Reverendo T & Os Discípulos Descrentes lança Os Azuis (2018) um disco reunindo os maiores e melhores sermões do pregador nos últimos 10 anos
A música blues é desde os seus primórdios o veículo de expressão do lado pagão e mundano dos homens e mulheres criado durante o período da escravidão estadunidense. Longe da confiança em qualquer resolução celeste para os seus problemas, só restava-lhes cantar as amarguras. Amores perdidos, as dores da opressão, ou mesmo louvações aos prazeres carnais.
Reverendo T & Os Discípulos Descrentes joga nessa brecha entre o mundano e o celestial. E a começar pela capa com lindas flores e um ceú azul “celeste” a brilhar, passando pelo nome do artista e da sua banda, o signo é o da provocação. Pois o conteúdo da bolacha difere bastante do descrito acima, creia!
Os Azuis (2018) chega agora como uma especie de “suma teológica” desse Reverendo do lado sujo de nossa existência. Reunindo o trabalho dos discos e EP’s lançados, mais uma inédita e uma relíquia que agora ganhou vida pública. Uma coletânea que traça um panorama de quase uma década de carreira desse bluesman baiano e de sua banda.
O disco conta com 11 faixas próprias e em parcerias que vão trazendo ao ouvinte aos poucos e na toada do blues alguns importantes sermões do Reverendo T, que não pretende converter ninguém, senão agregar aqueles que sabem reconhecer irmãos rebeldes. “Amor Bandido” é a inédita que abre o disco e o faz com muita qualidade, Irmão Carlos participa da faixa tocando e gravando essa composição da dupla Tony Lopes (O reverendo) e Lucas Kelsh. “Broto Democrático” segue na linha anterior de louvor ao amor, às paixões arrebatadoras, destaque importante nessa faixa é a inserção inesperada de um sample percussivo ao final da canção. Trazendo um colorido estranho, mas que conseguiu casar bem com o solo de guitarra.
A soturna “Pai e Mãe” é uma outra mostra da iconoclastia musical do Reverendo T, entre programações eletrônicas, sons de berimbau, atabaques, o seu blues vai ganhando cores próprias. A letra da canção que nos fala sobre um ser infecto, vil, ignorante, é um estranho reconhecimento de figuras que parecem ter saído de contos de terror, mas que habitam por vezes nosso cotidiano, basta olharmos com um pouco mais de atenção nosso cenário politico atual.
Seguindo nessa cartografia da alma humana, o Reverendo produz uma ode aos desajustados, aos loucos e aos rebeldes que desde os tempos primevos sempre atravessaram a sociedade. Aos quixotes de ontem, de hoje e de amanhã, “Contra Moinhos de Vento” é uma autoafirmação blues rock pesada, dos que não tem preço, dos que não se vendem. E mais uma vez é importante destacar aqui o excelente trabalho das guitarras ao longo desta e das outras faixas.
O blues rock segue na auto depreciativa, “Muito Prazer”, que pode ser lida como o outro lado do quixote acima referido, só que um outro lado visto pelas lentes dos ajustados. O slide guitar aqui come solto e a bateria reta dá a direção e marcação da música. O Reverendo ri das tentativas de redenção vindo do céu e prefere terceirizar as orações em seu favor, é o tema de “Peça por Mim”. Já “Desculpe” faixa seguinte é a tentativa de redenção fruto do reconhecimento das nossas fraquezas no trato com os outros. É aqui, uma boa mostra desse blues eletrônico muito bem construído pelo Reverendo T & Os Discípulos Descrentes.
Se tivéssemos que selecionar uma das canções do disco que seria utilizada em panfletos para distribuição da palavra do Reverendo T pelas ruas da nossa cidade, “O Meu Lado” seria a escolhida. A canção deixa bastante claro, o modus operandi e o jeito de pensar que os Discípulos Descrentes devem seguir. “Quem Pode Explode” seria a inscrição frontal da Igreja se o Reverendo quisesse abrir uma, mas não é o caso e segue aqui como mais uma afirmação da potência humana de criar mundos, seja através da arte, mas também no nosso cotidiano mais comum. Afinal, viver também pode alcançar um status estético.
É estranho, mas o disco Os Azuis (2018) do Reverendo T & Os Discípulos Descrentes foi o álbum que nos levou a conhecer o trabalho desses bluseiros soteropolitanos. E acreditamos firmemente que vocês deveriam conhecer também. Um disco coletânea que é uma excelente forma de conhecer o trabalho do Reverendo e se re-ligar ao blues em terras brasileiras, Creia.
O disco é um lançamento da Trinca formada pela Bigbross Records, Brechó Discos e São Rock Discos, e pode ser adquirido também na nova sede desse triunvirato cultural que recentemente foi inaugurada em Salvador. Estamos falando da loja Bardos Bardos, novo ponto de encontro da música independente em nossa cidade.