Aki Takase se coloca numa transformação sonora constante, que revela a cada novo álbum algo novo sobre si.
As mulheres estão presentes no jazz desde os primórdios, embora o acesso à sua prática lhes tenha sido dificultado. Tendo sempre que brigar por diferentes frentes e formas para conseguir alcançar as minimas condições para realizar aquilo que aos homens sempre foi permitido fazer, partiram para luta, pois mulher no jazz durante muito tempo não podia ser. Às mulheres era permitido cantar, por isso os grandes nomes femininos do jazz estão vinculados ao canto: Bessie Smith, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Billie Holliday, dentre tantas outras.
Algumas conseguiram romper essa fronteira após décadas e ir um pouco além em tempos em que o machismo ainda era resistente como ferro no meio jazzístico. Alice Coltrane destacou-se ao piano na virada dos sessenta pros setenta, chegou onde nenhuma mulher instrumentista havia chegado até então. Tornou-se uma band leader e construiu uma carreira sólida e de respeito. Atualmente Esperanza Spalding alcançou o status de pop star, algo impensável uma década atrás para uma jazzista, ainda mais tendo o baixo como instrumento.
Essa série especial “A Força Feminina do Jazz” busca trazer aos holofotes as grandes jazzistas mulheres e suas contribuições para esse gênero musical durante quase seus 100 anos de existência. Nas últimas décadas o número de mulheres liderando seus próprios grupos de jazz , big bands também, cresceu consideravelmente. Contudo são pouquíssimas que chegam a ter seu nome conhecido pelo grande público de jazz e mesmo ter o devido reconhecimento junto ao mundo do jazz.
Na segunda edição da série “A Força Feminina do Jazz”, trazemos a pianista japonesa Aki Takase, cujo traço mais característico está em sua busca constante pela desconstrução das tradicionais estruturas harmônicas e melódicas rumo à abstração. Diferentemente da jovem Camila George, jazzista da primeira edição de nossa série, Aki Takase possui uma carreira longeva, iniciada nos anos 70.
Já no início desta década liderou seu primeiro grupo, aos 25 anos. Em 1978 fez sua primeira viagem aos Estados Unidos e em 1981 excursionou pela Europa pela primeira vez. Liderando seu trio, apresentou-se em importantes festivais como o Berlin Jazz Festival.
Sempre interessada por ultrapassar as fronteiras do seu tempo, Aki Takase se manteve em busca de inovação. Nos anos 90 adotou uma formação incomum para se fazer jazz, o duo, tendo assumido parceria com a cantora portuguesa Maria João. O interesse pela experiência de fazer jazz em dueto, a levou ao encontro do saxofonista David Murray, com quem gravou dois álbuns. Arrojada, a pianista japonesa faz transcorrer diferentes matizes e tonalidades pelas melodias e harmonias que cria. Abaixo a resenha de seu último trabalho, realizado em parceria com David Murray.
Aki Takase
Banda: Aki Takase & David Murray
Álbum: Cherry – Sakura
Selo: Intakt
Data de lançamento: 17 de fevereiro de 2017
Em 1993 a pianista Aki Takase e o saxofonista tenor David Murray combinaram suas vivências musicais no álbum Blue Monk. Ambos detentores de carreiras consolidadas e longevas, compartilham o gosto pelo experimentalismo e pela abstração.
Em Cherry – Sakura, mostram uma simbiose admirável, fazendo seus instrumentos dialogarem com intimidade e entrosamento espantosos. Conseguir esse resultado não é tarefa fácil, ainda mais se tratando de apenas dois músicos, apenas dois instrumentos. Admirável ouvir Takase costurando a trama harmônica para seus improvisos e os de Murray. Os revezamentos dos solos são executados magistralmente, fazendo-nos ficar admirados tamanha eficiência e entrosamento da dupla.
A dificuldade inerente à gravação e mesmo execução de composições em dueto torna esse álbum ainda mais interessante, convidando-nos a refletir sobre as interações ocorridas durante o processo de construção da obra.
A sensibilidade de Takase em “Blues for David” gera conjuntos harmônicos de encaixe perfeito às melodias saídas do sax de Murray. Existe uma carga dramática na execução de Takase nessa faixa, acentuando o sentimento blue da música. Em “Let´s Cool One”, a dupla capricha em sua versão para a composição de Thelonius Monk. De posse do clarone, Murray encontra movimentos esparsos, abstratos saindo do piano. Isso contribui para a formação de uma atmosfera rarefeita, dando à versão uma dupla identidade. Soando ao mesmo tempo de modo a remeter à versão original e sugerindo novos conceitos.
Quase impossível não imaginar as conversas, os ensaios e a edificação dessa sintonia responsável por criar uma obra de tamanha complexidade, leveza e inspiração. Além de causar admiração esse álbum mostra a impressionante sintonia entre dois músicos, cujo grau de excelência sobre seus instrumentos, permitiu ultrapassar todos os limites, atingindo uma liberdade criativa de amplitude imensurável.