Após clássico instantâneo e longo inverno, Torn Arteries mostra o Carcass levando sua fase death´n´roll para caminhos mais refinados!
Carcass retorna ainda mais afiado
Vocês não imaginam quem está de volta! Os garotos de Liverpool! Quer dizer, bem… talvez os garotos putrefatos de Liverpool… o fato é que, mesmo 1 ano atrasados, por conta da pandemia, os fabulosos do grindcore estão retornando, agora em disco cheio, já que o EP Despicable já tinha acalmado um pouco a saudade, para alegrar nossos dias com muitos riffs e bisturis mais do que afiados!
E se você procura por esses dois elementos que fizeram a assinatura desse membro do Napalmverso, você realmente vai se sentir presenteado. Depois de um longo inverno, e de Surgical Steel, disco que apresentou a banda para uma nova legião de fãs, e mostrou que ainda têm muita lenha pra queimar, após 8 anos, o Carcass traz ao mundo, mais uma noite sangrenta e sarcástica na mesa de cirurgia, na forma de Torn Arteries! E pode apostar, é mais um discaço!
Bem como o Napalm Death, o grupo consegue segurar e explorar muito bem todas as fases que se propõe a adentrar. E depois de um início arrebatador no mais escatológico grindcore/goregrind, com Reek of Putrefaction, o Carcass foi agregando elementos que os levaram para terras inimagináveis.
Essas terras os colocaram entre os artistas mais relevantes da música extrema dos anos 90, e as maiores influências para o que viria a se tornar o famigerado Death Metal melódico. Tudo isso graças ao emblemático Heartwork, na fase que contava, inclusive, com o Michael Amott, que se tornaria uma das figuras mais importantes do estilo com seu Arch Enemy, nas guitarras. E o disco já começa a todo vapor, mostrando que os gigantes britânicos têm mesmo domínio sobre a sua reinvenção.
Nesse novo momento de sua carreira, a banda foge do convencional mais uma vez, e se afasta bastante do que podemos chamar de grind, gore, splatter e death. Aqui, colocam simplesmente Bill Steer em primeiro plano para desfilar riffs blueseiros e melodiosos, herdados dos lendários bluesmen da velha escola do Reino Unido, como os saudosos Rory Gallagher, Peter Green e Gary Moore.
E por falar em Moore, encontramos o clima festeiro, emocionante e afiado das grandes melodias do seu Thin Lizzy em muitos momentos do disco, que nos fazem perguntar, como os caras foram pensar em coisas tão bonitas para serem atiradas nas mais podres profundezas do grind, e soar tudo tão bem equilibrado.
Ainda nos fazem indagar como o Lord Steer não é tão lembrado como guitar hero pelo grande público ou pela imprensa especializada (vocês precisam ouvir “The Devil Rides Out”). Continuo com meu trabalho por aí para fazer as pessoas lembrarem desse cara brilhante, desde os tempos de Scum, diga-se de passagem. Seus timbres e licks, aqui, são de encher os olhos de lágrimas!
Talvez, ainda seja difícil para alguns compreenderem esse “novo” universo death´n´roll que mistura o mais puro hard/blues rock britânico da década de 70, com o mais sanguinário dos grindcores. No entanto, não da pra ficar parado com os de galopes bem thrash metal que aparecem em muitas faixas da bolacha. “Under The Scaple Blade”, por exemplo, lembra bastante a fase Swansong misturada com riffs bem na linha do Megadeth.
Porém, a banda não parece mesmo se preocupar com a perda de velocidade, como na sacolejante e psicótica “Dance of Ixtab” , que saiu como single, e até ganhou clipe. Ou ainda, da atmosfera mais death metal que acabou virando a ponte que une os fãs da fase Heartwork com a sonoridade adotada no retorno em 2013.
A produção, portanto, busca mesmo um Carcass totalmente favorecido pelos espaços e silêncios, que podem levá-los por insights bem roqueiros, vide “In God We Trust”. Esses flertes, no entanto, sempre feitos com a classe e a elegância para se aliar ao rock que poucos conseguem, sem deixar que o peso se esvaeça ou que as harmonias careçam de complexidade.
Letras precisas e pontuais cheias do sarcasmo do humor inglês
Quanto às letras, Mr. Jeff Walker continua cirúrgico em seu senso de humor bem britânico. A arrastada “Eleanor Rigor Mortis”(os outros cabeludos da cidade agradecem) tá aí pra provar isso, contribuindo, e muito, para que o clima continue o mais divertido possível durante a audição.
Tudo isso contribui para que Arteries seja mais um álbum da banda para se ouvir alto, pegando a estrada com uma boa galera, focando nos maravilhosos licks e cowbells. E por falar em estrada, ele também já nos faz viajar em como soará ao vivo, com aquelas calças bocas de sino e a energia singular que o conjunto tem no palco.
Ocorre que o trabalho nos faz curtir muito mais do que ficar minuciosamente avaliando se a banda está inventando a roda mais uma vez. Os ingleses já salvaram, em tantas oportunidades, o death/grind de parecer o mesmo feijão com arroz de sempre, aqui totalmente vegano, como comprovamos na belíssima capa e no inacreditável box set lançado pela Nuclear Blast, e talvez o foco do momento seja outro.
E se alguns disserem que enxergaram o Carcass mais querendo festejar do que realmente criar um petardo com passagens climáticas que possam rivalizar com todas as viagens sonoras que as novas produções do mercado tendem a trazer, “Flesh Ripping Torment Limited” tá aí. Esta traz belíssimos violões e mudanças de andamento em um épico de mais de 9 minutos. Cansativo? Jamais. Tudo passa voando, graças ao cuidado dedicado à cada célula da canção.
Podemos falar ainda de “The Scythe´s Remorseless”, outro belo clipe, que chega em tempo para fechar o álbum com aquele gosto do melhor da NWOBHM, que o grupo sempre teve como referência. Sim, em 2021, nas duas faixas, conseguem casar ambiência com timbres modernos e ecos do heavy inglês oitentista com uma segurança e maestria que faria inveja aos gigantes do estilo. Alguém aí lembrou daquele samurai que anda circulando bem cansado e prolixo por aí?(brincadeira, galera! rs).
Nosso Carcass está lindo, gracioso e crunchy, como sempre! E se Surgical Steel trouxe-os de volta em uma nova roupagem, tornando-se um dos discos mais aclamados dos 2010s, Torn Arteries mostra o grupo procurando outros atalhos dentro do mesmo caminho, porém, sem se afastar tanto da pista principal. Podemos dizer que dessa vez só querem fazer um som forte, nervoso e com aquela elegância do blues rock característico da terra da Rainha, que está no sangue de Liverpool desde os tempos de Cavern Club. Tá na hora, wake up and smell the carcass!