Spock MC – O Caminho, a Verdade e a Vida no Hip-Hop #dois

Spock MC, lenda do Hip-Hop e sua Literatura Interior faz 10 anos. Confira a segunda parte da entrevista que fizemos com o mano!

Spock MC
Foto de Fernando Gomes

Nesta segunda parte da entrevista que fizemos com o grande Spock MC, ele nos conta um pouco mais de sua caminhada, de sua passagem pelo 157 Nervoso, da sua aproximação com o cearense Rapadura, sua espiritualidade. Conversamos também sobre a feitura do cla´ssico EP Literatura Interior, e sobre o seu sumiço da cena, o MC nos contou sua visão sobre o papel do MC na cultura hip hop, e faz uma revelação bombástica! 

Oganpazan – Como você via o cenário local naquela época em termos de influências e riqueza criativa?

Spock MC – Aqui em Salvador, eu costumo dizer que os grandes Mcs da minha época eles nunca sofreram peso de influência a nível nacional eixo rio-são paulo, pra suas rimas né? para o desenvolvimento de seus estilos, eu nunca percebi isso eu sempre vi eles com uma autenticidade muito grande em seus trabalhos. Eu não sei como estão os meninos de hoje mas na minha época cada um tinha um estilo diferenciado e isso trazia muita riqueza, muito valor agregado para o hip-hop baiano, embora sem visibilidade 

E era uma coisa muito difícil de se ver né porque você olhava pra São Paulo, você via milhares de Facções Centrais, centenas de Racionais, então era tudo muito igual, mas aqui na minha época sempre teve essa singularidade de estilos e eu pude agregar o meu valor em tudo isso. 

Oganpazan – Como você conheceu o Diego 157 e o mano Man Duin? Como você se lembra do excelente trampo que o 157 Nervoso desenvolveu?

Spock MC – Eu conheci Diego 157 e Man Duin nos shows da vida, eu com a equipe de Saint Keith, nos eventos que DJ Leandro fazia. Man Duin eu já conhecia dos campeonatos de skate. O 157 Nervoso é fruto da comunidade da Massaranduba com exceção de Man Duin que era de Paripe e tinham outros integrantes além de Diego e Man Duin. Criamos um vínculo de identificação muito forte, uma amizade entre São Caetano/Cidade Baixa, e aí vieram as batalhas de rimas e esse elo foi se fortalecendo e de repente nós estávamos super amigos, então saíram alguns integrantes do 157 Nervoso e ficou aquela lacuna. Diego e Man Duin já davam conta né? Mas o fato de estarmos sempre juntos, eu já tinha algumas participações, e então surgiu o convite e pra mim foi muito interessante porque os caras já tinham aquela coisa do profissionalismo né e eu que tinha aquele estilo meio jogadão, eu terminei aprendendo muita coisa com os caras. 

Nós fazíamos bastante shows, muita gente gostava porque no palco a gente era bem compacto e bem harmoniosos, sabíamos o que ambos necessitavam e aí surgiu a proposta do disco. A gente já tinha muita coisa, os caras já tinham coisas amadurecidas e prontas pra gravar, eu tinha coisas também, surgiu o formato do disco, com as letras já prontas pra gravar e iniciamos o processo de gravação, registro fotográfico para capa, contatos para divulgação e pronto, lançamos.

Compartilhamos de grandes experiências, abrimos shows para grandes nomes do rap nacional como Racionais MC’s e Facção Central por exemplo, mas foi uma experiência pra mim muito bacana por fazer o que gostava com pessoas que sempre amei, e foi um peso na minha carreira. Logo um pouco a frente eu vi a necessidade de parar para desenvolver o meu trabalho solo, conversamos e os caras deram continuidade ao trabalho. Eu só tenho a agradecer a eles, e eu aproveitei o que pude. São pessoas que estão comigo até hoje, eu sempre lembro deles, guardo uma admiração por eles até hoje, são família para mim.    

Oganpazan – Mano, você teve uma produção muito fina com o Rapadura, conta pra gente como vocês se conheceram e como surgiu essa identificação.

Spock MC – Rapadura residiu um período aqui em Salvador e nos conhecemos, eu lembro que nosso primeiro encontro foi muito louco porque eu tive lá na casa dele, ele morava na baixa do Politeama, não lembro se foi Coscarque ou Diego 157 quem me levou, lá vimos algumas coisas e tivemos a ideia de dar um rolê. De repente, estávamos sentados um do lado do outro no ônibus e fizemos uma sessão de improviso que começou a superar qualquer nível de excelência, fazendo um dueto de improviso como se fosse algo combinado, um trocadilho assim que chamou a atenção do ônibus inteiro, motorista, cobrador, as pessoas estavam amando. A gente tava fazendo um improviso, o fino, o fino mesmo, coisa criativa mesmo, bagulho embaçado e a gente foi o percurso todo, fazendo esse dueto e assim surgiu uma identificação muito muito forte. No terceiro quarto encontro já tinha a ideia da letra “A Celebração”, fizemos juntos, escrevemos juntos…

Tem um bom tempo que eu não falo com ele, mas a gente criou um vínculo de identificação muito forte, ele também tinha as mesmas influências que eu, apesar de todo peso que ele tem de cultura e música nordestina, ele gosta das mesmas coisas que eu no undergorund gringo. A gente sentava e ficava estudando, avaliando, nós juntos trabalhamos muito nesse sentido de amadurecer nossas rimas, eu aprendi muito com ele, porque é um cara fenomenal ele é único, tem um estilo muito diferenciado e um nível muito elevado comparado a outros MC’s. 

Oganpazan – Conta um pouco para os nosso leitores como foi o processo de criação e de gravação do Literatura Interior? Quem participou da feitura do disco, como era o clima durante as gravações?

Spock MC – Eu sou grato a duas pessoas pelo Literatura Interior. ao Rapadura que me incentivou para fazer uma coisa minha, algo pessoal, ele me incentivou a  extrair algo forte, íntimo… E agradeço também muito a DJ Índio. O Rapadura produziu a faixa Literatura Interior, levei pra Índio logo em seguida e mostrei. Tem uma terceira pessoa a quem eu também sou imensamente grato que é o tio de DJ Indio. Carlinhos Boca, um músico renomado que já tocou com vários artistas da Bahia, e ele tem um estúdio e me cedeu a oportunidade para eu gravar o EP lá nesse estúdio. Eu abracei e o trabalho foi muito rápido, surgiu a oportunidade: – Meu tio disponibilizou lá, duas horas hoje, a gente gravava duas e foi nesse pique. Rapadura ainda produziu a faixa Reminiscência e DJ Índio produziu todo o resto e chamei Baga pra fazer uma. 

Se você observar o EP tem um formato muito interessante pois cada letra tem uma mensagem distinta, uma linha de flow diferenciado e essa é minha forma de escrita, eu gosto de andar em vários territórios diferentes, não gosto de fazer aquela coisa verticalizada demais, eu curto de girar em 360 e fazer algo interessante de ouvir sem soar repetitivo. E o disco chegou em alguns lugares, eu comecei a fazer trabalhos com Rapadura nos shows deles e viajamos. Eu levei esse ep pra SP, lá na região do ABC, deixei alguns lá. Na internet quem ouviu curtiu eu disponibilizei algumas faixas no myspace.com e algumas pessoas deixaram comentários lá, o próprio Nocivo Shomon que estava iniciando um trabalho solo foi lá ouviu e curtiu, deixou um salve elogiando o trabalho. Quem ouviu recebeu de uma forma elogiosa, e ele terminou sendo um pontapé inicial para os trabalhos que vieram em seguida. 

Como falamos antes, em off, eu iniciei um projeto de disco solo com Rapadura, todo autoral na parte instrumental por ele e escrito por mim, mas não tivemos sequência. Mas seria um trabalho que eu falava pra mim mesmo que seria o melhor disco, que alguém iria ter que me superar. Mas parei no caminho, houve os contratempos que eu também não me arrependo porque foi família. Meu pai faleceu, meu pai era um grande amigo a gente era bem ligado um com o outro, eu tive essa perda e todo um outro processo se iniciou em minha vida e esse projeto ficou no caminho. não ficou nem gravado, eu só lembro de algumas partes, pois até as letras eu terminei perdendo. 

Esse EP teve um show de lançamento, depois fiz mais alguns contando com muito apoio de algumas pessoas. Tive Baga no palco comigo, Elvis Kazpa, Man Duin fazendo dobra, me apoiando, e os shows eram muito loucos, a equipe vinha junto e se envolvia geral, o trabalho foi muito bom.  

Spock MCOganpazan –  Um aspecto muito presente na sua arte, é uma forte dose de espiritualidade, como ela influencia seu modo de ser e sua vida dentro do hip hop?

Spock MC – A parte espiritual sempre foi uma base né? um alicerce que me manteve de pé nas turbulências da vida nos momentos de adversidade, Deus sempre esteve presente. Eu tive uma infância muito difícil com meus irmão, dentro da minha realidade, eu passei por algumas situações que poderiam ter comprometido o meu futuro mas minha mãe me ensinou ainda muito cedo a orar, me apresentou a bíblia, e eu sempre tive esse cuidado de não negligenciar essa parte. Sempre me alimentar para que eu pudesse ser sustentado em momentos ruins que viriam, porque eu já tinha passado por fases difíceis e foi essa base que me sustentou, então eu não poderia abrir mão. É que nem você ir pra guerra desprovido das armas necessárias né? Ir com a espada mas não levar o escudo, então sempre tive a parte espiritual como fundamento necessário para minha vida. E isso foi muito relevante em todo o processo, pois eu passei por momentos onde Deus me livrou, e eu sempre gostei de expressar isso para poder testemunhar as pessoas que você tem que estar fortalecido em Deus. Eu nunca fiz questão de falar em religião, porque eu acho desnecessário, a gente respeita as religiões e tal, pois o próprio Deus não faz acepção das pessoas né?

Deus ele acolhe todos porque ele ama a todos, mas eu sempre quis trazer um despertar mesmo para essa parte assim de relação entre criador e criatura, quanto mais perto estamos de Deus mais a gente se sente assim fortalecido e a minha relação com ele sempre foi de pai e filho, e quando a gente canta o que vive não podemos omitir nada né? Ainda mais algo tão grande que é o pai celestial. Então isso sempre foi algo extremamente fundamental e necessário para tudo que eu realizei, a capacidade que eu adquiri nesse vínculo, tanto na linha de raciocínio, quanto na percepção das coisas, na parte da criação e sempre me fez muito bem isso, então a parte espiritual é realmente algo que sempre mexeu muito comigo e tem um valor inestimável.   

Oganpazan – Hoje o Spock ainda existe ou apenas o Ezequias pode ser encontrado? Você ainda escreve, compõe? Porque vocês se afastou do hip hop baiano?

Spock Mc – Então, hoje eu acho que o Ezequias existe tanto quanto o Spock, porque há um tempo atrás 95% do que eu fazia do que eu vivia era o Spock mesmo, mas hoje eu vivo uma realidade que eu negligenciei lá atrás porque tudo era rap eu respirava rap. Eu sempre gostei muito de estudar, eu lembro que o primeiro vestibular que eu fiz, nunca tinha prestado vestibular para nada, e nessa vez que eu fiz em 2011, passei nas duas fases para Geografia mas não cheguei a cursar, porque eu vivia só pro rap. Então não tinha essa atenção para construir coisas que iriam até me proporcionar subsídios, me dar suporte para eu contribuir no fomento a cultura, financeiramente nos meus projetos. E também a minha familia, pois eu tive um grande presente de Deus que foi minha esposa, quando meu pai faleceu ficou aquele buraco aquele vazio, e minha esposa veio para preencher esse espaço e casamos, construímos uma vida. 

Daí me veio todo o choque de realidade, buscar emprego, e eu nunca fui bom em conciliar duas ou três coisas ao mesmo tempo, então tive que me dedicar bastante ao lado familiar, e necessitava também de uma amadurecimento para certos momentos, e terminei indo trabalhar numa empresa de grande porte que me ocupou muito o tempo. Porém, nunca deixei de escrever, as pessoas podem pensar que estou parado, mas apesar da minha ausência física nos palcos e gravações eu posso afirmar que eu cresci muito como MC. Eu jamais diria que estou 100%, mas posso dizer que eu alcancei o nível desejado, algo que eu sempre desejei e que ficava imaginando se eu chegaria e hoje me sinto confortável demais.

E eu pretendo, sem aquele compromisso de me prender porque ainda estou concluindo algumas coisas, mas lançar faixas para as pessoas ouvir, gravar houveram diversas propostas também, recentemente DJ Poeira me convidou: Vamos fazer um disco, ele sempre teve essa vontade, nós somos muito amigos, e eu terminei dando aquele baratino nele, ele tava ligado. Recentemente, antes dessa entrevista, antes de te conhecer, eu estava escrevendo uma coisa que fala muito desse meu sumiço e das coisas que estão acontecendo no momento, e das coisas que chegam para mim. A título de conhecimento eu tô muito disperso, eu não sei como são os MC’s, eu não sei como são hoje os ambientes de show, não sei como estão as coisas, mas eu pretendo sim lançar umas cinco faixas aí, não vou nem estipular uma quantidade, mas vou lançar algo. 

Oganpazan – Você contou pra gente que existiu um projeto de disco com o Rapadura, conta um pouco do que seria esse projeto, se vocês chegaram a gravar faixas e o que estava sendo projetado neste trabalho!

Spock MC – Esse trabalho com Rapadura foi muito motivador na época porque ele me convidou pra participar de um coletivo de MC’s que ele estava encabeçando que era o Artivistas, então tinha Cleyton de Brasília, tinha Hulk e Chininha de Portugual uma galera boa.  E ele sempre teve esse desejo de produzir os discos individuais de cada integrante, e comigo devido a toda aproximação, a gente trabalhou juntos fazendo shows e ele sempre deixou isso claro, vamos produzir. 

E as coisas que ele produzia, era algo que se encaixa perfeitamente pois ele conhece por inteiro o que eu gosto, era como se eu entrasse numa loja onde só tinham roupas que eu gostava, era só escolher, tirar da arara e usar. Ele começou a produzir os instrumentais e eu comecei a desenvolver as letras, o projeto era de eu ir gravar em Brasília próximo dele, e terminou que não tivemos uma sequência nisso pois ele entrou numa fase de muita agenda de shows e eu deixei de seguir ele nos shows, pois meu Pai faleceu como eu já disse. e essa falta de foco impossibilitou. 

Mas eu tava curtindo muito tudo que estávamos fazendo, o formato do trabalho era algo para elevar mesmo a cultura hip-hop, como cultura e eu tava tratando de diversos temas concernentes ao hip hop a história, a parte comportamental, profissional, a essência do mc, do grafite, da dança. Era algo muito forte e o nível estava excelente. Quando eu pegava as letras para cantar em cima das bases eu ficava pensando nossa, isso tá lindo, quando isso tiver gravado será bom demais. Eu terminei perdendo as letras em mudanças de residências mas quem sabe podemos levar isso a frente pois sempre tivemos  afinidade. O nome do disco seria “Reformulação”! 

Oganpazan – Você sente falta de cantar, do clima do palco, das “celebrações” do hip-hop? Qual o legado que você acha que deixou para as gerações atuais?

Spock MC – Eu sinto falta dos palcos, estar presente ali na frente do público no calor humano e tal, eu sempre fui um cara de bastante performance né? mas por incrivel que pareça eu sinto mais falta hoje dos estúdios, pois eu sinto que eu fiz pouco estúdio. Eu fiz muito mais evento e sinto mais falta do ambiente de estúdio bacana e tal, poder gravar. Talvez esse sentimento seja por vir de uma época onde gravações eram escassas e apesar de ter alcançado um período mais legal nessa questão ainda sinto falta. Mas hoje, muitos tem home estúdios né? então hoje tudo é mais fácil.

O que eu tenho a deixar mano, para a galera que faz rap hoje é o exemplo, pois temos que fazer as coisas sempre pensando no exemplo, pois é o que vamos deixar. Muita gente faz o bagulho pensando em si mesmo, pensando na sua imagem, o rap também mexe muito com ego, o cara ali não era  nada, não tinha nome, não tinha a história dele, ele tinha uma história comum a todas as outras pessoas, e ele passa a ganhar visibilidade e ainda mais hoje com a internet, com as redes sociais. Nessa, ele passa a confundir as coisas, deixa o ter pessoas ao redor que investem, que falam do trabalho e que o elogiam, o próprio recurso ser maior do que sua essência né? Acho que essência é tudo, MC sem essência ele é só um rapper. A questão que vejo muito ser negligenciada que é  estudo, o estudo das origens, das próprias questões sociais, do conhecimento como um todo, é muito pouco conhecimento que se aplica, a gente tem que ter conteúdo a passar para não ficar redundante, e todo mundo terminar sendo igual. 

Algo que sempre me chamou atenção no hip hop foi a parte criativa né? O DJ ele estuda, o bboy ele estuda, o grafiteiro ele estuda se aperfeiçoa para fazer um traço mais detalhado, um preenchimento e o MC não pode ser diferente, eu acho que ele dentro da cultura, dos elementos ele é o mais desleixado ele não se aplica, não busca trabalhar o lado criativo, deixa bastante de lado e tem o desejo só de escrever, mas não busca o nível de elevação desejado, pra chegar num nível bacana para escrever bem, alcançar outros picos de pessoas que precisam ouvir. O rap é uma linguagem universal ele precisa ser espalhado para todos tipos de pessoas, a gente não tem mais hoje essa barreira de preconceito, então tem ter mais trabalho na parte criativa para que a mensagem seja ouvida pelo maior número de pessoas possíveis.

Ouça abaixo o EP Literatura Interior, compartilhe e comente a matéria!

 

-Spock MC – O Caminho, a Verdade e a Vida no Hip-Hop #dois

Por Danilo Cruz 

 

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