Ruas Frias novo clipe do rapper Daganja

DaGanja-1-crédito-foto-Max-GagginoO preto é a cor mais quente

Max Gaggino, Daganja e Galf, um cineasta e dois rappers: primeiro escalão das artes baianas. O clipe do single Ruas Frias, se configura na junção da qualidade desses três excelentes artistas. Cineasta italiano radicado em Salvador, Max Gaggino já possui em sua carreira dois longas metragens, o autobiográfico Contracorrente e o importante documentário Menino Joel.

Daganja já passou por grupos pioneiros do rap baiano como o Testemunhaz e o Afrogueto, e possui dois excelentes discos em seu currículo solo: Entre Versos e Prosas (2008) e Tá No Ar (2011). Junto aos dois, a participação luxuosa de Galf, rapper sempre envolvido nos melhores projetos que aparecem na nossa city (Familia U-Gangue & Fraternidade dos Maus Elementos, são apenas dois exemplos) que vem na contenção fechando o trio.

O vídeo clipe relata, através de um excelente roteiro, as direções que muitos jovens tomam em nossas periferias, com atuações convincentes, movimentos de câmera muito bem pensados e planos pouco óbvios. Uma noção de unidade estética que certamente colocará esse vídeo clipe nas disputas de prêmios pelo nosso país. Apesar de parecer maniqueísta num primeiro momento e dar a leve impressão de se colocar no senso comum, resumindo as trajetórias dos personagens na escolha do bem contra o mal, o roteiro surpreende justamente por não cair nessa cilada.

A abertura do vídeo com os meninos pegando o baba nos lembra dos momentos alegres da infância nas favelas, que vive despreocupada (pelo menos, naqueles momentos), e que em muitos casos só possuem esse lazer e esperança de futuro. Os planos abertos utilizados pelo diretor auxiliam-nos nessa percepção. Vemos a malemolência e a ginga adquirida nas ruas e nos campos de futebol durante a infância e que aos poucos vamos perdendo ou conseguimos conservar, reconstruir. A vida nas periferias é dura, todos sabemos – o baba é pra pirão – e é no desenrolar desse jogo que vemos os dois personagens aparecerem no fim de um desses babas, ainda descontraídos, para começar no subir e descer da câmera a enfrentar as decisões importantes no jogo da vida.

Max Gaggino conduz uma narrativa cifrada onde podemos perceber muitos dos problemas que assolam nossos jovens, como a falta de perspectiva e preparo pra enfrentar um estado e um mercado racista e classista. Estes que tem por primeiro impulso impulsionar a exclusão, e é nesse ponto que as duas trajetórias se bifurcam. O plano americano é usado neste momento com maestria pelo diretor que nos aproxima dos personagens denotando toda a verdade das atuações, ideias e sentimentos que as cenas pretendem transmitir. Enquanto Galf recebe a noticia da gravidez de sua nega com felicidade e determinação, Daganja briga com sua fiel e fecha com o bang do Nova Era (Ravi, Moreno e Morango) pra ser mais um dos soldados a encher as fileiras do tráfico.

É então que a amizade dos dois personagens e a construção subjetiva diferente que eles desenvolveram no enfrentamento das dificuldades que se apresentaram, voltam a se bater. É interessante o paralelo que podemos traçar entre o rap e a amizade, pois no vídeo é a amizade quem resgata e é capaz de produzir uma critica que enxerga os verdadeiros polos benignos e malignos em nossa sociedade, a verdadeira palavra amiga pode servir de ajuda e socorro em momentos de desespero (aqui retratada em close-ups rápidos e eficientes, quase sempre tendo o cenário periférico de fundo); da mesma forma que a letra que ouvimos desde o inicio do vídeo. Tanto o rap quanto a amizade (quando verdadeiros) talvez precisem chegar sem julgamentos morais, mas na perspectiva de passar a visão correta para auxiliar os nossos a encontrar o caminho mais prudente para vencer. Max Gaggino faz a sua parte e produz as visões adequadas, o equivalente visual da obra musical de DaGanja e Galf.

Dadas às evidencias acima citadas, podemos perceber que o papel do rap e do cinema baiano neste agenciamento singular é produzir afetos quentes capazes de impulsionar prudentemente as caminhadas daqueles que habitam as ruas, becos e escadarias desta cidade e de outras quebradas do mundo. A constatação de que as ruas são frias e sem emoção não serviram de álibi para trabalhos mal feitos e pessimismo escapista. Antes a constante denuncia e o fortalecimento resistente aos poderes que subjugam constantemente nosso povo, na força das palavras e do ritmo. Parabéns a todos os envolvidos, o mercúrio preso no termômetro agradece a liberdade.

Ficha Técnica:

Direção: Max Gaggino
Direção de fotografia: Felipe Sampaio
Produção: Carcamano Filmes
Assistentes: Léo Rocha e Do Bad
Música: DaGanja part. Galf
Produzida e mixada por Idir Derdiche (Sharkes Beats)
Gravada no Studio Original por Braulio Passos

Articles You Might Like

Share This Article