Nêgo Roque vive sobre os Beats Profundos d’OQuadro ainda teremos muito o que dizer sobre esse afro futurismo que acreditamos e queremos!
Me questionava o que teria a dizer sobre esse novo clipe do OQuadro e sobretudo me inquietava a necessidade de “noticiar” algo produzido por esses caras. Mais uma notícia nessa miríade de informações, que mais desinforma do que qualquer coisa. A produção da verdade no tempo em que vivemos, entre memes e fakenews é o completo oposto do que essa turma de Ilhéus merece ao produzir algo.
A tentativa de coloca-los dentro de um cenário que em grande medida é feito de mentiras e de um jogo ególatra transmutado em auto elogio e selfies, é desonroso ao Nego Roque e tudo aquilo que como obra de arte, ele propõem. A cena é outra, é do campo da criação ininterrupta de outras possibilidade para pensar a música, a política, a arte, a cultura hip hop. Afinal, tudo que esse disco contém é diametralmente oposto a tudo o que está posto, como condição para o “sucesso” imediatista de views, ou reacts que criam celebridades.
Seria necessário um anti-jornalismo pra romper o ruído que a comunicação instagrâmica de imagens pomposas e fáceis, produz. De algum modo, é preciso fazer outras coisas passarem junto com a música do OQuadro, que de resto e por si mesma nunca está só. Em seus Beats Profundos Nêgo Roque vive.
É notório perceber o quanto o estabelecimento de jargões e atitudes é incorporado sem nem uma nesga de dúvida, e o “liricismo” dentro do ano passado foi um deles. Nenhum problema com a palavra, como sempre, afinal sempre curtimos ouvir as mais diversas manifestações poéticas acompanhadas das mais diversas liras.
A pergunta que deveria se colocar é se existe alguém nessa mesma sintonia, na medida adequada para perceber que o “ano lírico” é toda hora e desde sempre. Aliás, é anterior inclusive à tradição grega e suas liras. Mas é preciso um pouco mais de esforço, e talvez cheguemos nas origens reais. Talvez, só talvez, no final das contas, será o Tamborismo (salve Nelson Maca) a palavra-conceito que precisamos para pensar o rap. E quem cantou essa letra bem no ano passado foi o disco Nêgo Roque.
Nessa brincadeira, se trocarmos Liricismo (a lira grega) por Tamborismo (tambor africano), talvez consigamos reestruturar o jogo sobre as bases originais que a cultura hip hop produziu em termos musicais, conceituais e estéticos e que estão na sigla que chamamos música R.A.P. (Ritmo e Poesia). E nessas bases originais Nêgo Roque é o personagem conceitual adequado, o mais bem colocado, infiltrado dentro do ano lírico, mais como um Sidney Poitier (No Calor da Noite) do que como Shaft.
O time d’OQuadro nesse quesito (Tamboristas) joga fácil e de modo revolucionário produziu mais um disco que é senda para um futuro, re-pensando sobre bases realmente originais e afro futuristas. Um time todo composto por craques que devotam suas vidas realmente à música, a política cultural e a pesquisa, de modo a trazer conteúdo artístico que por isso tudo, foge às léguas dos perigos da atualidade.
Nessa fuga arrastam uma série de vetores, capazes de tirar desse jogo aqueles que escutam de fato e de direito a sua música, para além dessa corrida de ratos da indústria cultural. No vetor musical, por exemplo, o OQuadro negocia com uma riqueza rítmica que está em outra galaxia, muito distante do “lixo fordista” que é o novo rap acústico, por exemplo. O disco é todo trabalhado no groove com uma riqueza musical que o orgânico e o digital trazem, como nunca antes feito nesse país na área do rap.
Basta ouvir as bandas que são merecidamente clássicas do nosso rap e na comparação veremos o quanto a turma de Ilhéus elevou o nível do “game”. Comparação que só serve aqui como dado e não como elemento de desvalorização dos mestres que vieram antes, como Faces do Subúrbio, Pavilhão 9 e etc..
Se música é também aprimoramento da nossa sensibilidade, a comparação serve para nos mostrar o quanto o OQuadro musicalmente está muito a frente da maioria de tudo que está aí. Mas também não deixam de incorporar o prato de Dona Edith, por exemplo, assim como as lições dos pioneiros.
A outra metade do Tamborismo do OQuadro é composta por três mc’s que produzem linhas inesgotáveis às reações e análises que pretendem quantificar o numero de multisilábicas, wordplays e punchlines. Os rapazes responsáveis pelo conteúdo poético cantado – porque o conteúdo musical é também poético – caminham com facilidade, de Ice-T a Sêneca, passam como quem não quer nada por Zé Ramalho e Fanon. Isso ninguém vê, ou quando enxerga, fica sem reação.
O fato é que a critica especializada no Brasil especializou-se em masturbar aquilo que gosta, jogando o jogo fácil da publicidade tornada informação jornalistica. Num campo em que é flagrante a ausência geral de pensamento, o novo público é educado por canalhas e energúmenos dentro das pequenas janelas do youtube.
Nêgo Roque observa e segue na rua como um velho punk, daqueles esquisitos e atemporais que observamos curiosamente nas ruas. Mas, o preto velho não deixa de fazer suas críticas afirmadas em música. Afirmativa em posturas que rompem com tudo isso que aí está, seja no campo que for.
Se você chegou até aqui na leitura, eu não vou me alongar muito mais. Jair Cortecertu vaticinou outro dia: “OQuadro é a melhor banda de rap do Brasil”. Só nos resta, a mim e ao meu amigo, seguirmos ouvindo esses caras, porque é esse afro futurismo que acreditamos e queremos. Quem tiver ouvidos pra ouvir que ouça.
Ps: OQuadro lançou um clipe ontem, é bonito, tem um dos Nêgos Roque bem bonito no clipe cantando e ele também toca baixo na banda além de cantar, chama-se Ricô. Pra tirar mais onda ainda, Ricô assinou a direção de arte junto com Pedro Itan que é o responsável também pela captação e finalização.
Quem tiver olhos pra ver que veja: