão fundo na alma humana em busca de explorar aqueles cantos sujos e podres que em geral não conseguimos encarar. Sentado dentro deste apartamento sujo, calmamente o rapper dá um trago na sua Quilmes e sorri ironicamente para todos esses demônios. Sinal claro de auto reconhecimento, um demônio entre outros.

Um ano após o lançamento do excelente: Ponteiros Voam como Jatos e uma semana antes do lançamento do trabalho do seu coletivo F.M.E. O mano soltou essa pedrada que apenas vem confirmar as impressões deixadas em seus trabalhos anteriores e na sua caminhada. Um mc que se formou nas batalhas e que parece estar agora num combate com os seus – nossos – próprios demônios.

Não é o tipo de rapper que agrade sensibilidades bom mocistas, é o tipo de artista que busca de verdade produzir linhas de rimas verdadeiramente originais. Um nome pouco badalado nas rodas de conversas e postagens de facebook. Mas que estar na casa da colina amolando novas ideias e rimas capazes de retalhar as mentes invejosas. Nessas alamedas só os fortes sobrevivem.

N’Ativa – Quero Cash

https://www.youtube.com/watch?v=AGk76zCbObU

Sim, todos querem dinheiro afinal é condição para vivermos com o mínimo de dignidade dentro de uma sociedade capitalista. A questão é como se quer o dinheiro, o que se é capaz de fazer para consegui-lo. Talvez seja essa uma das questões de toque que todo artista deve se colocar. Sabendo que sua arte deve ser comercializada, ou seja, se tornar um produto, como fazer para não se reduzir meramente a uma mercadoria descartável.

Se tomarmos o single lançado recentemente pelo clã N’Ativa o caminho é  crescer com as experiência, se apegar aos princípios e exigir reconhecimento mesmo que seja na marra. O grupo formado por Jeferson Devon, Tyro, Dactes, Jeff e Sico, que já possuem um disco lançado, deixam claro que já tem um tempo de estrada e querem sim dinheiro.

No entanto, o refrão, Quero Cash, é muito mais uma deixa para que os rappers afirmem sua caminhada na cena. O quanto de trabalho foi necessário para chegar onde estão, e o reconhecimento da qualidade dos mesmos. Artista independente sofre, sabemos, e muitas vezes muitos sentem a angustia e a dificuldade de produzir e ao mesmo tempo ter que fazer outros trabalhos para se manter.

Porém se depender dos caras do N’Ativa, a batalha segue e o único caminho possível será a vitória. Vai vendo.

Malaô – O que se passa

https://www.youtube.com/watch?v=rteIstg7G5g

Soubemos recentemente que a dupla Malaô formada por 16 Beats e Yago Malaô, está preparando seu disco, mas enquanto esse não ganha a luz das ruas, os caras soltaram a track O que se passa. Onde as posturas meramente hedonistas que por vezes aparecem no rap são questionadas de uma forma contundente. Deixando claro que eu seu trabalho a dupla privilegia os assuntos mais urgentes do dia a dia periférico, a saber, a violência que nos assola cotidianamente. Violência policial ou do tráfico, a falta de oportunidades e mesmo essa dominação ideológica que retira do rap a violência poética a favor da mera curtição.

O Malaô busca nos antepassados guerreiros a inspiração para continuar denunciando as nossas opressões. E ao mesmo tempo projetando para as futuras gerações palavras que lhes retirem do caminho do crime em favor de uma mudança real em suas vidas. E seria outra a inspiração vinda dos grandes nomes ancestrais? Obviamente não, e desse jeito a dupla segue numa naquilo que se colocaram como missão. Com flow forte e as ideias batendo tudo, sob um bumbo ritmando certo e colocado em segundo plano em favor do conteúdo rimado.

Só nos resta agora esperar a chegada de sua estreia em disco para podermos apreciar mais um punhado de outros raps fortemente conscientes.

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