Na sexta-feira dia 6 de março a equipe Oganpazan colou no Pelourinho para conferir mais um dos muitos eventos de hip-hop que continuam ganhando espaço em nossa cidade. Depois da tradicional parada no clássico Bar do Cravinho – pico obrigatório – para esquentar a alma, partimos rumo a Praça Tereza Batista.
O show que estava em nossa mira era o do rapper paulista Síntese, que contava ainda com nossos conterrâneos Malaô, Oddish, Kazpa, Noblah e o Dj Dakaza.
A noite começou com disputas acirradas na batalha de Freestyle 4 Real Mc, espirrando sangue para todo lado em confrontos violentamente poéticos. No final a Mc Mirapotira bateu o Mc Laricio que havia ganhado recentemente o duelo de Mc’s nacional em Belo Horizonte. Alto nível do início ao fim.
Veja abaixo a batalha final.
O hip-hop em Salvador, como disse o Dj Branco numa entrevista, “está por conta própria” e é muito importante perceber a relevância dos eventos que estão acontecendo na cidade, em bom número e só aumentando em qualidade, convidados e lotação. O show do rapper Elvis Kazpa, que também foi o produtor desta festa, foi emblemático neste sentido.
Kazpa é natural de Sapeaçu e morador de Salvador desde 2001. Aqui ele vem construindo uma caminhada respeitável dentro da cena, tendo vencido muitas batalhas de Mc’s, integrado o grupo IN.VÉS e lançando sua bolacha solo Mestre de Cerimonia em 2014. Elvis apresentou algumas músicas do seu álbum durante a apresentação. Sempre contagiante e desfilando um som conscientemente potente, ele descreve a dificuldade de manter o proceder e continuar fazendo o que escolheu: RAP.
O maluco botou geral para sair do chão mesmo, cantando Chapa Quente: “Louco, ele é perigoso, pique cabuloso, lutador nervoso e ninguém dá, solto multiplica os troco, tipo criminoso e ninguém dá nada.” E a roda abriu em frente ao palco com os manos cantando e pulando na batida trap da música.
Como o próprio Elvis Kazpa disse em entrevista, dentro do hip-hop baiano ele bate o escanteio e corre para cabecear. O cabra produz, panfleta, convida, organiza e ainda sobe ao palco e faz bonito. Sim, ele é perigoso, pique cabuloso, lutador nervoso…
O último trabalho do Kazpa, e os anteriores, estão disponíveis no soundcloud. Mas, se preferir, também pode fazer o download de Mestre de Cerimônia clicando aqui. Manda ver porque vale muito a pena.
https://soundcloud.com/kazpa/sets/elvis-kazpa-mestre-de-cerimonia-disco-completo
Quando Neto subiu ao palco todos já estavam no pique depois de tantas boas apresentações. E o que vimos a seguir foi uma performance impressionante, um domínio de palco e de platéia que fez jus as expectativas daqueles que já conheciam o seu trabalho a distância.
Síntese apareceu no cenário nacional com um forte impacto após a participação de Neto na música Plano de Voo do disco Convoque seu Buda (2014) do Criolo. O grupo Síntese, porém, já estava há algum tempo na estrada e já tinha no currículo o disco duplo Sem Cortezia de 2012. Hoje Neto é o Síntese, e o show aqui em Salvador serviu para vermos como o Mc consegue se sair ao vivo, sozinho no mic!
O que vimos na Tereza Batista foi uma demonstração daquilo que Síntese prega em muitas de suas letras: comunhão entre os indivíduos e o meio. Suspensão do ego em favor da coletividade. Neto sozinho no palco conseguiu segurar a atenção e transmitir suas mensagens religiosas e éticas com total aderência do público que cantava suas letras, uma atrás da outra.
Uma busca para encontrar o Outro e alcançar alegria neste encontro, onde todos são um. Pura catarse. O repertório teve como base o disco citado acima, mas também músicas mais recentes do rapper junto ao Projetonave, como a forte Em favor do Réu. Babilônia música de 2012, foi cantada em uníssono, e a vibe era contagiante. O Mc improvisava, cantava acapela e tinha como acompanhamento toda a praça. Pedia que as pessoas cumprimentassem as outras ao lado. Paz.
Sem dúvida o aspecto religioso, uma das marcas registrados da sua música, ficou extremamente realçado. Quando essa “liturgia” acabou, a sensação era de leveza e tranquilidade. Os espíritos estavam em paz. Neto tinha dado seu recado, transmitido suas ideias. Sim, o que é bom dura pouco e quem não estava atento perdeu. Perdeu a passagem por Salvador de um dos mais promissores rappers da atualidade.
Depois do show colamos no camarim e trocamos uma ideia rápida com o Kazpa e, claro, com Neto, sobre o que eles acharam daquela noite.
Oganpazan: Como é que foi pra você organizar esse evento com o Neto vindo de São Paulo, um cara que é novato na cena, mas que ta crescendo?
Kazpa: Super satisfatório. Primeiro pela confiança do Neto que é um cara foda da cena. Ter confiando na gente, vindo aqui dar o suor dele, o sangue dele, trazendo o trabalho dele, se locomovendo até aqui. Esse intermédio aconteceu através de um amigo nosso que é o Rapadura, que a gente já trouxe várias vezes e tá voltando agora dia 28 de março também. Rapadura conversou com ele e disse: “pode confiar que eu já trabalhei com a galera várias vezes”. E ele confiou, veio e foi um dos melhores eventos que a gente já organizou, com certeza. Então o resultado foi 100% positivo.
Oganpazan: Recentemente um músico baiano ganhou o importante concurso de remix do Rafuagi. Como você enxerga o impacto disso pra cena do hip-hop local?
Kazpa: A vitória dos nossos é a minha vitória, né? Victor Haggar já tinha ganhado uma promoção do meu remix, que saiu no meu disco, a música Muitos Vieram Antes. E agora tá faturando mais essa aí. Uma premiação boa né, dois mil reais. Então mais do que merecido. Victor Haggar daqui de Salvador, um cara que realmente fez um remix tocado, não foi uma coisa de pegar um beat que já tinha em casa e fez acapela. Ele tocou pra aquela acapela, sabe? Botou o sentimento dele ali. Então mais do que merecido o cara ganhar.
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Oganpazan: Neto, sua primeira vez em Salvador, como é que você se sentiu com a resposta do público hoje?
Neto: Me senti muito bem mano, isso nunca tinha acontecido comigo. Ir longe assim e os caras tratar dessa maneira. Mó respeitoso também as pessoas, mó carinhosas. Sempre muito bom, muito louco. O Brasil é um continente, né mano? Chegar aqui, vê os irmãos daqui, mó carinho. E vejo que o sentimento é o mesmo, em todo lugar do mundo, todos os tempos do mundo, né mano? O mesmo amor, o mesmo carinho. É isso mesmo.
Oganpazan: Você é um cara que gosta muito de filosofia, fala pra caramba disso em suas entrevistas. Como é que você consegue avaliar a chegada da sua mensagem em Salvador?
Neto: Eu acho que isso não tem como ter tanto uma noção, por causa que eu não interagi tanto com os irmãos, não passei uns dias aqui. Mas de ver as pessoas sentindo, cantando as músicas já é uma coisa que eu imagino que foi muito forte pra eles, por que eu acredito que essas obras nossas e tudo que tem contido nelas [alguém chega pra cumprimentar Neto], eu acredito que não tem como ficar imparcial, tá ligado? Ou a pessoa ama ou ela odeia, né mano? Sei lá… E é da hora mano, ver as pessoas cantando as músicas e sentindo, fechando o olho, levantando a mão e abraçando os irmãos, sabe? Eu vejo que a missão tá sendo cumprida mesmo.
Oganpazan: Você viu que a galera aqui hoje tava cantando suas músicas na ponta do gogó. E aí?
Neto: Nossa! É um sentimento único, que tá sendo novo pra mim ainda, sabe? Agora que eu tô começando a fazer mais show, viajar assim. E… nossa! Ver os irmão cantando as músicas que a gente teve tanto zelo, a vida inteira ensaiamos pra nós, dois anos, três anos no quarto antes de gravar, é muito mágico! Léo tinha que tá aqui pra ver isso, mas tá bom…
Oganpazan: Pra finalizar, o que é Síntese hoje?
Neto: Síntese é um espírito, é uma postura frente à realidade, considerando a verdade e as consciências, independente da nossa conduta. É o que tem que ser falado nessa era apocalíptica que a gente tá vivendo. É uma postura, uma postura.