Sound & Color – Alabama Shakes

Sound & Color - Alabama Shakes
Sound & Color – Alabama Shakes

Até que ponto uma banda pode passear livremente por influências diversas sem perder a sua identidade?

Sabemos que fazer um som genuinamente original é tão difícil quanto encontrar um gato preto num quarto escuro. Não existe nada em termos estéticos que possa reivindicar um ineditismo total em relação ao que já foi criado antes. Tudo que consideramos inovação está profundamente amparado em algo que já existia antes. Mesmo para aqueles que procuram estar sempre na chamada vanguarda essa imposição se mantém. Isso é algo que faz parte do nosso próprio processo de criação de conhecimento – que inclui a arte e, claro, a música.

Ainda assim, a originalidade é um critério bastante utilizado para avaliar objetos artísticos. Quando alguém diz que tal banda é original já ficamos interessados, porque isso geralmente está relacionado a algo bom. Em meio à enxurrada de comodismos e repetições de fórmulas comercialmente consagradas, a originalidade costuma ser reverenciada – muitas vezes até com um certo exagero.

Esse exagero não se aplica ao Alabama Shakes, banda da cidade de Athens no Alabama que acaba de lançar na internet o seu segundo disco. Desde que deu as caras em 2012 com o ótimo Boys & Girls, o grupo despertou interesse de ouvintes mundo afora com sua proposta bastante peculiar. Não é muito difícil identificar as influências do Alabama, do blues-rock sessentista de Creedence e Janis Joplin à soul music de artistas como Etta James e Aretha Franklin. Porém, o aspecto que se sobressalta é que mesmo trabalhando dentro de um universo musical bem conhecido a banda é capaz de configurar os elementos que compõem a sua sonoridade de maneira tão singular que termina soando como algo realmente novo.

Se no primeiro disco a gama de referências já era enorme, em Sound & Color a banda amplia ainda mais o seu leque, sem necessariamente fugir da proposta que agradou tanta gente há três anos atrás e arrancou elogios de figuras como Jack White. O ponto de partida continua praticamente o mesmo, mas desta vez com investidas certeiras no funk e no r&b. A faixa que abre o disco (batizada com o mesmo nome do álbum) nos coloca no clima que irá permear todo o registro. Ali, já podemos perceber na introdução que o Alabama Shakes parece estar apostando em voos mais altos, sensação que se confirma a cada faixa escutada.

A já divulgada Don’t Wanna Fight vem na sequência e trás um ritmo mais dançante apresentando a inserção da banda no r&b e no funk – o refrão dessa música remete diretamente a algumas músicas de Micheal Jackson. A banda mostra enorme desenvoltura ao explorar novos territórios, se apropriando de tal forma dos elementos desses estilos que o resultado final carrega algo que parece ter se consolidado em definitivo no novo disco: a marca registrada do Alabama Shakes.

Definir o que é que configura essa marca não é uma tarefa tão simples quanto aparenta. Podemos destacar que o instrumental é sempre econômico e preciso, trazendo uma atmosfera, digamos, vintage (o que não se limita à simplesmente emular as décadas de 60 e 70, mas exige uma consciência específica dessa apropriação); que as estruturas das canções brincam o tempo inteiro com as expectativas criadas pelo que já é consagrado em cada estilo; podemos dizer ainda que um outro traço característico da banda é fazer um soul caipira com uma aura indie que funciona muito bem com o público de hoje. E sim meus amigos, tem a voz da Brittany Howard!

Acredito que Boys & Girls colocou Howard no mapa das grandes cantoras da música americana atual, enquanto Sound & Color pode consagrá-la como uma das mais versáteis e talentosas cantoras da sua geração. Sound & Color é um verdadeiro tour de force para a vocalista. O disco a desafia em diversos momentos e ela corresponde a altura. Da suavidade de This Feeling à força de Miss You, Brittany Howard ora soa como Janis Joplin, ora como Aretha Franklin sem deixar de imprimir uma personalidade própria às suas interpretações. Em Future People ela entrega um vocal tão agudo que em alguns momentos chega a soar parecido com uma gaita. E não tem nada de exibicionismo nisso. Cada nota emitida pela cantora está ali em função do que a própria música exige. 

Mas o disco não se limita apenas à excelente atuação da Brittany Howard. A banda em si parece ter evoluído bastante desde o primeiro disco. A qualidade das doze músicas do novo álbum também colocou à prova o talento dos instrumentistas, levando-os a um patamar superior ao que já havia sido apresentado até aqui. A própria Brittany Howard arrisca-se com segurança em solos de guitarra mais longos (pelo menos em comparação com Boys & Girls) como acontece em Gimme All You Love e em Gemini. Já os teclados de Ben Tanner ganham um destaque maior e em diversos momentos fogem ao bê-a-bá da soul music para enveredar por caminhos mais próximos ao pop (The Geatest) ou para compor ambientações mais lisérgicas (Sound & Color). Até mesmo o discreto contrabaixo de Zac Cockrell encontra seus momentos de glória ao longo do disco.

Não podemos esquecer também do magnífico trabalho de Steve Johnson; e nem tinha como. O baterista é sem dúvida nenhuma um dos grandes destaques de Sound & Color. Muitos exemplos podem ser evocados para demonstrar o que estou dizendo, mas uma música em particular deixa isso muito claro. The Greatest começa como uma espécie de punk rock e vai mudando para levadas que não costumamos encontrar em canções desse tipo. Johnson consegue fazer essas mudanças de andamento de maneira fluida e precisa, mostrando o seu arsenal de recursos como instrumentista. A contribuição do baterista é fundamental para o sucesso do disco, que ao explorar diversos estilos precisa dessa versatilidade na condução dos ritmos.

Ainda existem outras jóias em Sound & Color que eu gostaria de mencionar. Em Gess Who (uma das minhas faixas preferidas) o Alabama vai por um caminho pouco explorado no disco anterior, que é a afinidade da sonoridade da soul music com o reggae, e mais uma vez eles acertam em cheio. Já na faixa que fecha a obra (Over My Head) ouvimos a banda flertar com elementos da música eletrônica, sem muita participação das guitarras na construção da harmonia e contando com o teclado como seu principal condutor. 

O resultado final é tão bem sucedido que nos deixa com a sensação de que a banda ainda tinha muito mais para mostrar; no entanto, isso é algo que só saberemos mesmo no terceiro disco. Definitivamente Sound & Color é um senhor álbum e merece todo o nosso respeito e admiração. Aconteça o que acontecer podem apostar que a obra já tem presença garantida entre os melhores discos do ano.

Ouçam abaixo o disco na íntegra e embarquem nessa incrível viagem sonora conduzida com toda classe pelo Alabama Shakes. Não dá pra perder…

Nota: logo3_notalogo3_notalogo3_notalogo3_notalogo3_nota

Produção: Blake Mills, Heath Fogg

Selo: Rough Trade

Duração: 47 min.

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