Conheça cinco artistas “malditos” da música brasileira nesse top 5 feito especialmente para quem gosta de descobrir pérolas esquecidas.
A indústria musical é o que de verdadeiramente maldito exista para a arte musical, tendo se desenvolvido em veios do capitalismo durante todo o século XX. E ainda hoje milhões de pessoas acreditam piamente que o sucesso de público e crítica é necessariamente fruto de um talento que vence a concorrência, quando investimento (dinheiro injetado para produção e divulgação), jabá pago a canais de divulgação, antes rádio e televisão, hoje plataformas de streaming e redes sociais. Enfim, o talento nunca foi e ainda não é a receita do sucesso.
Aos nomes que não alcançaram esse tipo de sucesso, o jornalismo musical chamou-os de malditos, como se houvesse neles algo que os levou a merecer uma maldição. Termo que hoje é discutido, mas que de certo modo guarda ainda um fundo verdadeiro. Afinal, a industria cultural muitas vezes utiliza-se do racismo, da homofobia, do machismo, de posturas caretas e da construção de uma imagem “heróica”, de pessoas “de bem”, logo “benditas”. Ou seja, dentro da industria cultural supremacista branca e da disputa de mercado, de visibilidade e audiência, de vendas astronômicas, há os abençoados e os amaldiçoados.
A esse segnudo escalão penso que se assemelham aos vampiros, que não conseguem se ver no espelho. São bonitos, sedutores, fortes, talentosos mas não são capazes de ver sua imagem refletida. Amaldiçoados por seus poderes e pela vida eterna, resta-lhes viver escondidos em suas tumbas, passeando apenas sob a luz da lua, pois não lhes é dado o privilegio de viver sob a luz solar. É esta a vossa maldição, apesar de toda sua beleza, força e poder de sedução, vivem nos instertícios entre o sucesso e o fracasso a espreita do sangue de suas vítimas para que permaneçam existindo, durando escondidos nas sombras, mais ainda assim sem o prazer de encontrar no espelho do mainstream, a sua imagem.
A vida e o mercado fonográfico, assim como o cenário musical de todas as épocas, possuem os seus vampiros. Talvez agora mesmo alguns estejam nascendo, certamente muitos estão trabalhando. Eles estão logo ali, não dentro de castelos suntuosos, muitas vezes são seus amigos, muitas vezes estão em shows de graça, ou quebrada em que você mora. Alguns os chamam de fracassados, “undergrounds”, e eles realmente são. Não porque escolheram esse destino, afinal todos nasceram e trabalharam para que o brilho do sol lhes alcançasse.
Porém, essa maldição que muitos deles buscaram se dá por não se render às fórmulas fáceis, que lhes possibilite alcançar o público alienado dos fatores que constituem o mercado. Ou pela simples falta de capital que impulsione os seus “méritos” artísticos. O que não pode ser confundido meramente com a busca por mega sucessos e sim com a busca de reconhecimento digno para o seu trabalho, pelo menos para ter um público que garanta a continuidade de sua arte.
Aqui no Oganpazan, não somos caçadores de vampiros, somos seus admiradores e na medida do possível nos oferecemos tranquilamente em sacrifício afim de ver-lhes sobreviver. O que é uma breve sorvida em nossa jugular para esses seres que buscaram com afinco e conseguiram produzir obras geniais? Mesmo que por mil motivos diferentes eles não tenham conseguido encontrar sua imagem refletida no espelho de uma multidão – pequena que seja, quantitativamente falando.
Com o fortalecimento da internet um dos maiores efeitos para os admiradores da música foi ter contato com pérolas de extrema raridade. Ao sabor de um click, aqueles que pesquisam com constância podem localizar bandas e artistas de praticamente todos os países do globo terrestre e ter acesso a suas obras. O que antes era privilégio de um pequeno grupo de colecionadores, passou – graças à generosidade deles – a ser encontrado em diversos programas de compartilhamento 2p2, torrents, ou em sites de hospedagem. Discos raros de músicos consagrados, artistas e bandas obscuras passaram a fazer parte da formação sentimental de muitos.
SEparamos aqui 5 discos de “malditos da música brasileira”, recolhendo alguns discos de artistas que mesmo com todas essas facilidades tecnológicas ainda penam nas sombras para encontrar ouvidos dispostos a descobrir toda a potência e originalidade de sua arte. Esperamos que apreciem, essa breve coleção vampiresca, e ofereçam também vossas jugulares em oferenda. Lembrando que os discos não estão colocados em ordem de importância.
1. Tuca – Drácula, I Love You (1974)
A ideia do atual top 5 surgiu quando recentemente tomei conhecimento deste disco. Tuca me deixou completamente inebriado e fez com que eu relembrasse vários outros artistas que me causaram a mesma impressão ao descobrir seus discos e pouco reconhecidas carreiras.
Esse é seu terceiro álbum de carreira, gravado na França depois de ter trabalhado com a francesa Françoise Hardy. Drácula, I Love You é uma obra prima da nossa música sobre todos os aspectos.
Músicas com arranjos muito bem orquestrados, letras carregadas de sensualidade e erotismo, ostentando também melodias fortes. Ao longo do disco somos apresentados a estranha mistura de ritmos como o rock e o samba, além de muito experimentalismo.
É possível estabelecer diversos paralelos entre o Drácula, I Love You e outras obras. Como o tema do lesbianismo que antecipa em pelo menos cinco anos o trabalho de Ângela Rô Rô. Ou mesmo a melancolia que perpassa todo disco e que lembra Sérgio Sampaio. Mas a verdade, é que Tuca nunca recebeu o devido reconhecimento por seu trabalho.
Descubra essa maravilha aqui:
2. Cátia de França – 20 Palavras Girando ao Redor do Sol (1979)
Compositora de mão cheia, cantora competente de voz expressiva, violeira, poeta. Cátia de França possui uma obra que merece muita atenção das novas gerações e da velha guarda, que não esteve devidamente atenta.
Com forte apelo poético em suas canções, um instrumental inventivo, cruzando certo acento pop rock com as referências nordestinas da autora e dos participantes, seu disco de estreia figura como um dos mais importantes daquela geração que ficou conhecida como a Turma do Nordeste.
Digno de nota também é a veia de sucessos que esse disco conseguiu emplacar, seja entre as músicas do disco (Coito das Araras, 20 Palavras Girando ao Redor do Sol), seja em regravações posteriores (Kukukaia). Essa paraibana incrível ainda hoje radicada no estado do Rio de Janeiro, permanece lançando discos e fazendo shows Brasil afora, porém sem o devido reconhecimento.
Com produção de Zé Ramalho, esse disco contou com um gama incrível de excelentes músicos: Sivuca e Dominguinhos (sanfonas), Lulu Santos (guitarras), Zé Ramalho (violas), Bezerra da Silva (berimbaus), Chico Batera (percussão), Amelinha e Elba Ramalho (vocais de apoio), entre outros.
Nos últimos anos, essa grande musicista, cantora e compositora foi sendo aos poucos redescoberta e lançou em 2016 o disco Hóspede da Natureza com o qual participou de alguns festivais e fez shows pelo país. Uma das grandes da nossa música.
3. Miguel de Deus – Black Soul Brother (1977)
Baiano de Ilhéus, Miguel de Deus participou de duas bandas importantes: Os Brazões e o grupo Assim Assado.
Após esses dois registros (um em cada banda) produziu um dos discos mais singulares da nossa música, vinculando-se ao movimento black que aportou por aqui na segunda metade da década de 1970.
Muita doideira, gritos, risadas, e uma funkeira de primeira. Banda extremamente afiada na produção de grooves e andamentos tortos, com vocais que parecem cair propositalmente fora da música para serem resgatados pelas excelentes backing vocals.
Ouvir Black Soul Brother é ter a consciência (corporal) que o disco é feito apenas e somente para dançar, com uma única exceção. Na última música do disco, a soul Fábrica de Papeis, o cantor demonstra que também é capaz de dar um espaço para a paquera, num registro chapado e ousado.
Arriscamos afirmar que este é o único exemplo de real funk psicodélico registrado em terras tupiniquins. Mr. Funkenstein veio dar um rolê por terras brasileiras.
Se duvida ouça abaixo:
4. Di Melo – Di Melo (1975)
Este é um dos vampiros que pouco a pouco tem sido reconhecido, mesmo que por um público ainda restrito.
Pernambucano retado, se radicou em São Paulo e por lá conseguiu lançar essa pérola em 1975, contando com ninguém menos que Hermeto Pascoal e Heraldo do Monte entre os arranjadores. Di Melo foi redescoberto por DJ’s gringos e de lá pra cá conseguiu pouco a pouco reativar sua carreira.
O disco explode em grooves excelentes e com uma pegada soul impressionante (Kilariô, A Vida Em Seus Metodos Diz Calma, Aceito Tudo, Pernalonga, Minha Estrela, Se O Mundo Acabasse em Mel) mas não se reduz a isso – o que já não é pouco.
A bela Sementes é um autêntico tango, e demonstra a versatilidade maravilhosa deste grande da nossa música. Alma Gêmea nos presenteia com lindas imagens poéticas para narrar a solidão e um caso de amor que ainda não se concretizou: “Sinto o verdadeiro eco do deserto / sou fantasma errante não consigo parar / rumo a ideais ou novos horizontes / mas certo de você desejo lhe encontrar: minha alma gêmea”.
Tudo isso acompanhado de excelente acompanhamento e arranjos. Sambinha acompanhado de excelente órgão, João, é outro excelente exemplo da diversidade deste disco. Assim como Indecisão, uma reminiscência nordestina deliciosa e que de certa forma define um pouco a trajetória do artista: “Tem gente que nasce pra ter e tem gente que vem pra cantar”.
Um disco grandioso, diverso e capaz de emular sentimentos amorosos, crítica de costumes e sociais, influências musicais díspares e tudo com um senso de unidade maravilhoso. Aqui na nossa vitrola Di Melo é rei, e ficamos felizes que atualmente esse grande mestre retomou sua carreira com gravações inclusive tendo sido anunciadas aqui no Oganpazan.
5. Ricardo Bezerra Maraponga (1978)
Outro disco tardio de um obscuro integrante da Turma do Nordeste, Maraponga do Ricardo Bezerra mescla temas instrumentais originais de uma beleza ímpar. Algumas das canções do álbum já haviam sido gravadas por Fagner em começo de carreira.
O disco recebe os arranjos do mestre Hermeto Pascoal, mas também participam outras feras enormes da nossa música: Fagner, Amelinha, Robertinho do Recife, Nivaldo Ornelas, Jacques Morelembaum, Mauro Senise, Sivuca, entre outros, tá bom pra você?
Pois é, Maraponga é de uma excelência artista poucas vezes vista. O disco possui uma unidade de timbres e de climas muito bem construída. As músicas passam e vão se colando uma a uma quase como um se tivesse sido concebido conceitualmente.
O título do registro vem do nome de seu sítio e é esse exatamente o clima que podemos sentir escutando todos esses talentos reunidos. Agregando valor e qualidade a essa obra intimista que nos apresenta um compositor importante da nossa música, mas que infelizmente não deu continuidade em sua carreira artística, vindo a gravar outro disco de músicas instrumentais em 2003.
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Por Danilo Cruz