Cordas de nylon, teclas pretas e o Brasil miscigenado de Egberto Gismonti

Egberto Gismonti é um nome fundamental do groove nacional. Sua música aponta o caminho como uma bússola que percorre a tradição do Brasil.

Entrevistar os grandes mestres da música brasileira é uma tarefa desafiadora, porém absolutamente enriquecedora e gratificante. É um desafio, pois carreiras longevas geralmente são estimuladas por uma vastidão de vivências, o que já evidencia o obstáculo de propor perguntas que façam com que o entrevistado não apenas as responda de bate pronto, sempre com objetivo de despertar a curiosidade e aguçar o pensamento e a reflexão.

É claro que isso exige um trabalho de pesquisa encorpado e que dê condições para o roteiro de perguntas construir um alicerce embasado o suficiente para que o conteúdo se desenvolva com um norte bem amarrado. Quando falamos sobre a carreira de nomes como Egberto Gismonti, por exemplo, é até difícil delimitar o assunto, tamanha a vasta gama de projetos que o multi instrumentista carioca já participou, seja como compositor, arranjador ou instrumentista.

Numa carreira de mais de 50 anos, é difícil pensar em algo que Egberto não tenha realizado. É complexo imaginar uma seleção de perguntas que ele jamais tenha respondido.

Escuto sua música há mais de 15 anos e confesso que durante boa parte desse tempo me peguei pensando: o que eu poderia perguntar para ele caso tivesse tamanha oportunidade? Confesso que quando ela surgiu, fiquei até nervoso, pois seus discos com o percussionista Naná Vasconcelos ou suas gravações junto com o baixista norte americano Charlie Haden e o saxofonista norueguês Jan Garbarek, por exemplo, foram algumas das coisas mais bonitas, únicas e impactantes que já passaram por meus fones de ouvido.

Citei esses exemplos, mas a lista de músicos que trabalharam com Egberto Gismonti – natural do município do Carmo, descendente de árabes e italianos, é imensa – e engloba desde o também percussionista Robertinho Silva até o violocelista americano Yo-Yo Ma.

Todos esses universos coexistem na música e na mente de Egberto. Ele não segrega seus vastos conhecimentos de música popular e erudita. Ele não se esqueceu do Brasil em nenhum momento de sua vida e ouví-lo falar é presenciar a voz da experiência e do conhecimento, com respostas pausadas, muitíssimo bem explanadas e que surgem com esmero e um respeito pelo som que mais parecem conselhos.

Show no Bourbon Street

Em função da pandemia, até o dia 18 de dezembro de 2022 eu estava há pouco mais de 3 anos sem assistir a uma performance do Egberto Gismonti. Graças ao Bourbon Street, essa espera chegou ao fim num disputadíssimo set de piano solo, cuidadosamente costurado pelo compositor. Passeando pelos diversos Brasis que habitam sua música, o público pôde acompanhar (estupefato), versões belíssimas de composições de Pixinguinha, Dorival Caymmi, Tia Amélia e outros baluartes que influenciaram a amplitude de sua visão musical.

Vê-lo tocando ao vivo, ainda mais nesse formato de piano solo, foi uma oportunidade de rara beleza. Suas mãos parecem flutuar e é muito interessante perceber as escolhas pessoais do artista, uma vez que o ouvinte esteja familiarizado com o repertório.

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Egberto Gismonti – Crédito: Jorge Rosenberg/Showfoto

O formato solo parece que desnuda o compositor e evidencia ainda mais suas referências, ideias e o jeito único com o qual cada músico articula o seu próprio repertório. Num instrumento completo e que possibilita uma variada paleta de possibilidades musicais, foi praticamente inebriante assistir Egberto percorrer os limites do piano.

Entrevistá-lo e conseguir ter a honra de captar suas percepções, além de escutar suas histórias foi um momento que jamais esquecerei. Foi a realização de um sonho e uma oportunidade de aprender direto da fonte, como um ícaro que almeja chegar o mais perto possível do sol sem se queimar.

Espero que um dia o Brasil respeite mais os seus artistas. Torço para isso, pois a força da nossa música e língua é repleta de potência, assim como as investidas criativas e a performance de piano solo que o Egberto apresentou ao seu público. Acho que nunca ouvi um som pianíssimo tão sereno e cirúrgico, tal qual o que ele extraiu de suas 88 teclas. As notas pareciam dançar no espaço, se aproveitando do silêncio digno e necessário para uma exibição acústica.

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Entrevista com Egberto Gismonti

1) Egberto, você foi um músico que influenciou bastante o formato de gravação solo, principalmente com o violão de 12 cordas. Em 1989 você lança o “Dança dos Escravos” que é um dos discos mais marcantes do catálogo ECM. O que você pode falar sobre essa concepção de ser o único instrumentista que está produzindo sons no disco, levando em consideração que o seu instrumento funciona como a orquestra?

Guilherme, antes de entrar na resposta direta da sua primeira pergunta, preciso antes dissecar um pouco o que você escreveu. Preciso falar do violão de 12 cordas, pois talvez não esteja muito claro para todo mundo que esse é um violão com uma história muito interessante. Eu toquei com muitos músicos pelo mundo afora e a cada período, por conveniência dos encontros que aconteciam de maneira aleatória, acabei me encontrando bastante com o Ralph Towner, guitarrista criador do conjunto Oregon e que gravou muito para a ECM Records também.

Num belo dia, por uma coincidência absoluta, achei que seria bacana se eu mandasse fazer um violão para o Ralph. Vale lembrar que ele tocava viola, sobretudo de 12 cordas e violão clássico. Com isso em mente, mandei fazer um violão de 12 cordas, com corda de nylon, para usar cordas duplas, então ele teria um violão que era um misto de viola pelas cordas duplas e violão.

Em Nova York, combinei com alguns amigos que nós tinhamos em comum – incluindo o Naná Vasconcelos e o Collin Wallcott, que era percussionista do Oregon – que eu levaria esse presente, mas pedi que ninguém comentasse nada com ele. Quando cheguei em Nova York, fui direto pra a casa do Naná e do Collin, que moravam no mesmo prédio do Ralph. Quando entrei no apartamento, percebi que eles não paravam de rir, mas fiquei sem entender nada, pois eles não me contaram. Depois de um tempo, ligaram para o Ralph e avisaram que eu ia subir e lá fui eu fui com o tal do violão. Mal sabia que o Naná e o Collin já tinham dito para o Ralph que eu estava levando um instrumento pra ele e que o Ralph também havia mandado fazer um instrumento pra mim.

Ele mandou fazer uma viola de 12 cordas, mas não são as 12 cordas do violão Folk, aquele violão de 12 que tem 6 cordas duplas. O que ele fez pra mim foi um instrumento de 4 cordas duplas e 4 cordas simples. Então, o meu instrumento de 12 cordas, foi um presente que eu ganhei do Ralph Towner, feito pelo luthier Adams Jr. Voltando para sua pergunta, esse violão de 12 cordas realmente é um violão que possui uma sonoridade extradiornária – tanto quanto os outros que eu já estava tocando na época – que também fugiam a regra, pois eram instrumentos de cordas de nylon.

Isso não aconteceu na época do “Dança dos Escravos“, me refiro ao início das minhas viagens para rodar o mundo e sobretudo para gravar com a ECM Records. Só pra localizar, as gravações com a ECM começam em 1977, mas na verdade a sua pergunta já carrega a resposta. Realmente, esses instrumentos que eu uso extrampolam a medida do violão e da viola tradicional, então de certa forma você já dá a resposta quando termina dizendo que o meu instrumento funciona como uma orquestra. 

Como você sabe, desde muito cedo estudei piano, por conta do meu pai, que sendo libanês, a vida inteira quis que o filho tocasse um instrumento aristocrático e o piano era um instrumento aristocrático, europeu, etc. Por outro lado, a minha mãe, que era de uma família de Catânia, na Itália, sempre dizia que “as partes do piano estão lindas, mas como ficam as serentas?” Ela queria que eu estudasse violão também por que ficava muito mais apropriado para tocar todas as canções italianas e valsas brasileiras também.

Essa mistura do que eu acabei me tornando como músico, artísta e compositor é sempre uma mistura de um pouco de tudo. É como se fosse um tempero que ganhou elementos que não são muito normais. Não é a coisa mais normal do mundo um instrumentista tocar de fato 2 instrumentos. Normalmente os músicos tocam 1 instrumento muito bem e em outros eles mexem com facilidade. O que acabei fazendo por conta dessa educação dos meus pais me fez estudar 2 instrumentos desde muito cedo.

O piano é um instrumento fácil de estudar, por que já está escrito. Toda a parte acadêmica de estudo para piano já está pronta há muitos séculos. É um dos instrumentos para o qual foram compostos o maior número de músicas e formas de tocar. Não é nada difícil achar cursos de piano. Violão, por outro lado, é um instrumento que ainda precisa ser muito desenvolvido para fugir daquele repertório tradicional que a imensa maioria dos estudantes começa a tocar e depois de alguns anos todos estão tocando mais ou menos o mesmo repertório.

No meu caso não aconteceu dessa forma por que eu comecei a aprender os 2 instrumentos com 5/6 anos de idade e quando você começa jovem assim, você não tem noção do que não se pode fazer, o que é lindo. Não tem coisa mais linda do que ver uma vida que apareceu e que tem absoluta liberdade de fazer, desejar e se transformar em tudo.

Quanto mais liberdade se tem, maior a possibilidade de correr riscos e uma parte deles às vezes dá certo. Eu acho que essa junção do meu pai e minha mãe desejarem coisas diferentes voltadas a música foi uma coisa importantíssima por que eu só convivi com isso a vida inteira. A família toda sabia tocar, cantar, ler e escrever música. Inclusive, tem uma coisa engraçada: lá no Carmo, onde eu nasci, muita gente dizia “Ah, aniversário na casa desse pessoal não dá pra brincar muito por que quando eles cantam “Parabéns”, parece até um coral treinado”.

Era todo mundo muito afinado. Minha mãe tinha 7 irmãs e 3 irmãos. Todo mundo sempre foi muito musical. Fiz esse leve desvio por que acho que preciso falar sobre tudo que está um pouco mais escondido, mesmo para quem gosta e conhece o que eu faço. Isso ajuda as pessoas a entenderem por que me transformei num músico que se envolve demais e que tem liberdade de mudar o que está fazendo o tempo todo. 

Eu venho dessa família, meu pai árabe e minha mãe italiana, mesmo quando chegaram no pós Primeira Guerra, o conceito era que um árabe, um libanês – que normalmente são muito machistas – não casaria nunca com uma italiana, sobretudo aquelas que eram “mamas”, que tomavam conta de tudo. No entanto, meu pai e minha mãe me deram uma grande lição desde o início que eu posso usar até um bom verso do Fernando Brant, dizendo que eles provaram que “toda forma de amar vale a pena”.

Aprendi com isso, vi que podia desejar coisas que parecem sonhos e descobri que eles se realizam às vezes.

2) Esse formato de piano solo que você levará ao palco do Bourbon Street é uma tradição e já foi utilizado por nomes como Keith Jarrett, Paul Bley e Monk, por exemplo. Na ECM, esse tipo de abordagem se tornou bastante popular e devido a concepção de gravação de Manfred Eicher e Jan Erik Kongshaug, os discos deram muito certo, pois conseguiam capturar muito bem a espacialidade das propostas e sua relação com o instrumento solo. O que tem atraído você a realizar mais apresentações de piano solo?

Por alguma razão, você recebeu mais informações sobre as coisas que eu faço nesse formato solo. Se eu pensar que possuo uma carreira que já completa 50 anos, fica difícil de achar que tenho mais interesse por piano solo do que por outras formações. Os últimos 10 anos, por exemplo, foram os anos mais ricos da minha vida quando eu falo sobre tocar com orquestras.

Não só orquestras grandes, que acabei assinando contratos de compositor residente. Como exemplo, posso citar a Orquestra Filarmônica de Tókio. Lá, sou compositor residente. Esse é o título que as pessoas contratadas para escrever peças recebem. Por conta disso, fiz diversos concertos com eles e também em função de escrever para outras orquestras, faço muitas turnês, principalmente na europa e Japão.

É que de uma forma ou de outra, me parece que as grandes orquestras precisariam ter um estímulo extra por que o que eu tenho notado é que a cada periódo que passa as orquestras se interessam menos por nova peças que são compostas para os instrumentos que eles participam, por que uma orquestra é um instrumento europeu como formação.

Claro que isso é uma opinião pessoal, mas chegou um momento que a música passou por vários estágios, como música romântica, moderna, enfim, até que chegou numa música chamada música contemporânea. Ao meu ver, a música contemporânea se confundia com algo que podia funcionar muito bem a nível de intelectualidades e tal, podia funcionar musicalmente, afinal, toda forma de música vale a pena, mas era um tipo de música que não agradava a gregos e troianos.

Até por que, se por um lado era mais complexo se fazer música depois de toda a primeira metade do século XX, vale lembrar que metade do século XX contempla aquela revolução que teve na europa, onde todo tipo de arte se dirigiu para Paris, onde ficavam pintores, escritores, compositores, diretores e teatrólogos. Foi de lá que nasceu uma música que a gente ouve e que serviu a todas as formas de expressão artistica. Não estou falando só de óperas, estou falando sobre teatro, balé, cinema.

Se você pensar que todos os balés nascem – o ballet moderno – nasce com uma força extraordinária, sobretudo na primeira metade do século XX, vide, por exemplo, o Ballet Stagium aqui no Brasil, que tem uma história maravilhosa e eu felizmente faço parte disso.

O que quero dizer é que teve um momento que os compositores começaram a escrever uma música que era quase um exercício de fazer sons, obrigando às vezes o pianista a colocar um monte de objetos dentro do instrumento para provocar um som percussivo. No caso do violino, o sujeito pegava o arco e batia no violino pra fazer uma percussão. 

Existem muita formas possíveis de se considerar a música e suas expressões. Você falou sobre piano solo e eu fugi um pouco para falar mais sobre o meu trabalho com orquestras. Ainda poderia citar várias orquestras europeias e também projetos realizados no Brasil, como a Orquestra Corações Futuristas, que acabei assumindo.

Antes ela chamava-se “Orquestra de sopros da Escola Parque“. Essa é uma escola do Rio de Janeiro que sempre foi dirigida pela Tina Pereira, uma grande maestrina, amiga, diretora, e compositora. Depois que ela faleceu, a orquestra ficou um pouco perdida, por que eram pessoas muito jovens e eu transformei na orquestra Corações Futuristas. Também toquei muito com a Orquestra Base de Sopro, de Curitiba. Nós fizemos muitos shows pelo Brasil e agora que nos reencontramos novamente. Depois de 2 anos, vamos tocar em janeiro de 2023 com novo repertório para outro projeto. Existe uma outra orquestra de sopro que se chama Frevo, lá de João Pessoa, que é um centro dos metais no Brasil e que eu trabalho permanentemente também, sem falar que toco com muitos músicos para todo o lado.

Acho bacana que você fale sobre o piano solo, por que eu tenho uma paixão imensa pelo piano. Considero o piano a grande orquestra, ou seja, aquele instrumento que abrange qualquer região de altura, seja ela grave, média ou aguda, que tem dinâmica para tocar fortíssimo ou pianíssimo e que cada executante tem 10 dedos para fazer 10 sons ao mesmo tempo.

O piano participa de todo e qualquer tipo de música e isso é uma característica muito curiosa e particular deste instrumento. Gosto demais, me estimula a descobrir coisas e por essa razão, resolvi trabalhar repertórios. Por isso, esse trabalho de estruturar os repertórios me faz estudar mais e talvez essas sejam as horas que estão entrando mais pela sua janela. Para o show no Bourbon Street, resolvi tocar músicas do século XX, como “Maracangalha” do Caymmi, Pixinguinha, Tia Amélia e tantos outros que me influenciaram.

3) Li uma crítica da pesquisadora e filósofa Eliete Negreiros, onde ela comenta sobre a africanização da Bossa Nova, feita em conjunto por Vinicius e Baden. Escutando o seu primeiro disco pela ECM, “Dança das cabeças”, lançado em 1977, gostaria que você comentasse sobre o que conseguiu realizar ao lado do Naná Vasconcelos. A forma como você une a improvisação com elementos folclóricos e populares, aliado a orquestração e a abordagem do Naná que privilegia o corpo e as raízes da percussão africana, levam a música para um lugar inédito e que só vocês chegaram. Como era fazer música com o Naná?

Guilherme, esse disco, o “Dança das Cabeças”, bom, tenho que te contar que ele não foi planejado para ser feito com o Naná. Ele foi programado para ser gravado com o quarteto que eu tinha, Chamado Academia de Danças. A formação era com o Robertinho Silva (bateria), Luiz Alves (baixo) e Nivaldo Ornelas (saxofone).

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O que aconteceu foi que infelizmente, bem no ano que viajamos, em 1977, vale lembrar que o governo vigente no Brasil ainda era militar e houve uma lei que obrigava todos os brasileiros que fossem deixar o país a fazer um depósito compulsório equivalente a 1 mil dólares. Essa lei impossibilitou que o quarteto viajasse, pois nós não tínhamos dinheiro suficiente para cobrir esses depósitos.

E o depósito compulsório quer dizer: dinheiro que você deposita e não vai ver nunca mais. Isso significa que da noite para o dia – iniciando uma carreira – eu precisava de 4 mil dólares para pagar uma taxa e conseguir sair do Brasil. Era um negócio de maluco.

Nessa situação, foi necessário reunir o grupo para conversar e felizmente o Robertinho, que é sempre uma luz que ilumina por onde passa… Ele vem da mesma veia artística do Wilson das Neves, que antecede o Robertinho. Eles são exemplos de pessoas que orientam e sempre fazem com que os outros pareçam e tornem-se muito melhores.

Nós tivemos essa reunião e ele disse: “pois eu acho o seguinte, já aconteceu esse problema, aconteceu. Agora você vai lá e toque pelos 4. Faça o disco que você tem que fazer, por que é exatamente isso que precisa ser feito.”

E esse disco ao qual ele se referia veio a ser a minha primeira gravação pela ECM Records. O disco foi encomendado, fui convidado pelo selo alemão e propus para o Manfred Eicher (fundador e produtor), uma gravação com esse quarteto do Academia de Danças. Eu ia viajar com o grupo, nós marcamos a data e ele topou.

Mas em pleno inverno europeu, fiquei com medo de viajar direto para a Noruega, por que eu sabia da existência do chamado “sol da meia noite”, justamente por conta das 24 horas que eles tem de luz durante o verão de lá (que é em julho). Dia 11 e 12 de julho são 24 horas de claridade, enquanto 12 de janeiro são 24 horas de escuridão. É como se fosse um diafragma de uma máquina fotográfica que conforme você manipula, recebe mais ou menos luz. Como nós temos no Brasil, claro e escuro todos os dias, por que é dia, noite, dia, noite, eles tem um longo dia que culmina em julho, no verão, e uma longa noite à partir de janeiro. 

Ai, pra não ir direto pra lá, resolvi ir para Paris. Nos anos 70 morei lá durante 1/2 anos para estudar e trabalhar. Aprendi muita coisa nesse período e pensei que se passasse lá, chegaria na Noruega mais confiante para gravar. 

Para fazer esse disco solo levei comigo tudo que eu tinha de instrumentos, não só instrumentos que tocava, mas diversos outros que também me acompanhavam. Tinha uma coleção de pios do Maurílio Coelho, todos uma maravilha, direto de Santa Catarina. Ele já se foi, mas os filhos continuaram o legado. É uma fábrica de pios feitos em madeira que são verdadeiros objetos de arte. Pra quem conhece o “Dança das Cabeças”, todos os pios que abrem o LP – como se fosse uma passarinhada – que faz o sujeito imaginar-se dentro de um barco, aproximando-se da costa brasileira, enquanto escuta os pássaros da floresta amazônica. A ideia da abertura do disco era essa.

Levei tudo, flautas de todo tipo, inclusive flautas do Xingú que havia recebido de presente, como exemplo posso citar a kuluta e Jacuí, mas levei uma porção de flautas diferentes. Parei em Paris por que lá era um porto seguro para mim. Quando cheguei lá, encontrei o ator brasileiro Zózimo Bulbul no restaurante La Coupole, um lugar maravilhoso que no início do século XX era conhecido por receber diversos artistas. Fui pra lá por que morei por ali e enquanto estava sentado, mesmo em meio ao inverno lá fora, o Zózimo me descobre lá dentro e a gente se encontra.

Contei pra ele toda a história do disco, ele riu muito e me convidou pra conversar e comer na sua casa. Me passou o endereço e disse que ia chamar um amigo cozinheiro. Quando cheguei lá, percebi que o cozinheiro era o Naná Vasconcelos. Vale lembrar que a gente já se conhecia e já tinha tocado junto. Nós tocamos no festival de Berlim de 1975 e eu convidei duas pessoas maravilhosas para esse show. Essa edição foi dedicada ao Miles Davis e eu fui convidado para me apresentar, me deram carta branca e eu formei um conjunto com o Naná e o Hermeto. Nem preciso te falar que nós fizemos uma arruaça danada.

O resumo da ópera é que nós comemos – O Naná fez uma galinha à cabidela – e no meio da conversa eu disse: você não gostaria de gravar um disco não? Ele respondeu: “claro, quando?” Ai eu falei que nós precisávamos ir para Oslo depois de amanhã e o Naná disse assim: “não vai dar tempo de ensaiar”. Eu concordei e ele ainda completou: “mas não tem problema nenhum, eu não preciso ensair. Você sabe tocar e eu também, a questão é o que nós vamos tocar”.

E esse conceito de liberdade é maravilho, absolutamente genial. Então, expliquei para o Naná a história do disco. Nós furamos a noite conversando, enquanto descrevia cada coisa que achava que nós íamos tocar. Foi como contar uma história mesmo, comecei dizendo: imagina que o “Dança das Cabeças” significa 2 curumins, duas crianças que entram pelo meio da floresta e começam a ouvir pássaros, insetos, animais grandes, médios pequenos, ventos fortes, fracos, chuva, sol, seco, molhado, úmido, enfim, fui detalhando a entrada e ele dizia efusivamente que era uma ideia maravilhosa.

No fim das contas acabei dormindo na casa do Zózimo mesmo, nem voltei para o hotel e nós embarcamos para a Noruega no próximo dia, só que eu tinha me esquecido que em tese deveria deveria chegar lá no estúdio com um quarteto, mas cheguei só com o Naná. Nós chegamos e já fizemos o primeiro ensaio dirigido ao disco. 

Eu conhecia o Naná desde a época que ele tocava com o Luizinho Eça, ou seja, muito antes do “Dança das Cabeças”. Quando entrei no estúdio, o Manfred disse assim: “tinha a impressão de que você viria com o quarteto”. Respondi dizendo que achava essa formação muito melhor e ele respondeu: “ótimo, se você está feliz é o que interessa”.

Nós prosseguimos e ele perguntou como nós faríamos para arrumar os elementos dentro do estúdio. Você não imagina como foi montar toda a tralha do Naná, além da porção de coisas que eu também levei. Ficou tudo espalhado, tinha coisa por cima das mesas e aí nós enfim começamos a musicar a história que desenvolvemos durante a galinha à cabidela.

Comecei a tocar os pios, o Naná entrou na história, a gente foi montando com flautas de bambu que eram pifes, misturado com o talking drums, que era um tambor maravilhoso que ele tocava. Dali em diante nós efetivamente montamos o disco.

Quando nós terminamos, olhamos um para o outro e ele disse: “acho que está uma beleza, mas será que não está faltando alguma coisa?” Nós não tinhamos nos dado conta até aquela altura que fazer um conjunto naquela época com violão e berimbau, bom, não era uma forma tradicional, mas o destino fez com que nós não só nos encontrássemos, mas também tocássemos o melhor que pudéssemos.

Depois de 1 mês eu tinha entendido o disco que a gente tinha feito, fiquei muito emocionado com ele e lá pelas tantas, decidi que a capa não teria nada que o Manfred tivesse a tira colo para me mostrar. Disse pra ele na época: a capa do disco tem que ter uma casa, não uma casa europeia no sentido de frio, nada disso. Tô querendo um lugar que tenha uma roupa suja pendurada no varal. Ele me perguntou o que eu pensava sobre isso e eu expliquei: penso que sob o olhar europeu, nós (principalmente os latinos), somos muito pobres o que por um lado vocês tem razão, mas por outro, sendo um disco que contém música, vai alegrar muita gente, por que quando os europeus tirarem esse disco da capa, eles vão ouvir uma música que nunca escutaram na vida. Ele sorriu e disse “You got it”, ou seja, ele estava de acordo. 

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A fotografia é do búlgaro Lajos Keresztes e essa capa foi muito marcante também por que foi a primeira vez que a ECM fez uma capa com cores. Toda a identidade da ECM até então era trabalhada em branco, preto e cinza, que tinha relação com as ideias impressionistas que foram trabalhadas pelo selo. Naquele disco, eu e o Naná descobrímos que a gente tinha uma música em comum. Nós tinhamos um desejo de Brasil muito parecido no quesito da música folclórica, de adaptar tudo com relativa facilidade de pensar os tempos rítmicos que o Brasil nos propusera como música, justamente pela miscigenação que a gente tinha.

Por essa razão, tocamos a vida inteira juntos, fizemos vários discos, sendo o “Dança das Cabeças” um dos discos mais premiados que a música brasileira já teve. Não só sob o ponto de vida de vendagem, apesar de ter atingido uma marca bastante expressiva. Prefiro não colocar um número, mas é coisa raríssima, não estou falando nem de 100, 200 ou 500 mil discos, estou falando de muito mais do que isso. Até hoje esse disco não saiu de catálogo. O “Dança das Cabeças” é um marco na minha vida e nada vida do Naná. A nossa boa vontade de tocar música brasileira estimulou a criação de uma formação que influenciou 40 ou 50 grupos que aconteceram, todos com liberdade de juntar alhos e bugalos, que é a liberdade que a gente tanto precisa pra viver.

4) Em 1967 você estudava com o Jacques Klein e o Aurélio Silveira. Você abriu mão de uma bolsa de estudos em Viena para se dedicar a música popular. Já na França, você teve aulas com o Jean Barraqué e a Nadia Boulanger. Apesar de todo esse estudo, é notável como você nunca se afastou da música brasileira. Queria que você comentasse sobre essa questão, pois a música brasileira está presente em tudo que você faz, apesar do seu grande conhecimento de música europeia.

Acrescento ainda mais um nome nessa sua lista, que é a Dulce Vaisiqueira que foi uma professora muito importante para mim, uma excelente professora de piano. Quando fui para França, na verdade não era com o objetivo central de estudar, fui, na época com 20 anos, pois a Marie Laforêt – atriz francesa muito conhecida que também era cantora – me chamou para fazer a direção musical de seu show.

Quando estava lá, estudei com Nadia Boulanger e o Jean Barraqué por que já tinha feito um conservatório de música no Brasil que era uma cópia do convervatório francês. A diretora do conservatório tinha uma influencia francesa muito grande. O nome dela era Antonieta de Souza. Quando cheguei, estava preparado para estudar música europeia e a música que faço e que sempre fiz nunca se distanciou da origem, até por que a minha origem pra valer já me faz um ser miscigenado e misturado.

Meu pai era árabe, minha mãe italiana e eu ouvia músicas brasileiras, italianas e árabes, sendo as vezes chamado pelo meu pai de “minha filho”, por que os árabes confundem os artigos, e ao mesmo tempo fui participando de tudo que você podia e possa pensar de música.

Ouço música desde sempre e como meu pai e minha mãe me ensinaram que a gente deve tentar aprender tudo que tem desejo, acabei aprendendo 2 instrumentos – além de tocar muitos outros – mas aprendi sobretudo uma coisa que é importantíssima: no meu ponto de vista só existem 2 tipos de música: a música que eu preciso para viver e a música que ainda não sei que vou precisar para continuar vivendo.

5) Egberto, num dos seus shows no Bourbon Street que tive a honra de assistir, lembro de você comentar sobre um show na índia, feito junto com o Naná. Você e diversos outros mestres experimentaram com a música indiana. Queria saber como você foi influenciado por esse universo e como essa experiência contribuiu para sua percepção e relação com a improvisação.

Na realidade, eu fui para a índia com o Naná, por que o dueto que nós fizemos como resultado do “Dança das Cabeças” chegou literalmente nos 4 cantos do mundo. Realmente foi uma coisa impressionante e se hoje, mais de 45 anos depois, eu tenho uma carreira prolífica, tocando em tudo quanto é canto, é por que esse disco abriu o caminho. 

O primeiro convite que tive para ir à Índia envolvia o Naná diretamente por que tinha relação com a TV francesa. Eles resolveram fazer um filme sobre nossa viagem. Acredito que esse material ainda é facilmente encontrado no YouTube.

Eu não tinha a menor ideia de como encontrar aqueles representantes, os verdadeiros guardiões da cultura indiana que é toda baseada em Ragas, que são Ragas clássicas. A cultura de lá é muito verbal e sorte a minha que isso foi captado pelo filme dos franceses.

Nós chegamos lá e ficamos num hotel, no dia seguinte anunciaram que viria uma pessoa que felizmente foi bastante generosa em nos visitar, sendo ele uma das pessoas mais respeitadas pelo povo indiano, haja vista que essa pessoa que vou citar já fez 350 gravações de disco com Ragas. Ele é um dos guardiões vivos, hoje ele tem quase 90 anos de idade e chama-se Hariprasad Chaurasia. Ele veio ao hotel, humildemente sentou-se, nos ouviu tocar e a partir dali ficamos muito amigos.

Nós ficamos tão próximos, que cerca de 6 ou 7 anos depois ele me convidou e nós fizemos uma turnê nos Estados Unidos tocando juntos. Depois disso, quando ele completou 70 anos, ele me convidou para ir até Bombaim e eu fui participar dos festejos.

Nós tocamos durante 4/5 dias e eram cerca de 300 pessaos que cantavam e dançavam. Foi uma coisa linda e os anos foram passando, nós ainda mantemos essa amizade e curiosamente, há cerca de 3 anos, a minha filha, Bianca Gismonti, viajou pra lá com o marido e eu dei a localização do Hariprasad Chaurasia. Ele, num gesto absolutamente maravilhoso, os recebeu em sua casa e tratou ambos muito bem.

Mas eu não tenho influência da música indiana. Passei muitos meses morando no Xingú e eu não tenho influência da música dos índios brasileiros. O que não significa que eu não precise ouvir essa música, mas não sei tocar essa música. Por essa razão, por respeito, já fiz um disco dedicado ao Sapaim, que era o mentor espiritual da tribo Yawalapití. Fiz um disco inteiro dedicado a aldeia e a tribo dele, mas não ousei tocar nenhuma música, pois certamente seria uma imitação mal feita, mas aprendi com os índios brasileiros e a música indiana – através do Hariprasad Chaurasia – sobre a liberdade que a música tem que ter para ser representação direta da cultura de um povo.

6) Um momento muito interessante da sua discografia é numa sequência de discos da Som Livre, que você faz arranjos para a Antologia Poética do Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Goulart. Você pode falar um pouco sobre esses trabalhos e dessa relação entre poesia e a música popular brasileira? 

A minha grande amiga, Marilda Pedroso, era casada com o Bráulio Pedroso, que era teatrólogo e foi um dos primeiros autores de teatro a escrever novelas. Em 1968 ele escreveu “Beto Rockfeller“, que foi exibida pela TV Tupi.

Até hoje tenho uma amizade imensa com a Marilda, o Bráulio infelizmente se foi, mas a Marilda inventou que a Som Livre seria um lugar maravilho para fazer a série de antologias Poéticas. 

Foram 4 ou 5 discos, sendo 2 ou 3 deles infantis. Na sua pergunta você menciona o Ferreira Goulart, Jorge Amado, mas tiveram outros, que eram os infantis. As histórias eram escritas pelo Bráulio e pelo Geraldo Carneiro e os personagens eram feitos pelo grupo de amigos que tínhamos.

Quando isso foi feito, o Braúlio já tinha partido e a Marilda casou-se com o Sérgio Machado, um psiquiatra excepcional, grande amigo. Ele, por exemplo, numa das faixas dos discos infantis, era quem fazia o som do galo ou da galinha que cacarejava o tempo todo na história.

Nós fazíamos outros personagens e eram histórias contraditórias o tempo todo, por que não eram histórias infantis, era feito com personagens que seriam crianças ou que gostavam de brincar das coisas mais estapafúrdias. É evidente que esses discos não renderam sucesso nenhum, até por que era uma reunião de malucos que se reuniram pra fazer um disco infantil que jamais fora infantil.

As antoligias poéticas eram feitas em álbuns duplos de LP. A ideia da Marilda era fazer a antologia poética com o próprio poeta interpretando. Nesse cenário, você tem o próprio autor lendo a sua poesia, então foi uma coisa maravilha e ela me chamou pra fazer por que eu aprendi com meus pais que a gente deve se alimentar com o máximo possível de tudo que a gente possa somar áquilo que vai se transformar na nossa personalidade. Quando você sedimenta a informação, ela torna-se você e meu pai e minha mãe tinham mania de leitura e os filhos também foram nessa direção.

É engraçado, por que eu não sou diretamente ligado a poesia, mas já fiz diversas antologias e tenho uma boa relação com os autores brasileiros, a ponto de ter sido convidado para escrever a abertura do que veio a ser o último livro do Manoel de Barros.

O próprio Manoel me fez esse convite à partir do Adalberto Muller, que é também poeta e professor de literatura. Não é que eu seja um grande poeta e escritor, mas acontece que sou amigo verdadeiro dos poetas, escritos, cronistas, enfim. Nomes como Rubem Braga, Carlinhos Olivera e Paulo Mendes Campos foram grandes amigos.

7) No disco “Duas Vozes”, que você lançou com o Naná em 1984, tem uma faixa em particular chamada “Tomarapeba”, que é uma faixa tradicional dos índios amazonenses. Pesquisando, descobri que você foi estudar música indígena e até morou no Xingú. Você pode comentar um pouco sobre essa vivência?

Guilherme, você tem razão, esse disco “Duas Vozes” foi mais um disco que fiz com o Naná Vasconcelos. É um trabalho que carrega muita informação e essa questão de “Tomarapeba” era um assunto que o Naná dominava e eu acabei aprendendo um pouco com ele, por que acabei juntando com outras informações que tive sobre o Xingú.

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Tem um espetáculo em particular que foi feito pela TV Cultura de Salvador. Foi uma ida que fiz ao Teatro Castro Alves, onde aconteceu uma apresentação como parte do cronograma de um festival maravilhoso de percussão, que inclusive contava com o Gilberto Gil e o Naná Vasconcelos como diretores, o PercPan

Sempre fui muito amigo do Gil e ele também queria que eu fosse tocar. Na época disse pra ele que gostaria que parte da tribo Yawalapiti – no mínimo 16 pessoas – pudessem vir, incluindo o Sapaim, por que aí nos poderíamos fazer um pouco de música juntos.

Esse momento foi lindo, sorte a minha de estar lá e conseguir fazer isso junto deles. O Sapaim aceitou que a gente rodasse no palco como se estivesse no chão de alguma aldeia. Eles tocaram com seus próprios instrumentos, evidentemente, enquanto eu usei umas flautas que tenho, sobretudo uma que é da tailândia, que eu chamo de bambuzal.

Ela é formada por um grupo de bambus colados através de um bocal que tem cera dentro. É um grupo de bambus finos com 12 a 16 deles. Eu fui tocando junto com eles e tomara que um dia essa divisão da TV de Salvador consiga exibir esse material. Eles filmaram esse espetáculo todo, até tenho algumas fotos, mas aquilo ali foi uma experiência maravilhosa.

Essa convivência com os índios é parte de tudo que aprendi com pessoas magníficas. Existe uma influÊncia direta da música que se transforma e se refaz todos os dias, também dentro das aldeias e isso é belíssimo.

8) Egberto, sua carreira é enorme, possui diversos momentos e desdobramentos. Um dos que mais me tocaram foi sua associação com o trio formado ao lado do Charlie Haden e do Jan Garbarek. Poucas vezes na minha vida ouvi uma música tão sensível e queria que você falasse um pouco sobre as trocas que você teve com o baixista norte americano e saxofonista norueguês. O piano e o violão parecem poesia em movimento e a sensibilidade dos improvisos e acompanhamentos do Charlie e do Jan são arrebatadoras.

Muito obrigado pela oportunidade, realmente significa muito pra mim, gostaria de agradecer pela música e pela entrevista. 

Guilherme, antes de responder a sua última pergunta, gostaria de agradecer pelas palavras que você usou para falar da música que fiz ao lado do Charlie Haden e do Jan Garabrek. A grande expectativa de qualquer ser humano é ter reconhecimento a este nível de preciosidade. Quando você fala que poucas vezes na vida ouviu uma música tão sensível, você me leva para um pensamento do Fernando Pessoa que diz que: “entender é errar, entender o que outra pessoa diz é discordar dela, sentir o que outra pessoa sente é ser ela”. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica.

Esse é um pensamento da prosa de Fernando Pessoa e quando alguém qualifica o que a gente faz, independente de ter sido música ou qualquer expressão artística, qualquer gesto que sensibilize ao outro, bom, aí você passou muito próximo daquilo que é chamado de essência da vida, que é o que faz com que os nossos sentimentos, que só existem por que a gente acredita, não existem por que a gente os vê ou os toca. Quando você sente um sentimento de amor, alegria, tristeza, você sabe do que o ser humano é composto, então lhe agradeço muito por isso.

Quando você fala para que eu comente sobre essas trocas que tive nessa época do trio, seria injusto se não ultrapassasse um pouco o limite que você colocou. Claro que esse limite existe por que você gosta das coisas que fiz ao lado do Charlie Haden e do Jarbarek, mas seria injusto com todos os outros músicos que desde o início da minha vida, como o Wilson das Neves, Sérgio Barrozo… Estou falando dos primeiros músicos, até os mais recentes, que sempre me ajudam, me sensibilizam e me dão esperança para continuar tentando descobrir caminhos que façam com que a vida seja melhor.

Eu te agradeço muito por essa entrevista, pois suas perguntas são bastante estimulantes para pensar e refletir. Espero tê-las respondido e te desejo desde já um grande abraço e que a alegria esteja sempre presente na sua vida. Até logo.

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