kolx & Keith ou Uma Mixtape fora do tempo do rap nacional! Tipos de Rochas e Minerais não vai ser digerido pelo gosto médio da cena nacional
A música nasce do espaço interior dos seres humanos, através de um exercício de pensamento que não se baseia meramente em aspectos visuais ou se referencia à objetos concretos. E nasceu na Bahia, mais precisamente em Salvador, a mixtape mais inovadora do rap nacional em 2020. Até aqui, dado tudo que ouvimos. Após lançar sua primeira demotape Naufrágio na Crosta do Ser (2019) no ano passado, o artista baiano kolx chega com sua britadeira poético musical aprofundando possíveis buracos de minhoca no rap nacional!
Uma produção que certamente dará trabalho para ser digerida pelo gosto médio do rap nacional. Fruto do trabalho de colaboração do MC kolx (Underismo) e do produtor e beatmaker sul-matogrossense Keith, Tipos de Rochas e Minerais (2020) chegou no dia 04/09 às plataformas digitais. A primeira mixtape de kolx é uma verdadeira profissão de fé à criação artística de um jovem negro que tão novo já guarda dentro de si o caos que nos rodeia. E certamente essa mixtape é sua primeira estrela a brilhar no céu do rap nacional. Assim os caras denominam o trabalho:
“A Mixtape Tipos de Rochas & Minerais é o tórax linguístico de kolx (Underismo) e o olhar sintetizante de Keith (Guild). O projeto de estreia dos dois artistas, tem lançamento previsto para o dia 4 de setembro. A mixagem e masterização foram feitas pelo engenheiro de som, SE7E (Guild) e a captação de voz por DeusNoBruxo (Underismo), no estúdio Kaffeína Record’s e a arte visual pelo artista torajjjjosu. Com 37 minutos, divididos entre “ambiências”, interlúdio e faixas, o disco abre uma rachadura no meio de seu próprio organismo para efetivar um harmônico estudo de si.”
É fundamental entender de saída que o caos que kolx traz dentro de si, nos chega de modo muito bem pensado, estudado e provocador. A estrela que ele nos oferece em seu novo trabalho experimental busca de nós o esforço necessário para compreendermos bem a sua luz e o espaço que ele busca clarear e os outros que ele busca escurecer.
O exercício de ouvir Tipos de Rochas e Minerais (2020) é, apesar da imensa inventividade, da singularidade ímpar que o trabalho conjunto dos dois acima mencionados transborda, uma busca e um deleite. Não nessa ordem, pois as 15 faixas que compõe a mixtape deslizam musicalmente de modo sublime pelos ouvidos. As ideias vão na medida em que ouvimos e sem muito alarde, sem ardis conhecidos, nos capturando, nos fazendo imergir em busca de entender melhor as rimas.
O deleite existe pela música que a mixtape exibe de modo solar, com tons de melancolia e um boas doses de humor através de beats, colagens e samples, que produzem uma audição deliciosa e calma. Restando ao discurso subjacente a obra a função de provocar o ouvinte para que esse busque compreender o que está sendo dito ali, ou o que está apenas sendo instigado. Abre-se uma caixa de ferramentas inaudita para a feitura desse trabalho, e produz-se uma artesania que coloca em cheque toda a produção do rap nacional.
A preguiça e o paparico de mídias e de público que jogam o jogo seguro das produções assentadas em solo constituido, aqui recebem o risco como revide. kolx experimenta até ao nível do não reconhecível, fala o que não se pode compreender, produzindo ruído sobre linhas belissímas e incisivas.
Produz duetos atemporais com cantores e cantoras através de colagens, insere parábolas ao longo do disco. E constrói com isso um disco que não abre mão da provocação, e em forçar o ouvinte no aprofundamento de um experiêmncia grandiosa, intelectual, afetiva e sensorial. Escutar Tipos de Rochas e Minerais (2020), não é difícil, não é uma atividade dolorosa, mas se atentar às diversas camadas que as faixas e o seu conjunto proprõe é uma atividade de outro tempo.
O tempo do rap nacional hoje imprime uma rapidez de consumo e um exercício de saciedade que implica em fórmulas já conhecidas, talvez mesmo no underground. Letras muitas vezes construídas com clichês e palavras de ordem, bem arrumadas em alta técnica, recebem um contraponto fundamental aqui, quando não se ouve as próprias linhas do kolx, ou quando seu flow apesar de bem aplicado recebe algum tipo de distorção que impede a absorção da mensagem em sua completude.
Se você se atentar para o começo do disco e as colagens utilizadas, verá a utilização de um disco de ornintológia, que abre os trabalhos. Ora, ao longo do disco o que podemos perceber é que estamos diante de passaros estranhos, não serão eles os “canários do reino” do atual rap nacional. Estão mais para aves do paraíso, seres míticos, ou mesmo rememoradores das górgonas e do seu mito, através do qual seu grito incetivou a deusa Atena a desenvolver a música.
No entanto, são os tambores, os lamentos de uma diáspora complexa que vai balizar todo o trabalho, através dos beats, colagens, mensagens, poesia e samples. Um disco que não tem nada parecido para referenciar, porque como uma colcha de retalhos, produziu uma cara totalmente singular.
E a essa singularidade não cabe interpretação, é colocar ela para funcionar, disco sem rosto, rimas sem voz, sussuros poéticos, beats classudos, colagens vindas de paragens muito diferentes da Namíbia, dos passarinhos, da Gal e da Bethânia. É entrar na onda, sentir a música que kolx & Keith fizeram e buscar produzir o sentido que você é capaz, porque é importante que se diga aqui, se você não conseguir produzir sentido quebrando essas pepitas, o azar é seu.
Sem sombra de dúvidas, a plurivocidade e a polifonia presente em Tipos de Rochas e Minerais (2020), seduzirá àqueles que querem perceber outras dimensões possíveis para aquilo que chamamos rap, em termos de tempo e espaço musical. O choque dessas duas ilhas inventivas, produz um abalo sísmico em nossa compreensão sobre o que ainda hoje entendemos em termos de “ritmo” e “poesia”, coloca-nos em xeque. E nos resta a entender essas outras formas de se falar de amor, ancestralidade, política, amizades, estética, ética e mais um monte de coisas que devem tá nos fugindo agora, Tempos Fugit!
Aqui temos o trabalho mais inventivo, experimentalmente de que tivemos notícia a ser lançado esse ano, se seu ouvido não suporta, passe para outra coisa. Se sua mente não processa, faça o mesmo, passe adiante. Porém, se você tiver interesse em ouvir outras possibilidades de fazer música rap, aqui temos uma bolsão de minerais e rochas para que você consiga se nutrir e esculpir o sentido mais belo possível. Tá tudo aqui, de modo bruto, sem concessões, uma pedrada como se diz!
Veja também o vídeo do Gusmão sobre o disco aqui
-kolx & Keith ou Uma Mixtape fora do tempo do rap nacional!
Por Danilo Cruz