Concert for Danni: a melhor das auroras para a baianidade cósmica de um Chacal

A vida é uma teia de relações surpreendentes. Muitas vezes conhecemos pessoas com conexões musicais, espirituais e familiares, que na hora pode até parecer fruto do acaso, só que no fundo o destino comprova que as coincidências não são apenas uma combinações de acontecimentos randômicos. O critério é muito mais profundo do que isso. 
Tudo que nos atinge foi gerado por algum estímulo e quando este chega ao fim, é nossa responsabilidade fazê-lo reverberar como um legado. As energiais permanecem pulsantes quando corpos celestes partem, por isso que o nosso trabalho, enquanto neste plano, consiste em cuidar para que certas coisas continuem sempre por aí, tocando, vibrando em ondas e esbanjando uma baianidade cósmica que não pode se perder.
E foi exatamente com tudo isso nos planos, que o dia 18 de julho de 2015 entrou instantâneamente no hall de memórias de todos que estiveram presentes no ”Concert for Danni”, celebração que além de compactuar com os 49 dias de transcendência do Hofner mais baiano da história, também marcou por reunir apenas os ouvidos interessados na boa música, arte que Danniel Costa dominava com absoluto requinte e uma classe que apenas os grandes conseguem destilar.
Foi uma honra fazer parte deste dia de alguma maneira e é uma senhora responsabilidade descrever todo o ocorrido. Pouca vezes me senti tão confortável dentro de uma casa de espetáculos, e o ambiente livre do Matilha Cultural foi o palco perfeito para um dia que, além de reunir quatro belos exemplares sonoros da nova cena local, agregou amigos que só estavam juntos naquele mesmo espaço, graças ao Dandy do Dendê.
Foram mais de 4 horas de muita música, ótima energia e sublime positividade. Pedro Pastoriz, homem encarregado de abrir os trabalhos, foi elementar quando abordou o ótimo clima que permeou o recinto, e fez questão de continuar com as boas vibrações quando começou a entoar as composições de seu ótimo debutante solo, grande trabalho lançado esse mês.

O criativo compositor também não deixou de prestar tributo aos mestres e tratou de apresentar alguns standards que moldaram tudo que sua musicalidade alcançou hoje. Mostrando que as influências seguem batendo na porta, apesar de ter criado algo com sua própria assinatura no contra cheque da jam.

Foi uma apresentação intimista, completamente livre e espontânea, assim como seu novo disco. Trilha sonora que preparou a estrutura da casa para o Mescalines Duo subir ao palco e mostrar com quantas jams se pratica um crime de excesso de volume.

Jack Rubens & Mariô Onofre possuem uma química absurda no palco. Até a relação da dupla com o público é interessante. Jack fica de costas, parece que ele troca informações por telepátia com seu comparsa, reverendo baterista que tratou de nos mostrar o lado baiano de Buddy Miles com seus fundamentos Jazzísticos, espírito cru made in Rock ‘N’ Roll e um peso nas viradas que nós achamos apenas nas melhores famílias.

O improviso impera no som dos caras, os riffs entram por baixo da catraca sem pagar passagem mesmo e foda-se, ninguém liga. Funciona muito bem e a fluência do som foi tanta, que não seria exagero dizer que os caras fizeram o show em praticamente dois takes. Foi denso, mas libertador e teve de tudo, rolou até delírios de Karl Marx com as ideias kamikazes de ”Não Roube, Se Aproprie”, claro.

No intervalo deste show, após o recolhimento de uma taça de vinho quebrada por Jack (acredito eu, que por excesso de vontade), a próxima atração marcada era o Bombay Groovy. Coletivo que além da exploração sonora sem limites, teve que segurar o groove mais um pouco em virtude de problemas técnicos envolvendo o playmobil da bateria, coisas de vida já diria André Arcângelo.

Mas foi aí que o momento mais especial da noite teve início. Exatamente quando a grade teve que ficar suspensa, o mesmo André tomou a liberdade de contar ”causos” sobre o saudoso Danniel. A platéia deu risada, os amigos do mestre das notas graves se identificaram e, a partir daí, mais pessoas subiram ao palco para se expressar, arte que Danniel também foi soberbo.

No fim das contas esse foi o melhor atraso de show que já tive o privilégio de presenciar. Jimmy Pappon foi elementar quando salientou a força das linhas do criador do Riff swingado de ”Tala Motown”, a energia do baixista estava lá: o mais importante para esse man era valorizar o encontro, e neste dia a reunião foi sublime.

Logo após o concerto do lego da Estrela, o show pode retormar o fluxo e apresentar um Bombay Groovy inspirado, fluente e classudamente pesado. Passando pelas linhas de muito bom gosto no Hammond, açucaradas elevações na batera e lindos insights no sitar e na guitarra do quase francês Rodrigo Bourganos. Cidadão que estava particularmente inspirado nessa noite e que além de esquentar o amplificador com a Bombay, fez cosplay de Jimmy Page com o lindo cover de ”Going To Califórnia”, entoado de forma grandiosa por Murilo Sá.

Foi mais um grande show, outro momento que coloca a prova todo meu vocabulário de sinônimos e que além de explorar os caminhos das ”Auroras”, apresentou um tema inédito, criado especialmente para as festividades. Falo sobre ”Chacal”, apelido do sagaz Danniel e que, em meio a todo o dinamismo instrumental do trio, mostrou uma banda visceral quando preciso e que apesar do alto padrão técnico, não perde o feeling e consegue transmitir mais sentimento do que muito grupo com vocal por aí.

Mas isso não foi tudo. Ainda tivemos a chance de encerrar a noite no habitat natural de Murilo Sá & seus comparsas do Grande Elenco, que ao som do excelente ”Sentido Centro”, embalaram um track list que assim como ouvimos em disco, é um best off em potecial. Seja com a chapação chromakeyniana de ”Eis Que Eu Tento Me Entreter” ou ao som da bilíngue ”Está Tudo Bem (It’s Ok)”.

Rapaz, foi massa! Teve Erico Jônis fazendo o groove para a Bombay, Bourganos improvisando com o Grande Elenco, Mariô entrando em cena com seu conterrâneo, Jack Rubens dichavando riffs (dessa vez sem quebrar taças, fazendo uso de um genial copo de plástico). Pastoriz com Murilo & Mescalines, Murilo mais uma vez só que mandando ver no baixo com a Bombay…

Acho que não teve um que não entrou no improv rapaz, foi uma homenagem a tudo que importa desde Johan Cruyff até Aleister Crowley, paralelos que jamais poderiam ser traçados sem o elo Danniel Costa.

Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma criança, a fidalguia deste evento foi maior do que um coquetel com a presença do Duque de Kent. E a festa não poderia ser encerrada com outro som que não fosse Stones, grupo pelo qual o homenageado sempre nutriu grande admiração e que ao som de ”Dead Flowers”, reuniu praticamente todos os nomes citados no palco.

Foi um grande momento, purificou alma & ouvidos. Agradeço a todos os presentes e ao reverendo Paulo Baba pelas imagens que ilustraram esse dia de feixes psicodélicos. Exuberante foi pouco!

Deixar que os fatos sejam fatos naturalmente, sem que sejam forjados para acontecer,
Deixar que os olhos vejam os pequenos detalhes lentamente.
Deixar que as coisas que lhe circundam estejam sempre inertes, como móveis inofensivos, para lhe servir quando for preciso, e nunca lhe causar danos, sejam eles morais, físicos ou psicológicos.

Chico Science

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