Primeiro disco solo do Sampha, Process mostra uma produção precisa e um repertório que impressiona pela originalidade e sentimento.
A vida não costuma ensinar as coisas de maneira estruturada. Essas surpresas no caminho muitas vezes são os pontos altos dessa pouco ortodoxa maneira de aprendizado. Apesar dos traumas pessoais e de fases passageiras que nos fazem questionar até a última gota de sanidade, em certos momentos parece impossível romper a barreira do problema.
Mas é insistência na missão que vai encontrar a clareza em meio ao caos. Esse período de tensão – independente da pedra no caminho – é um catalizador para que um ciclo se feche e outro chegue pra somar no groove. É difícil, mas é justamente quando estamos desacreditados e fragilizados que a peteca não pode cair.
A química cerebral parece até que domina sua mente em certos momentos, mas é importante manter o mínimo de equilíbrio. O ócio costuma corroer os seres criativos. A pressão faz o ar sumir e pressiona o peito de uma forma que nenhuma bombinha pra asma consegue aliviar.
É uma luxúria de dúvidas e pequenas ciladas mentais que surgem imersas no desespero como um plano de fuga. É necessário romper a bolha e voltar a oxigenar as ideias pra manter o swing no trilho.
Foi num grupo de música eletrônica que tudo começou. Parece difícil acreditar, mas foi ao lado do SBTRKT que o músico conheceu a produção musical e começou a forjar seu estilo. Esse projeto foi primordial para a carreira do inglês – natural de Moden – pois à partir daí ele foi exposto ao grande público, em função de colaborações feitas ao lado de nomes como Drake, Kanye West e Jessie Ware.
A partir daí começaram a surgir diversas colaborações e com o passar do tempo, Sampha começou a focar em seu próprio som. Isso aconteceu na forma de 2 EP’s, o primeiro – “Sundanza” – saiu em 2010 e o segundo ,”Dual“, apareceu em 2013, ambos via Young Turks.
Um registro de estúdio parecia questão de tempo, mas só foi chegar 4 anos depois. Com o elogiadíssimo “Process“, o compositor saiu de seu quarto e levou a produção para dentro de estúdio . O resultado foi singelo e mostrou a força de seu orgânico repertório. O debutante que foi gravado entre Morden e a ilha de Giske, na Noruega, também foi coproduzido ao lado do escocês Rodaidh McDonald e ganhou o Mercury Prize de 2017.
Um disco que confronta a morte de sua mãe nos anos que antecederam a gravação, o debutante solo do inglês entrega 10 faixas sublimes e que revelam um artista pronto e sem nada à esconder. Ele abraça a saudade e confronta seus sentimentos para criar um dos discos mais bonitos, não só de 2017, mas sim dos anos 2000.
Line Up:
Sampha Sisay (teclados/vocal)
Laura Groves (vocal)
Pauli The PSM Stanley-McKenzie (bateria/percussão)
Track List:
“Plastic 100°C”
“Blood On Me”
“Kora Sings”
“(No One Knows Me) Like The Piano”
“Take Me Inside”
”Reverse Faults”
“Under”
“Timmy’s Prayer”
“Incomplete Kisses”
“What Shouldn’t I Be?”
Sampha – Process
Dono de raro controle vocal, o britânico também mostra boa capacidade técnica nos teclados/piano. É uma abordagem absolutamente intimista e que acrescida de seu grande talento melódico – além dos climas no marfim malhado – criam uma atmosfera irresistível.
O estopim da gravação é denso, mas a maneira como o compositor trabalha esse processo de digerir uma perda tão difícil, chega a desarmar o ouvinte, tamanha a sinceridade do intérprete e da vulnerabilidade do repertório.
É uma energia crescente. Desde o início, com “Plastic 100°C” até “What Shouln’t I Be”, Sampha guia o ouvinte até um lugar majestoso, entregando mais e mais sobre si mesmo a cada take. A faixa de abertura já mostra todo seu requinte. A leveza, a calma, o grande controle vocal e a sensibilidade ao piano dão o tom desse processo de cura, sampleando as falas de Neil Armstrong, logo após seus primeiros passos na gravidade do groove lunar.
E ao som de “Blood On Me”, um dos singles do registro que o som do inglês começa a ser decifrado. Digo isso pois sua cozinha é bastante original e o interessante é como ele atinge essa proposta e pincela os timbres. As camadas eletrônicas são a espinha dorsal da faixa. Com o tilintar do piano, Sampha climatiza a música e utiliza seu vocal como termômetro, harmonizando sua voz de maneira belíssima.
Essa fusão recente de elementos como R&B e Soul com a música eletrônica deu vida ao Neo-Soul. Apesar de todo esse hype, muitos grupos acabam indo pra uma linha parecida, algo que definitivamente não é o que acontece nesse disco. Em “Kora Sings”, por exemplo, Sampha promove um contraponto com a melodia da música quando adiciona a bateria e percussão com claras referências da música asiática. É um trabalho cuidadosamente lapidado e preciso.
Mas é com “(No One Knows Me) Like The Piano” – mais um single do disco – que ele deixa você em frangalhos. Só voz e um piano de cauda. Aqui ele reafirma suas habilidade como compositor e mostra a importância das pausas. São esses pequenos respiros que tornam o disco ainda mais palpável, frente a uma dor quase intangível e inexplicável.
É interessante como ele alterna faixas com mais elementos eletrônicos e outras mais “limpas”. Essa prudência cria um disco muito acessível, apesar da diversidade de influências e consegue harmonizar faixas com abordagens distintas, como “Take Me Inside” e o Trip Hop de “Reverse Faults”.
Um dos maiores acertos desse disco é mostrar também, como um músico de gosto sofisticado consegue subverter sua linguagem ao se apropria da “licença poética” e das infinitas possibilidades da música eletrônica. Sem essas referências, temas como “Under” e “Timmy’s Prayer” jamais existiriam e o interessante é como ele consegue condensar todas essas estéticas e referências com grande apelo Pop, radiofônico, sem ter que pasteurizar sua essência.
“Process” condensa muito bem os objetivos artísticos de Sampha. Ele consegue ser um hitmaker apaixonado ao som de “Incomplete Kisses” e um verdadeiro mártir em “What Shouldn’t I Be?”. É de marejar os olhos, trata-se de um belíssimo trabalho.
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