Portishead e o Nirvana em Roseland NYC Live

A gravação de um disco é um momento único e indescritivelmente especial. Não é só o fato de registrar um novo material por possuir obrigações contratuais. É claro que isso existe, mas o que deve motivar um músico ou banda (ou pelo menos deveria), é a real necessidade de criar o novo, fazer jus ao seu status de ”artista’ e expor a arte que habita seu subconsciente criativo.
Ainda creio piamente na arte em concepção natural, sem ser forçada por nenhum meio ou condição. Prefiro ver grupos que gravam discos com intervalos longos, do que outros (sem generalizar), que renovem canções de forma fútil, sem agregar nada, nem mesmo no som da própria banda, muito menos vislumbrando impactar o cenário musical, coisa que deveria ser o objetivo primário de todo disco: de cada palavra cantanda e de nota tocada.
Traduzindo isso tudo em uma palavra temos o sentimento. A fagulha criativa que faz com que músicos fiquem confinados em uma comunhão em prol de algo maior do que eles mesmos. Uma expressão de arte que eles ainda não criaram, não sabem como vão fazer, mas querem que seja algo pleno, que eleve as pessoas, e que as faça parar quando o play for apertado.

O som que sai das caixas precisa atingir o ouvinte, como um texto que não faz o leitor parar de passar os olhos pelas linhas, como um filme que não tira o foco do telespectador ou como o estouro do cronômetro dentro de um jogo de basquete. Aqueles milésimos de segundos onde o que mais importa é a bola que está no ar e precisa cair na cesta.

Todos esses são momentos em que você não sabe qual será a próxima reação. São segundos em que você não tem um chão debaixo de si e é, exatamente nesse frio na barriga, justamente a base dessa sensação que, a primeira vista espantaria qualquer artista, que o Portishead gosta de viver perigosamente. Com os ingleses cada nota é valorizada e, para ela sair a perfeição, tem que servir de parâmetro o som dessa reunião de mentes que consegue criar o novo; deixá-lo abstrato, nomear significado e ainda cumprir a tarefa inicial, fazer diferença no mundo.

Formada em 1991 na cidade de Bristol, Inglaterra, o trio mostra seu ideial coeso desde o principío. São quase 25 anos de história e a formação jamais se alterou. A alquimia do Trip-Hop sempre partiu dos mesmos nomes, todos sempre em busca do algo a mais: um disco que mude vidas e que altere o panorama do som, algo realmente visionário e ousado mas, que dentro da carreira deles, virou rotina e possui quatro capítulos: três trabalhos de estúdio e um disco ao vivo, o assombroso ”Roseland NYC Live” lançado em 1998.

Line Up:
Beth Gibbons (vocal/guitarra)
John Cornick (trompa)
Geoff Barrow (bateria)
Dave Ford (trompa)
Adrian Utley (moog/guitarra)
Will Gregory (trompa)
John Baggot (teclado/piano)
Ben Waghorn (trompa)
Clive Dreamer (bateria/percussão)
Jim Barr (baixo)
Andy Hague (trompete/trompa)
Nick Ingman (condutor e arranjador da orquestra)
New York Phillarmonic (orquestra)

Track List:
”Humming”
”Cowboys”
”All Mine”
”Mysterons”
”Only You”
”Half Day Closing”
”Over”
”Glory Box”
”Sour Times”
”Roads”
”Strangers”

O Portishead trabalha na linha onde ”Tudo é tudo e nada é nada”, já dizia o Tim Maia. A música que a vocalista Beth Gibbons, o baterista Geoff Barrow e o guitarrista Adrian Utley criam juntos é quase mística. Eles não esperam tocar no rádio. O que sai das reverberações de seus respectivos instrumentos quer algo maior, eles vivem para ser o instrumento de uma mensagem e, creio que o maior mérito deles, é a forma como transmitem essa ideia. E eles são únicos nesse sentido.
Na época desse disco a banda tinha lançado dois trabalhos exuberantes, falo de ”Dummy”, o debutante lançado em 1994 e ”Portishead” a réplica liberada três anos depois, já em 1997. A essa altura do campeonato o mundo estava acostumado com a banda, todos sabiam que pegar shows da tour seria complicado, pois eles nunca fizeram algo comparável a um Lollapalooza por exemplo e, além disso, nunca gostaram de fazer muitos shows. A idéia era exatamente o contrário: quanto menor o local, melhor! Os discos demoram anos para sair, o embrião sonoro leva de fato muito tempo para ser gestado, mas é tudo parte de um pacote e ele atende pelo nome de Portishead.

Existem registros que não podem ser ouvidos de qualquer forma não existem? Pois bem, a música dessa banda não pode ser ouvida de qualquer jeito, ela precisa de uma atmosfera, de um momento certo e de silêncio. A música que esses senhores exalam por meio de seus corpos cria um campo magnético no ambiente onde é tocada, por isso que eles nunca tocam em lugares abertos, e se o fazem exigem que cubram o espaço com uma tenda, a energia que entra não sai, e quando você acaba ainda sai carregando a radioatividade desta fantástica mescla de música eletrônica, Jazz, vertentes chill outs e música experimental.
E com dois discos tão aclamados pela crítica, shows, que mesmo em lugares pequenos e em pouca quantidade, foram absolutamente fantásticos. Então o que faltava? Aparentemente nada, mas é agora que surge o ideal romântico que foi a ponte para esse raciocínio. Justamente quando se está estabelecido, você vai lá e arquiteta um disco ao vivo com a filarmônica de Nova York e consegue elevar uma música que já era completamente inexplicável a um patamar inimaginável! Esta é a síntese desta união: arrepiar nucas do nada, sem explicação alguma, apenas fermentando a combustão da boa música e, neste disco, essa arte atingiu o apogeu do brilhantismo nesse sentido.

Aqui as sinapses se conectaram de uma forma nunca antes vista. Primeiro porque as músicas do Portishead em estúdio já eram absurdamente complexas pelas camadas e camadas de samples e partes tocadas, segundo porque o segredo da banda é a atmosfera, pois ninguém grita em um show desses caras. Existe o apluso entre as faixas, mas jamais durante, ou seja, faltava equacionar a densidade sonora novamente, deixar o culto a par do nirvana que antes era eletrônico e, agora, seria orquestrado.

E quando isso foi feito e, o material sob o palco chegou a impressionante marca de 50 pessoas, era hora de encontrar um local para abrigar o evento. Foi quando o Roseland Ballrom caiu como uma luva e o resto é história e a música, um exemplar de raríssima qualidade. Que começando com ”Humming”, ”Cowboys” e ”All Mine” (grandes hits do debutante ”Dummy”), deixam os telespectadores e ouvintes plenamente aclimatados a esta nova atmosfera de sentimento retumbante, de um instrumental rico e um sentimento que quase dói.

Tema após tema nossos ouvidos são desconstruídos, é uma performance absurda atrás da outra, e o incrível é o que a banda fez com tão pouco conteúdo, afinal de contas eles só tinham dois trabalhos na bagagem. E isso parece não ter significado nada. A elaboração dos arranjos recriou takes como ”Mysterons”, ”Only You” e ”Half Day Closing”, só que em NENHUM momento essa parede de notas orquestradas abafou o trio principal, especialmente a porta voz disso tudo: a fantástica Beth Gibbons e sua voz que sente e acalanta cada nota,

São temas que não podem ser advinhados. Nunca é possível saber para onde a música vai remar, é algo que vai além da nossa compreenssão, é tão óbvio como o caminho que a fumaça de um cigarro ao vento irá traçar, só que mesmo não sabendo todos querem um GPS para chegar em ”Over”, um pedacinho de ”Glory Box”, ou um gostinho de ”Sour Times”, por que quando chegar em ”Roads”, a rede não cobre o sinal. É nessa faixa que o show acaba para todos (mesmo sabendo que depois ainda tem ”Strangers”), mas o estrago é tanto que na faixa final acredito que todo mundo apenas a use para tentar assimilar o baque anterior.

É um momento que todo mundo anseia viver para poder contar aos filhos, aos amigos… Uma passagem de tempo que para ser traduzida em palavras leva anos! Escuto faz uma década e ainda não sei como relatar tal fato. O que sei e o que sinto é que toda vez que aperto play nesse som é como se ficasse de joelhos, como se o oxigênio que faz minha mente funcionar dependesse das notas dessa faixa e, que sem ela, tenho um colapso. Quando tudo chega ao fim, volto para a realidade e quando se escuta Portishead isso é o que seus ouvidos mais temem: o retorno a vida em silêncio, embalada à vácuo e ar… Ainda bem que existem balões de oxigênio.

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