David Gilmour – On An Island

Quando ficar velho terei muitas coisas para passar para os novos membros de minha linhagem genealógica. Não sei que momentos serão esses, mas tenho certeza de que terei que explicá-los para meus descendentes, logo, necessito de uma fórmula para torná-los tangíveis. Caso contrário meu parente de nova geração poderá pensar que está falando com um senhor levemente desequilibrado e não por motivos de labirintite.
Na maioria de minhas memórias que pretendem superar a barreira do tempo para encontrarem um ambiente fresco e arejado em novos corpos e mentes, creio que tenho uma boa leva de sensações sonoramente sinestésicas para passar adiante. tal qual a tocha olímpica. O problema é que uma delas não foi devidamente esclarecida e creio que nada mudará dentro de 40 anos… Algo que me assusta, pois esse pilar vinílico é de suma importância para meus sucessores.
E o pior é que nem mesmo a memória do primeiro momento exato me resta. Sou novo, fico preocupado com isso, até por que, creio que os primeiros segundos sejam chave, mas o pior nem é isso. O mais lastimável é saber que além de não me lembrar da trivial primeiridade, nem mesmo posso explanar o que acontece no som. No fim restam meus discos, mas o lado sentimental fica vago sem uma base histórica como embasamento,
Como vou sentar e explicar em palavras o funcionamento de um solo do David Gilmour? Como detalhar algo mais complexo que o funcionamento de um cérebro humano? Possuo apenas flashes em minha mente e os momentos são lindos, sublimes. Chegava no solo até prendia a respiração, chegou um agora inclusive, pera ai.
Bom, temos vácuos respiratórios entre memórias, como explicar que o solo desse monstro é um intervalo asmático? Como salientar o momento supremo do sentimento de um timbre que todos reconhecessem até em Marte, sendo que na hora o cérebro nem oxigenou pela falta de ar? Quase sinto raiva desse inglês por me fazer passar por tamanho embaraço, mas aí ele pega a Fender e faz tudo cair por terra.
Se a minha neta me ligar falando que se casou com um nazista enquanto este que vos resenha estiver ouvindo esse cara, falo que está tudo ótimo, vá com deus. Se a velha pedir o carro sou capaz de jogar a chave na mão dela e ainda falar pra testar o motor… O que esse cara faz é mais controlador do que a mídia, a publicidade e o poder dos velhos ditadores. Mas calma, ele vai vai solar.
É tudo tão errado mas tudo tão certo. Como que pode? O Pink Floyd possui dezenas de discos com o cidadão, sua discografia solo conta com mais uma mão de belos registros e, mesmo assim, tudo que posso falar para minha próxima camada familiar é que o feeling é tanto que não se explica, apenas se sente. Algo que foge de tudo, até mesmo do Floyd, quando o assunto é ”On An Island”, terceiro disco de estúdio do mestre, lançado pela dádiva de seus bends no dia 06 de março de 2006.

Line Up:
David Gilmour (guitarra/vocal/saxofone)
Richard Wright (piano/órgão/vocal)
Phil Manzanera (guitarra/vocal)
Guy Pratt (baixo/vocal)
Jon Carin (teclado/vocal/lap steel guitar)
Dick Parry (saxofone/teclado)
Steve DiStanislao (bateria/percussão/vocal)

Track List:
”Castellorizon”
”On An Island”
”The Blue”
”Take A Breath”
”Red Sky At Night”
”This Heaven”
”Then I Close My Eyes”
”Smile”
”A Pocket Of Stones”
”Where We Start”

É muito mais fácil ser clichê e falar para qualquer um pegar os solos do ”Dark Side Of The Moon” e simplesmente se perder lá mesmo durante anos e anos, porém é deveras complicado encontrar pessoas que indiquem a curta (mas belíssima) discografia solo do guitarrista. De fato, quando zerei a discografia do Floyd, me vi órfão de algo grandioso, mas apenas em tese, afinal de contas nem duas vidas são suficientes para apreciar o trabalho de uma das bandas mais brilhantes de todos os tempos.
Só que quando Gilmour toca sozinhom, sinto a mesma paixão de seus clássicos solos eternizados, até mais dependendo dos três trabalhos de estúdio e do live que formam sua imponente carreira solo. Creio que ”On An Island” consegue musicar tudo que jamais conseguirei colocar em verbos e predicados. Consegue, não só sintetizar a aura mágica desse grande mestre, como também deixa claro como sua guitarra era mais que solos: formava paisagens e criava climas, era a alma de qualquer criação.
Aqui ninguém brigava com ele falando ”faz assim David”, ”faz na brasa”, não. Em todos seus três discos o máximo que rolou foi um pouco de interferência de sua patroa na parte das letras, de resto sua guitarra reina absoluta e enfim, é a senhora de seu próprio tempo.

Guia o instrumental pelos caminhos tortuosos da independência de ”Castellorizon”, prepara o complexo arranjo de cordas para a vertigem progressiva da faixa título… Gilmour canta como um sábio que nos brinda com um conselho. Acompanhado de uma gaita no veraneio de ”The Blue” é capaz de nos revelar o segredo da vida. ”Take A Breath”, see the ”Red Sky At Night” e tente realizar o desejo supremo de ser uma outra pessoa que nunca ouviu Pink Floyd, para poder ouvir tudo que foi David Gilmour pela primeira vez novamente.
Conheça os poderes do crepúsculo ao som do sax de Dick Parry. O instrumental é fluído como um tarde ao luar de uma aurora boreau. O Blues se apresenta com o sentimento Gospel de ”This Heaven” e, a cada take, ”On An Island” comprova como sua Fender é inconfundível. Esse disco explica, faixa a faixa, take a take, como o britânico faz o que faz para criar algo com tanta luz própria.

”Castellorizon” é o lugar onde o mito cria, vivendo como se o homem fosse uma ilha. Depois do isolamento ele pega a guitarra, respira, olha para o céu azul e quando começar a tocar, enfim adiciona cores a aquaréla com o vermelho de Goya. Depois, já no paríso, fecha os olhos uma vez mais para contemplar a arte plena de ”Then I Close My Eyes” e apenas sorri para a vida, pronto para começar tudo outra vez.

Vou colocar esse relato no meu testamento, talvez seja mais palpável do que a minha asma crônica.
  

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