Com trabalhos do sudeste, do sul e do nordeste, selecionamos grandes trampos de Jazz Rap feitos aqui no Brasil e que você vai adorar descobrir!
Para quem quer ir além da superfície do que foi e do que é produzido no rap nacional, o único caminho é a pesquisa, e diga-se de passagem, este é um caminho árduo. Apesar de termos muitos livros, dissertações de mestrado e teses sobre o rap feito em nosso país, não possuímos trabalhos de fôlego que traçam panoramas amplos das produções feitas ao longo do nosso “continental país”. Ou seja, não possuímos uma história fonográfica do rap feito no Brasil, principalmente se considerarmos o período onde as expressões mais underground em termos de estética e produções foram feitas.
Temos sim, alguns esforços de registros pontuais sobre alguns artistas e algumas cenas locais, trabalhos biográficos, porém no que tange ao período que vai do começo dos anos 2000 até por volta de 2013, toda uma série de artistas, grupos e discos vem sendo esquecidos.
Hoje, podemos encontrar muita coisa na internet, porém só se a intenção na pesquisa estiver informada por nomes que grande parte do público desconhece. Se você não possui essas informações previamente, fica muito difícil encontrar porque simplesmente não se sabe o que procurar. O que leva grande parte do público a rodar dentro do que apenas os algoritmos nos sugerem, pagos ou não. Sendo assim, nesse texto pessoas fundamentais da cultura hip-hop nacional me auxiliaram me indicando nomes, foram eles Gil Souza e Jair Cortecertu (Bocada Forte) e o mestrão presente aqui também como artista: Jorge Dubman aka Dr. Drumah.
Apesar de existirem ainda hoje, atualmente às produções mais desafiadoras que propõem outras sonoridades no rap vem a cada dia diminuindo e sobretudo estão cada vez mais longe do mainstream e do público. Porém, a história do Jazz Rap nacional é bastante rica e possui muitos grandes artistas com obras “canônicas” e ao mesmo tempo desconhecidas mesmo daqueles que certamente gostariam de conhecer.
O critério para essa seleção partiu da noção de trabalhos onde toda a estética é permeada pelo Jazz Rap, não apenas a utilização de timbres e samples que bebem no jazz. Neste sentido, fizemos uma seleta “conservadora”, buscando trampos mais desconhecidos e que perpassam minimamente algumas regiões do país! Para que dessa forma, tenhamos de fato uma seleção do Jazz Rap Nacional.
2LaduJazz – Desarticulando a Mente Humana (2005)
Quando você pesquisa música, encontrar um registro como esse, uma obra neste nível lhe eleva te coloca em um lugar que rompe com o comum, certamente você é levado a uma percepção de que mentiram para você quando lhe falaram quais eram os melhores discos da história do rap nacional. E obviamente por uma questão de lógica você será levado a pensar que se esse registro estava lá te esperando, com toda certeza vários outros estarão também te esperando, sejam de antes ou de agora.
O grupo 2LaduJazz é formado pelo MC DK aka Elias Santos e pelo DJ e produtor DJ Dukontra aka Pedro Silva. É importante deixar registrado aqui que o DK possui uma infinidade de excelentes outros trabalhos e que o Pedro Silva infelizmente parou com a música. Dito isso, Desarticulando a Mente Humana é um álbum que pode ser facilmente colocado dentro da caixa: obra prima. O disco transborda conceito, musicalidade ímpar e inovadora e uma lírica ímpar.
Enquanto o DJ Dukontra produz bases com todo o seu conhecimento musical fruto de estudo e de uma família com sólida formação e participação no cenário musical, DK desenvolve um flow e uma lírica inaudita no rap nacional. Temos aqui um exemplar único do Jazz Rap com forte acento Gospel, porém longe de qualquer proselitismo, o cristianismo utilizado como base conceitual para o desenvolvimento das ideias poéticas de DK é insurgente.
Um trabalho pouco conhecido e que em breve receberá uma resenha mais aprofundada em nosso site, mas por ora vão ouvindo aí!
Primeira Audição – A Primeira Audição é a Que Fica (2006)
Muito foda perceber que um ano após o 2LaduJazz, sai o primeiro disco do Primeira Audição, grupo seminal quando se trata de falar sobre jazz rap nacional. Não sabemos de que modo o primeiro influi no segundo, mas para quem na época estava ligado deve ter sido um festejo. Em A Primeira Audição é a que Fica, temos um approach diferente onde os caras buscaram não apenas fazer jazz rap, mas em beber no nosso próprio jazz, bebendo na bossa nova e no nosso samba jazz como fonte musical primordial!
Um dreamteam formado por Gelleia, Mascote, Rato Fritz como MC’s e o grande Omig One e Calmão, DJ Soares como beatmakers, com o Omig também exercendo a arte do MC. Essa trupe é daquelas que adormece intensamente dentro da história do nosso rap, não estão sob os holofotes porém possuem grandes serviços prestados e o Primeira Audição é um desses totens! A habilidade dos MC’s que entortam bebopmente os flows e refletem sobre outras formas de vida possíveis dentro da urbe, se unem aos beats jazzy de pegada swingada brasileira com uma expertise absurda.
Politicamente e esteticamente a nossa primeira audição deste disco fica, se enraíza e transmite uma das vibes mais fodas do rap nacional. É um trampo que infelizmente como grande parte dos outros não é parte do léxico comum do público do rap nacional, porém nunca é tarde para absorver o que aqui é transmitido com excelência!
Ekundayo – Ekundayo (2011)
Este é um projeto fundamental para o rap nacional, seja pelos seus aspectos experimentais e ou jazzísticos, porém infelizmente não vemos esse disco ser citado comumente. Com os MC’s do Mamelo Sound System: Rodrigo Brandão e Lurdez da Luz, o disco conta com diversos nomes essenciais para o entendimento do jazz mundial como Naná Vasconcelos e Rob Mazurek, por exemplo. Temos também Maurício Takara e Guilherme Granado (do Hurtmold e do São Paulo Underground), os baixistas Stu Brooks e Melvin Gibbs, além do MC e beatmaker Mike Ladd.
Com este time é certamente impossível que não tivéssemos um registro único. As construções sonoras presentes neste álbum rompem com a mediocridade e próproem outras possibilidades que os MC’s exploram com uma técnica foda. Lembro então na época de lançamento ouvir as primeiras músicas em estado de choque, “Macumbeiro Então” já batia de frente com a intolerância religiosa crescente e cada vez mais intensa em nosso país. “$elva do Dinheiro” trazia um instrumental todo quebrado onde Rodrigo Brandão brincava com o flow. E a toada do disco é essa, experimentalismo jazzy em nível hard.
A organicidade do disco é um elemento a mais, “Family Thang” dialoga e nos lembra um pouco uma versão de “So What’Cha Want” com originalidade própria diante do clássico do Beastie Boys. Composto por 11 músicas, Ekundayo é certamente um dos trabalhos mais importantes para a história do rap nacional, segue 12 anos depois fresco e original como na época de seu lançamento. Além de ser certamente uma bíblia musical para todos que se propõem a produzir um som entre o orgânico e o digital com construções rítmicas e harmônicas que fujam dos clichês!
Dr. Drumah & Eduardo Santoz- Jazz In Kzah Vol. 01 (2013)
União de dois monstros sagrados da música feita na Bahia, o batera e beatmaker Dr. Drumah aka Jorge Dubman, um dos maiores pesquisadores de sons que temos pelas bandas da Roma Negra, junto ao seu brotha Eduardo Santos, beatmaker de mão cheia e cabeça antenada com tudo de mais louco que era feito no rap mundial e na música em geral. União periférica também, Castelo Branco (Dr. Drumah) e Cajazeiras (Eduardo Santos) os caras se conheceram pela instiga e pelo desenho de se aproximar de pessoas que curtissem o lado mais underground do rap.
Enquanto a mãe de Dubman trabalhava durante o dia, seu filho transformou a casa em QG para todos que gostavam de ouvir novidades sonoras, a turma do Colégio Central junto a Eduardo marcaram presença no quartel general todas as sextas feiras. Foi através dessas vivências que a parceria e a amizade se fortaleceu e o Jazz in Kzah Vol.01 começou a ser gestado. Os caras começaram a produzir por volta de 2003, 2004 e diante da falta de informação, utilizaram a pesquisa e a nascente internet no Brasil para se desenvolverem. Skate e a paixão pela música levaram esses dois produtores a se conhecer e querer saber como se produzia. As referências como se poderá denotar na audição do disco são A Tribe Called Quest, De La Soul, Sound Providers, Jazz Liberators, Madlib, J. Dilla, ou seja, a nata do que se fez nos anos 90 e começo dos anos 2000, no rap americano.
Com o grande Gelleia abrindo os trabalhos e anunciando na primeira faixa, o disco Jazz in Kzah Vol. 01 é um daqueles petardos que todo apreciador das imensas possibilidades do Jazz Rap deveria conhecer. São 12 instrumentais com 6 beats de cada, e de uma elegância e groove que só a Bahia e pesquisadores do nível desses caras é capaz de produzir, ouça sem moderação:
Zudizilla – JazzKilla (2019)
O Zudizilla além de ser um dos MC’s mais importantes da nossa história e em plena atividade também é um estudante e produtor da história da arte. É interessante notar como esse disco se insere na sua discografia de modo a deixar algo muito evidente: “Estamos diante de um monstro”. Porém, não custa lembrar que a banda Kiai também é um dos nomes mais relevantes do jazz nacional contemporâneo. E esse encontro, realmente é uma porta de entrada ambivalente, para quem gosta de jazz e para quem gosta de rap, ter a oportunidade de conhecer os dois trabalhos.
Em Jazzkilla a união do Kiai com o Zudizilla produziu uma sonoridade pouco vista no nosso jazz rap, acredito que inédita pela organicidade do trampo, o que dá para nós ouvintes outras matizes sonoras para nos atentarmos. A voz de Zudizilla no jazz rap casa como uma luva aveludada, com o seu timbre meio rouco e sedutor, a instrumentação segue de fato o que prega o jazz: invenção! Não necessariamente improvisando como um free-jazz ou um freestyle, mas a partir das bases rítmicas a madeira geme no piano, por exemplo.
Longe de requentar um repertório antigo, as músicas que fazem parte desse EP são dos discos LUZ (2013) e Faça a Coisa Certa (2016), Zudizilla recria a entrega, o flow, fazendo com que o ouvinte receba pratos quentes e feitos na hora. Os temperos desse banquete inebriam todos aqueles que amam as músicas clássicas pretas, o jazz e rap como uma outra possibilidade de ser na vida, sem mais:
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Por Danilo Cruz