Stefanie MC, uma rainha no hip hop, sacerdotisa do boombap! Traçamos um perfil histórico e uma breve análise sobre essa grande artista nacional!
A caminhada da Stefanie na cultura hip hop nacional é única, sobre ela paira uma aurea que poucos possuem, sem enxame, sem milhões de singles, sem hiper exposição, essa mana sem disco solo já é parte fundamental da história da cultura no Brasil. Dar o play em uma de suas participações marca nosso corpo a ferro e se você não estiver embotado e engessado por uma série de preconceitos e pela preguiça que hoje é quase regra, você irá atrás do trabalho dela. Resolvemos facilitar pra você.
Em uma entrevista ao excelente canal o Fino da Zica, Stefanie além de contar sua caminhada, definiu o que ela entende por flow como uma brincadeira com crianças, onde a cadência é o termômetro do “estilo do brincar”. Isso é bastante simbólico e revela-nos através de uma analogia o que sentimos na prática ao ouvi-la. O swingue da mc oriunda de Santo André no ABC paulista é uma coisa que hipnotiza, que faz com que esqueçamos do tempo, e tudo isso é preenchido por um conteúdo lírico onde a maloqueiragem está sempre elegante, sem nunca derramar feiúra nas ideias.
Foi na segunda metade da primeira década desse século que nos foi dada a benção de conhecer esse imenso talento, que ao que parece foi mais escolhida do que escolheu. Foi pelas mãos do Grão Mestre Kamau, junto ao lendário grupo Simples que no disco Escuta Aí (2006), a arte de Stefanie nos foi ofertada e a mc já chegou grandona e sem medo. Aqui como em outros grupos cabe-nos perceber uma obviedade que já era evidente desde o início das mulheres no rap, o fato de que Stefanie rima de igual pra igual com seus companheiros e ao mesmo tempo deixa bastante ressaltado seu estilo unicamente singular. E olha que Stefanie estava aqui ao lado do Rick e do Kamau, que dispensam apresentações e junto a Dj Will fechavam o bonde do grupo. Esse adendo, só é importante porque ainda vivemos numa cultura onde os homi são mais valorizados que as muié, por isso ressaltamos o quanto é óbvia essa questão.
Um pouco depois Stefanie colou com outro coletivo sinistro no selo independente de Santo André PDD (Pau-de-Dá-em-Doido), criado por Enézimo, e aqui podemos perceber como nem o machismo segurou essa mana, que como algumas outras colocou seu nome na história na marra, em participações em grupos de hegemonia masculina, e mesmo assim se destacando. Ao mesmo tempo, é junto com algumas outras mcs como Inee Style, Paola Evangelista, que Stefanie participa dos excelentes mixtapes DJ Nato_Pk – Pau-de-dá-em-doido Vol. 01 e 02 (2010-2012). Esse selo, reuniu um bonde gigantesco nesses dois trabalhos com a nata do rap paulista, e apesar do nome parecer que estaremos diante de um som mais gangsta, o bagulho aqui é o boombap de inspiração na Golden Era. Vale muito a pena, conhecer esses dois trabalhos.
Saltamos para o primeiro dream team do rap nacional formado só por mulheres: Rimas e Melodias. Alt Niss, Drik Barbosa, Karol de Souza, Mayra Maldjian, Stefanie, Tássia Reis, Tatiana Bispo, chegaram em 2017 e marcaram a nossa história com um projeto necessário que poderíamos dizer, foi lançado ao mesmo tempo ou na mesma sincronicidade em que se inicia uma nova era para as mulheres no rap nacional. Talvez, estejamos sendo apressados mas é a partir de 2017 + ou -, que num certo timming histórico aumentou-se e muito o número de lançamentos de mulheres no rap nacional. De qualquer sorte, mais uma vez Stefanie – aqui junto as suas – marca o seu nome na história, com o lançamento do já clássico Rimas & Melodias (2017).
É curioso que toda a história da Stefanie é a da fazer história sem estar com os holofotes todos direcionados a ela, sempre envolta por coletivos, grupos ou em participações, e mesmo assim ela cunhou um estilo muito próprio, seu tom de voz é inconfundível e marcante, seu flow é “aulas” e a forma como ela “brinca” com ele para transmitir ideias importantes, é inesquecível.
Toda essa caminhada é desconhecida de muitos e muitas. Se algum desavisado chegar no canal da Stefanie no youtube pode ter a ilusão de que ela começou no rap a mais ou menos 1 ano, pois lá só encontrará poucos singles que começaram a ser lançados, em um trabalho solo com Mulher MC (prod. Dj Wiil) e que abriu os trabalhos com um excelente videoclipe:
O videoclipe produzido pela JAMBOX e dirigido por Arthur Bellini (JAMBOX) e Danilo Velloso (Absurdo Filmes), é uma aula ou melhor, um culto onde essa sacerdotisa do boombap, nos mostra a atualidade do estilo, a força do real espírito hip hop. Coladas no clipe com Stefanie, estão grandes nomes do rap nacional atual como Juppiter, Mc Sofia e Tássia Reis, assim como outra grande pioneira: Rubia RPW. A trajetória que a levou a coroação como uma das Rainhas do Hip Hop fica explicitada na letra, em cima do beat do Dj Will, Stefanie vai enfileirando sua escolha, seus objetivos e os obstáculos que enfrenta para ser o que é: um Mulher MC.
Um trabalho feito com muito auto controle e que vai aos poucos nos apresentando uma outra Stefanie MC, que vai muito além da técnica e das boas linhas e vai nos mostrando um mundo interior, rico, equilibrado e que possui muita certeza de si.
Quando falamos em sacerdotisa do boombap talvez você possa ter pensado que esse termo estava superestimando a Stefanie, como um das rainhas do hip hop só se você for surdo e ou analfabeto para não ter lido e nem ouvido nada posto acima. No audiovisual de “Muita Calma” (part. Tatiana Bispo), Stefanie caminha ou melhor seria dizer levita sobe as batidas cadenciadas do Grou, em outro audiovisual marcante. Com a Tatiana Bispo dando o toque brilhante de R&B (que Stefanie ama) ao refrão, vemos uma lírica que aborda com muita tranquilidade um assunto delicado.
Pois bem, assista o clipe acima e descubra como essa mc devota a sua arte ao entendimento do que melhor pode expressar o espírito humano, que aqui se desvela num audiovisual extremamente bem elaborado no roteiro que a própria música propóe. As imagens muito bem focalizadas, assim como os enquadramentos e movimentos da camêra são habilmente manipulados de modo a deixar um pouco mais óbvio para você machohop que seus sentidos estão diante de algo raro. Não vamos comentar mais…
Após esses dois audiovisuais, a mc paulista soltou três singles Pelos meus amores com a participação do Lino Krizz e com a produção do DJ Soares, Minha Parte com o velho parceiro DJ Nato_PK e por fim Chato com a produça do Grou. Que junto aos trabalhos anteriores vão preparando o público para o seu primeiro disco solo, algo muito esperado por quem ouve realmente rap, e não apenas o hype.
Por último, mas não menos importante Stefanie esteve na segunda edição do Poetisas no Topo no canal da Pineapple Storm, tendo a responsa de abrir os trabalhos da cypher que reuniu Winnit, Ebony, Lourena e Cynthia Luz, e a Kmilla CDD super veterana e das mais brabas do rap nacional. E dentro de um roll interessante de nomes e perspectivas de nomes emergentes e veteranas, podemos notar a força da arte da MC de Santo André.
Nesse contexto em que estamos vivendo atualmente, em meio a pandemia do Corona vírus, é bem provável que o disco de estréia da Stefanie atrase um pouco. No entanto, temos aqui a honra de apresentar um roteiro bem elaborado da caminhada dessa que é uma das rainhas do hip-hop nacional, uma sacerdotisa do boombap a quem devotamos nossa fé na potência da arte negra da qual ela é um dos canais mais relevantes em nosso país!
-Stefanie MC, uma rainha no hip hop, sacerdotisa do boombap!
Por Danilo Cruz
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