Não que você precise da faculdade para notar que a vida não é fácil, citei a instituição apenas para efeito técnico, tenha em mente que a partir dos 18 anos a nata começa a coalhar. Quando era criança me lembro que na minha cabeça meus sonhos iriam se realizar, mas veja só, nunca imaginei como seria esse processo.
Para este que vos escreve, simplesmente iria ganhar um emprego e na semana seguinte estaria no Festival de Cannes com um leão debaixo do braço, pena que estou desempregado… Fiz até uma prateleira para o bendito felino, agora uso o espaço vazio para guardar as moedas que sobram da fatídica passagem paulista, que de R$ 3,50 em R$ 3,50, fazem uma estrago na vida deste famosíssimo publicitário.
Todos os dias de minha vida nos últimos 3 anos foram voltados para isso, é uma batalha diária, preciso me manter motivado e ativo todos os dias para que tenha ideias oxigenando meu cérebro, livros que me passem mais repertório e uma rotina em prol da produtividade, coisa que depende muito mais de quanto VOCÊ quer ralar do que de qualquer tipo de inspiração.
Está doidindo pra esfregar na cara de todo mundo que conseguiu, ”mostrar pra eles” que nenhum filho da puta no planeta se esforçou mais do que você e, que além de merecedor, não tinha ninguém melhor para estar ali. Mas o elo, o que separa os homens dos frangos é algo simples, mas que define a linha que divide os perdedores dos vencedores, e por favor, não me venha com essa de: ”O que vale é competir”, seu bosta.
Esqueça esses parágrafos passados, vamos resumir tudo que foi dito com algumas palavras, as que permeiam o nome de um dos filmes mais úteis para a humanidade: ”Whiplash – Em Busca da Perfeição”, um longa fantástico que mesmo não ganhando Oscar, fez o que poucos fizeram: chegou lá.
Além de uma senhora aula de Jazz, relembrando nomes por vezes esquecidos e primordiais para a bateria da vertente, esse épico é responsável por abrir os olhos de muitas pessoas que pensavam que vida de músico era só a trinca hedonista do sexo, drogas e Rock ‘N’ Roll, mostrando Andrew (Miles Teller), um antissocial baterista, que em prol de seu sonho, larga até sua namorada, a bela Nicole, interpretada por Melissa Benoist.
Em pouco mais de duas horas de filme vemos que nem o pai de Andrew (Jim Neiman), conseguiu manter sua postura de não apoiar o hard work do filho e que nem um tirano tal qual Terence Fletcher conseguiu abalar o foco do apaixonado pelas baquetas.
Muito pelo contrário, quando Terence virou o pesadelo de Andrew, foi questão de honra para este segundo destruir suas mãos, sangrar nas baquetas e no kit da batera para tocar a maldita ”Whiplash” e qualquer outro tema que seu sádico professor ordenasse.
Virou questão de vida ou morte tomar o lugar de Ryan Conelly e Nate Lang para provar ao jazzísta que ELE ERA O CARA. Andrew cansou de deixar as maõs de molho na água e no gelo para curar as feridas, mas foi remendado que ele evoluiu, foi depois de desviar de uma cadeira que ele sentiu que não seria fácil e se esforçou mais que bóia fria no sertão.
Terence Fletcher é o símbolo que nos mostra o quão complicado é o processo de realização de um sonho, deixando claro que nada surge sem sacrifício e que o belo Jazz do mestre Art Blakey só surgiu depois de muito, mas muito suor e um mentor. Todos nós temos um Terence Fletcher em nossas vidas, um filha da puta que apesar de métodos pouco usuais, consegue plantar uma semente em nosso âmago e fazer você perder o sono até conseguirmos completar a cretina tarefa que tanto sonhamos e que nos foi ordenada.
E o mais absurdo disso tudo é que quando você cumpre o prometido o que resta é olhar para seu professor e ainda pensar: ”Eu tive um Grande mestre”. Foi exatamente isso que Andrew pensou quando fecha o filme completamente imerso em um solo assustador em seu kit, momentos depois de ser completamente sacaneado pelo próprio Fletcher.
Aliás, uma das grandes injustiças do Oscar foi não indicar o baterista ao prêmio de melhor ator, a cena que o cidadão bate o carro e mesmo assim vai para o ensaio final é um exemplo levemente exagerado (mas que nesse contexto funciona de forma excelente), para comprovar a semente que cada mentor planta em seus alunos.
Ou você acha mesmo que nomes como o da nipônica Hiromi Uehara não tiveram que praticar para um Fletcher da vida até os dedos travarem? A vida é feita de sacrifícios e os sonhos são resultados de vários deles, afinal de contas não existe nada pior do que saber que você fez um bom trabalho, quando na verdade o senhor poderia ter feito algo excelente.
É isso que diferencia quem são os esquecidos dos que ficam eternizados. Whiplash começa plantando a semente e termina como um final de filme ambíguo, afinal de contas depende de você, caso o senhor largue o osso será apenas mais um, e viver com isso é pior do que perder o tempo da bateria na aula do Fletcher.