“Tertúlia” de Galf AC & DJ EB, lírico e rítmico, a música e a poesia Rap – Entrevista!

Com muitas participações, Tertúlia de Galf AC & DJ EB é um disco raiz do rap nacional com uma roupagem atual e consistente!

Tertúlia, Galf AC & DJ EB
Tértúlia sendo cozinhada!

Um dos grandes discos do ano até aqui, “Tertúlia” contém 11 músicas e diversas participações de nomes como Rodrigo Ogi, Ravi Lobo, Hiran, Caio Neri (Elo da Corrente), Russo Passapusso, Killa Bi e Bianca Hoffmann, fechando assim 5 faixas com feats e 6 apenas da dupla Galf AC & DJ EB. 

A linha sonora e lírica é a do Boombap com toques de Rap Jazz e beats mais Chillin, onde o MC baiano e o produtor paulista se unem dosando o que cada um deles tem de mais singular. Após 13 álbuns e alguns EP’s, singles e audiovisuais lançados nos últimos anos, Galf AC mantém sua linha poética e ideológica, já conhecida, porém segue se diferenciando ao repetir temas que lhe são caros e muito disso se deve a busca por novos produtores e novos projetos. 

-Leia no site matérias e resenhas sobre os trabalhos de Ravi Lobo 

Desta vez, com o DJ EB, DJ e produtor que possui um EP lançado em 2022 “Resgate” com diversos nomes importantes da cena underground e um disco na linha do Rap Jazz, “Tons”, que foi lançado no ano passado. Galf AC encontrou sonoridades e modos de produção diversos que resultaram nesse “Tertúlia”, onde o MC da Belamita exercitou além das suas já famosas linhas intrincadas por imagens poéticas muito bem construídas, flow agressivo, linhas mais melódicas.

Importante chamar atenção para o título do disco, “Tertúlia” que revela uma intenção que ao nosso ver se realizou muito bem. No dicionário são dois os sentidos da palavra tertúlia, “ajuntamento de amigos ou parente” e “palestra literária”. Ora, além de enriquecer o nosso vocabulário, é interessante notar como o disco conseguiu realizar muito bem os dois sentidos do conceito. Algo que fica muito bem ilustrado na faixa que conta com a participação de Russo: “Pacto de Som é Pacto de Sangue”. 

-Leia no site a entrevista e as resenhas que publicamos sobre os discos e EP’s de Galf AC

Em um cenário onde colaborações artísticas muitas vezes não são mais do que negócios, é interessante receber essa outra perspectiva. “Tertúlia” respira a essência da música Rap, nos samples utilizados, nos riscos do DJ EB, nas participações e obviamente na poesia de Galf AC. Conversamos com os caras para saber mais um pouco como foi construído esse trabalho e vocês conferem abaixo a entrevista!

Tertúlia Galf Ac & DJ EB
Capa por Sófia Canario

Oganpazan – Salve meu irmão, Galfera! Meu mano, esse não é mais um disco é um disco a mais em sua obra, que vem se notabilizando nos últimos 3 anos. Gostaria que você contasse inicialmente como se deu o contato com o DJ EB e como ocorreu essa construção.

Galf AC – Salve Dan, então mano, o DJ EB chegou em mim pelas redes através dos trabalhos que eu já tinha lançado e me propôs de fazermos um trampo juntos. Inicialmente não tínhamos a ideia de fazer um disco, pelo menos não formalmente. Ele estava me mandando os beats e eu respondia mandando as guias, mas nesse processo na minha mente a ideia do disco começou a se formar, pelos instrumentais que foram me chegando. 

O DJ EB é um DJ e produtor, né? Tem muitas influências de Jazz, e ele inclui isso dentro dos instrumentais e cada vez que me chegavam beats eu ficava mais cativado de fazer uma obra diferente das que eu venho fazendo. Nesse processo, a gente começou a alinhar uma música com a outra e começamos a pensar na ideia de fazer um álbum para exaltar o Hip-Hop, o Rap, a música negra, o Jazz, expressando nossas ideias e nossos sentimentos. 

Eu me sinto muito feliz e realizado com Tertúlia porque a gente sabe a dificuldade que é realizar um trabalho de modo independente, todos os obstáculos que existem para conseguir materializar uma obra que eu considero sublime nesse caso. Porque eu consegui expressar tudo que eu acredito e tudo que eu sinto. Com DJ EB sempre do meu lado, me dando o suporte necessário, para que a gente conseguisse realizar tudo com mais leveza. 

Oganpazan – EB meu mano, gostaria que você nos contasse como você conheceu o trabalho de Galf AC e como surgiu a ideia do disco? 

DJ EB – Mano, eu conheci o Galf em 2022 que ele lançou uma porrada de trampo e como eu chapo no som do Dr. Drumah me chamou atenção o EP que eles lançaram e na sequência ele veio com um EP com o Goribeatzz que é outro beatmaker que eu sigo e gosto muito e a gente se conectou na internet mano. Começamos a trocar ideia, e eu tinha uma leva grande de beats porque na pandemia eu lancei um EP e sobraram muitos beat, e aí eu mandei um pra ele e duas horas depois ele me devolveu a guia, que foi “Golpes do Destino”, faixa que abre o disco. 

Nesse mesmo dia, eu mandei mais uns 7 beats para ele e em três dias ele já tinha escrito todas as letras, e eu pensei que porra é essa? hahahahaha Isso era fim de 2022 e eu já chamei ele pra gravar aqui em casa, e ele colou no carnaval de 2023 e gravamos as 10 músicas. Nessa, a gente começou a bolar um segundo disco, eu tinha acabado de pegar a SP 303 e eu comecei a produzir e mandar beats pra ele, e ele iria voltar para SP no fim do ano de 2023. Quando ele chegou já tinha mais 10 músicas para esse segundo disco, gravamos e quando fomos escutar, vimos que algumas da primeira leva está mais pra traz e aí decidimos selecionar entre essas 20 músicas as mais mais para entrar no disco. 

Oganpazan – Esse é o seu disco com mais feats né? Como você selecionou esse time tão diverso de artistas? 

Galf AC – Realmente, de todos os trabalhos que já lancei esse disco é o que tem mais participações, e eu e o DJ EB já tínhamos tudo pronto, a perspectiva do trabalho, o título do disco, e aí buscamos reunir pessoas que nós realmente admiramos o trabalho. Conseguimos entrar em contato com todo mundo, o que foi um processo que demandou tempo, para que a gente fosse construindo com cada um, dialogando, mas que no final trouxe um resultado muito gratificante para o disco. 

Cada um que está ali participando, lançando sua fagulha, seus versos e ideias dentro das nossas colaborações, fez uma colaboração singular e verdadeira, o que trouxe um resultado bastante natural. E isso pra mim foi uma experiência nova, por que durante um tempo, não é que eu tenha evitado participações, mas eu tinha muitas decepções nesses processos, porque nós dependemos do outro, e por vezes dedicamos tempo e a amor e às vezes não há um retorno, o que me levou a fechar na minha mente esse espaço de colaborações.

Eu tô buscando fluidez nos meu trabalhos, e por muito tempo venho trabalhando com produtores e poucas participações para que essa fluidez aconteça. E em Tertúlia isso ocorreu e foi maravilhoso ter todos esses artistas presentes, cada um deles teve um papel muito especial e realmente todos eles me surpreenderam dentro das propostas que foram oferecidas.  

Tertúlia Galf AC & DJ EBOganpazan – Ainda sobre as participações, temos artistas de esferas e até temáticas bastante diversas. Como se deu o “ajuste lírico” para que não se perdesse uma certa coesão que Tertúlia – já traz no próprio nome?

Galf AC – Cada um dos artistas que nós convidamos teve a sua liberdade para se expressar como melhor lhes fosse. Eu enviei as tracks já com a minha parte e com o título da música, e cada chegou com colaborações firmes dentro do proposto. E eu fiquei bem contente né? porque todos responderam bem ao convite e positivamente à proposta, gostando do que estavam ouvindo e também não era nada que estava longe do conceito de cada um deles e delas. 

Até porque eu e DJ EB, a gente conversou bastante e pensamos em pessoas que cabiam dentro do projeto e os convites foram certeiros, a gente enviava as músicas e cada um vinha com uma devolutiva muito boa, e aconteceu. Todos fizeram suas participações com bastante sagacidade e enriquecendo o trabalho com líricas e perspectivas locais e de abordagens diversas. O que pra mim foi bastante satisfatório como trabalho coletivo e objetivos comuns. Foi uma experiência excelente e é isso, Tertúlia é a abertura de um novo ciclo dentro da minha arte nesse 2025. 

Oganpazan – Não que em algum momento acabou, mas nos últimos anos temos visto um aumento de discos produzidos por DJ e que trazem esse essencial elemento da cultura mais e mais. Como você enxerga esse momento do rap Nacional na área do Boombap under?

DJ EB – Eu vejo que nos últimos tempos houve um movimento forte de exaltação do boombap, não que não existisse antes, mas acredito que há uma resposta desses atores do underground ao que a cena se tornou, inclusive com o drumless que chegou com bastante força nos últimos anos. Após o boom da Trap ali em 2014 2015 eu sinto que a parada meio que saturou e é natural que as pessoas tentem buscar as raízes e é penso que é algo cíclico tanto na gringa quanto aqui. 

Eu ainda sinto falta de mais DJ’s, mais riscos, mais scratchs, mas já temos mais DJ’s assinando discos, e isso é uma parada foda de ver os produtores e os DJ’s como artistas que são, na linha de frente e isso é uma coisa que o Underground tem resgatado e só fortalece a cena e a cultura Hip-Hop. 

Porque no Trap o DJ é meio esquecido, o produtor ainda tem bastante valor mas o DJ vinha sumindo. Você vai no show de um artista do Trap que é meio que unanimidade e o DJ tá no backstage. E é muito foda essa cena do under atual com muito gente produzindo muito bem, como o Barba Negra, o Sono TWS junto com o Puma PJL que trouxeram uma molecada mais nova para ouvir boombap, porque uma coisa puxa a outra né? Murica com o Puro Suco, Goribeatzz lançou mixtapes, Galf lançou muita coisa, tem a Sujoground também lançando muita gente. 

Acho que estamos no caminho, ainda falta muito para que consigamos mais do que sobreviver, viver de música underground como na gringa, onde existe uma cena e os artistas conseguem viver da sua música. 

-Leia no site as matérias que fizemos sobre os trabalhos do Barba Negra

Oganpazan – Galf, seria uma confusão minha afirmar que nos últimos anos seus discos trazem de forma diferente, a repetição de duas temáticas? Eu sinto que você está sempre na corda bamba entre a busca por equilíbrio mas ao mesmo tempo mantendo a chama da luta política. Por favor, se eu não tiver viajando, me explica melhor esse binômio estético e lírico  que me parece é muito seu…

Galf AC – É Dan, aí você me pegou, porque eu não costumo analisar muito essas minhas expressões, elas surgem da minha mente e das minhas vivências como manifestos diante dessa desigualdade e das mazelas que vivemos em nosso país. Além de ser uma válvula de escape para mim, e algo que soluciona bem os meus problemas mentais, porque expressar a minha arte e ver que existem pessoas que sentem e pensam como eu, é gratificante. 

Eu penso que essa impressão que você tem é um pouco a história de muitas pessoas né? No mundo em que vivemos hoje, muitas pessoas perdem o equilíbrio e a sanidade diante das situações adversas do cotidiano, das opressões que tem assediado constantemente muitos de nós, homens negros. E sim, eu penso que esse tema se repete exatamente por isso, por eu ver que muitas vezes as pessoas não questionam os ataques covardes que o sistema faz e perdem o rumo, vivendo vidas muitas vezes deploráveis. 

Por isso fico sim, dentro desse espiral até que obtenha melhores resultados, não resultados individuais, porque essa mudança eu já alcancei, essas expressões partem do meu próprio ser e é isso que me faz demandar para outras pessoas, potencializando elas dentro dessa questão. É aquela história né? A gente tem que por vida nas coisas. Porque eu penso que é isso, é preciso senso e equilíbrio para viver, pois ainda que a gente tome decisões erradas – sem cagar regra do que é certo ou errado – a gente precisa ter consciência do que estamos fazendo. 

E eu sigo batendo nessa tecla, sempre desejando o melhor pro meu povo, para a periferia, e tudo parte daí, do equilíbrio, da sabedoria, da sanidade, para que sejamos capazes de nos desviar de tudo que o sistema nos empurra, para melhor nos aprisionar, nos oprimir, através do álcool, da cocaína e do crack. E nesse ponto, eu penso que é preciso propor soluções, não apenas falar dos problemas, e eu vejo que equilíbrio, paciência e disciplina são caminhos para potencializar o outro.  

Oganpazan – Como se deu a construção musical de Tertúlia, a construção de samples. Notamos que tem muita referência ao rap baiano e traz referências à música nordestina e brasileira, né? Conta pra gente…

DJ EB – Cara, a concepção musical do Tertúlia foram em três levas de beats, como eu disse a gente se conheceu no final de 22 e eu comecei a procurar beats na pegada que ele vinha fazendo, com os beats que eu tinha produzido em 20/21, uma coisa mais “Griselda”, Rap Jazz, drumless, mas fugindo também de coisas pesadonas e mais chillin porque ele também cria umas melodias. 

Aí na sequência em 23 eu comprei a SP 303 na mão do Pitzan do Elo da Corrente, e entrei na pira de ir produzindo e descobrindo a máquina e nessa eu estava ouvindo muito de música brasileira da minha coleção e nessa leva foram mais 4 beats que entraram para o Tertúlia. E os últimos dois beats que eu fiz na SP 404 MK2 que eu comprei também em 23. 

Eu dei muita sorte, porque parece que tem coisas que são para ser. Tem três beats que são os que eu mais gosto, que eu tirei os samples da minha coleção, porque tem muitos discos que a gente compra porque tem aquela música que a gente vai tocar no baile, e nessa eu tinha dois compactos que eu toco muito e estava escutando e pensei, deixa eu virar o lado aqui porque, putz nem lembrava quais eram as músicas do lado B, e quando eu botei pra tocar, putz era isso. E foram as músicas com o Russo Passapusso e a música com Ravi. 

Eu era um pouco leigo com relação ao Rap Baiano, e conheci bastante coisa trocando ideia com o Galf e nesse processo das participações chamamos o Ravi e foi uma honra ter um faixa nomeada como UGangue que é uma coletivo histórico pro rap baiano. E nesse processo eu busquei a partir das indicações de Galf fazer as colagens, as frases só com rap baiano para essa música.    

Oganpazan – Como se deu a construção musical de Tertúlia, a construção de samples. Notamos que tem muita referência ao rap baiano e traz referências à música nordestina e brasileira, né? Conta pra gente…

DJ EB – Cara, quando ouvimos o resultado final, quando pegamos a master, foi uma mistura de sentimentos de alívio e felicidade porque foram dois anos para fazer esse trabalho. Tudo bem que pensamos em lançar dois e depois decidimos juntar tudo, mas começamos a produzir em 22 e ouvindo as masters no fim do ano passado foi uma sensação bem louca. E nesse processo entrou a gravadora a Yala Records do meu parceiro André Drum, aí vimos que o disco poderia tomar outras proporções, então demos um passo pra trás e freamos a correria. 

Eu e o Galf estamos buscando elaborar um disco com início, meio e fim, com nuances, com uma estrutura que o ouvinte possa viajar ali nos 30 minutos do disco. Misturando as vibes pelo fato de Galf ser de Salvador, uma Babilônia que tem praia, e a minha São Paulo mais caótica. Ainda não sabemos se vai ter vinil, e nesse pós é isso, estamos buscando fazer o show de lançamento, já temos 3 clipes lançados, mas tem mais um pra sair depois, e é isso seguir divulgando. E eu e o Galf não paramos de trampar, dando um spoilerzinho já temos umas 4 músicas prontas, mas por enquanto vamos viver o Tertúlia. 

-“Tertúlia” de Galf AC & DJ EB, lírico e rítmico, a música e a poesia Rap – Entrevista! 

Por Danilo Cruz 

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