Com o EP lançado no ano passado, a 1050 Mobb cantam com autenticidade real, o cotidiano em Diamantes das Esquinas!
Don L “twitou” recentemente que a dualidade gangsta/mensagem empobrece o rap e que o gênero deveria aprender com o samba e cantar o cotidiano. É justamente isso que a 1050 mobb faz em seu trabalho no cenário sergipano. Tanto no aspecto lírico quanto no visual, a recusa da dualidade boba citada por Don L, e a busca de uma abordagem que representa o cotidiano é marca registrada do grupo.
Desde o single ‘Casa Amarela’, passando pelos clipes do 1050EP, que trazem elementos-chave como a garrafa de pitu, que reapareceria no clipe de ‘4PESOS’, passando por letras como as de ‘Sadsong’ que trazem os mais profundos tormentos da mente de um jovem negro, e também por todos do backstage que tornam isso possível, os responsáveis por beat, figurino, fotos e imagens de capa são amigos e familiares. Ao menos muito raramente se vê algo na produção do grupo que não dialogue com a vida diária. Isso tudo alcança o ápice no audiovisual do seu trabalho mais recente, o EP Diamante das Esquinas (DDE), lançado no ano passado.
Tudo fica evidente já a partir das locações. Os pontos escolhidos foram justamente aqueles nos quais os integrantes do grupo cresceram. Iniciamos na vila na qual mora a família de Lukush, passamos pelo campinho do Parque Diamante no bairro Ponto Novo em Aracaju, com Vitu, nos dirigimos para o Eduardo Gomes aonde Guiza nos apresenta todo seu talento e depois voltamos para o Ponto Novo com Luan, dessa vez na linha do trem, cujo soar das rodas nos trilhos e o som do seu apito aquele que vos fala pode dizer que na infância ouviu.
A produção, já carimbada, é por conta de Teko (on the track), que mostra, como sempre, sua versatilidade e qualidade em beats de trap, boombap, plug e detroit. As filmagens e edições são de Esdras Amaro, que captou perfeitamente a proposta do EP e nos traz planos estáticos focados mais na apresentação do ambiente, que é sempre o último que deixamos de ver nos clipes, mesmo depois de os rappers deixarem a cena.
As letras, como sempre, nos trazem uma vivência verdadeiramente real. Logo no início da sua faixa, Guiza deixa claro que só transa fim de semana. E por mais cômico que isso possa parecer inicialmente, é uma realidade muito bem conhecida e vivida pela maior parcela da população brasileira, que depois de turnos de 8 horas de trabalho remunerado e outras tantas de deslocamento, trabalho doméstico, estudo e descanso, não têm tempo para transar se não num sábado ou domingo.
Inclusive, o trabalho é algo que marca presença extremamente forte em ‘Estradas Estreitas’, primeira faixa do EP. O amor pela família não podia deixar de dar as caras e aqui se manifesta principalmente na figura da mãe, sendo citada tanto por Guiza como por Vitu. Lukush, por sua vez, focaliza sua imagem familiar, ao menos nesse EP, no pai, trazendo as preocupações genuínas de um primogênito.
Diante dessas vivências cotidianas e angustiantes, o sonho com o sucesso tem um significado muito maior do que o que geralmente se espera. Em “Vida de Artista”, Vitu nos traz um aspecto de gratidão e dívida, de alcançar o topo para poder retribuir por tudo que a mãe fez por ele, e nada menos que isso vai ser satisfatório. Nesse sentido, a vida de artista se transveste de uma necessidade de subsistência para além do óbvio. Não é por hype, não é por fama nem por dinheiro em si, é pela percepção de que, aos melhores, que fizeram o melhor por nós com o que podiam, só é possível retribuir de fato com o que há de melhor. O pouco, o que basta, o suficiente, nada disso faz jus à gratidão que se sente. E por isso falamos de subsistência, pois é apenas quando finalmente chegamos lá que nos sentimos aliviados, com a sensação de tarefa cumprida.
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Todos esses aspectos, como dito anteriormente, são lugares-comuns da produção da 1050mobb. No DDE, contudo, eles se fazem presente matizados pelo passado. O projeto é antes de tudo uma revisita, um re-olhar e o reconhecimento de que é a partir das vivências passadas que o presente se constitui. Se nas produções anteriores os dilemas e dificuldades da rotina eram apenas apresentados, agora eles são justificados pela história de vida de cada um.
E por isso, em “Estradas Estreitas “, faixa de Lukush, ele não nos apresenta apenas a sua vila como também sua família, que é creditada nos agradecimentos do clipe. Além de agora compreendermos melhor de onde vem todo o peso do trabalho que ele sempre demonstrou nas suas letras, como em “Brilhos ‘n Brilhos”, cujo clipe foi filmado em ambiente de trabalho.
De forma semelhante, em ‘Puma’, Guiza também faz uma revisita a suas vivências. Dessa vez, contudo, querendo distância delas, por reconhecer todo o mal que certos “amigos” o fizeram. E assim, se firma no presente como a antítese desse passado e rejeita qualquer diálogo com ele para além da ressignificação. Se antes ele não era um bom aluno, agora dá aulas. Se os falsos amigos falam pelas costas, Guiza fala na cara. E mesmo a figura da mãe é caracterizada aqui com um certo desagrado pela vida de artista na qual ele, apesar disso, se mantém firme para orgulhar a si mesmo.
Tudo isso culmina, no entanto, no terreno nebuloso de definição que é ‘Motivacional’, a última faixa do EP. Nela, Luan inicia com uma fala calma, aconselhadora e profética: “Acredite nos seus sonhos, negro […] Nem tudo que a gente procura, a gente acha”. E nada mais surpreendente poderia surgir daí do que o detroit brabo que começa a tocar.
Quase nenhum dos aspectos trazidos nas outras letras são aqui reapresentados. A imagem sagrada da família dá lugar ao rabo da tanajura que ocupa mais metade do corpo, o trabalho duro cede espaço à exaltação sarcástica da qualidade da 1050mobb e o sucesso por vir é trocado pela autoestima preta mais debochada possível. Nada no audiovisual parece condizer com a música. O nome da faixa, a fala inicial e até o figurino parecem não se relacionar com o beat e a letra. Mas nessa névoa de indefinição tem algo bem estável, a identidade do próprio Luan. Na premiére do lançamento dos clipes do EP, ele deixou claro que deu vazão à sua pessoa e mostrou na música a sua faceta mais real. Assim, as opções aparentemente desconexas e a letra um tanto deslocada da rotina são, na verdade, a melhor representação de estabilidade, porque fixada na rotina da identidade particular de Luan.
Tudo isso torna Diamante das Esquinas a consagração de uma estrada que é percorrida desde 2021. Vitu, Luan, Lukush e Guiza são diamantes raros, que encontram na real vivência real (isso mesmo que você leu) a fonte de seu brilho. Mal lapidados porque recusam métodos falsos de plastificação, que é o que mais existe na cena nacional hoje em dia. Trappers e rappers que cantam justamente aquilo que foge da vida comum do jovem negro periférico, que cantam apenas os finais de semana e não o esforço de segunda que é acordar às 6 da manhã, que se vangloriam de enegrecer a família de uma branca, ao invés de se negarem a isso.
A 1050 Mobb, por sua vez, vira 2100 ao reconhecerem o valor das “gatinha”, que participam ativamente das produções. Além de o grupo encerrar o caso da cena sergipana, enxergando-a com um sharingan que revela as falsas aparências e influências coloniais enquanto se assumem livres desde o nascimento. No final de tudo, o que transparece no trabalho da 1050 Mobb é a própria MILICINQUEN…
-1050 Mobb, Os Diamantes Do 079 Cantam o Cotidiano no EP “DDE”
Por Marcos Roberto