Rick Wakeman em “Journey to the Centre of the Earth”

Rick WakemanComo o disco Journey to the Centre of the Earth mudou minha percepção sobre música. 

Gosto de música.

– Não, não, gosto não é a palavra certa –

Vivo música (pronto, bem melhor). Tenho a grande sorte (?) de rodear-me de pessoas que, também (aparentemente), são apreciadores da mesma. Gosto de debruçar-me sobre as melodias, ouvir os movimentos, sentir os caminhos que a música nos propõe. Vivo a música, a experimento, degusto.  Admiro a habilidade (a qual – claramente – não possuo) dos músicos de transmutar.

Pegam pensamentos, emoções, viagens e, magicamente (contando com a adição de doses semi-letais de trabalho) transformam-os em harmonia, som, vibração. Música de qualidade dialoga com a alma, vai direto ao espírito e encarrega-se de chacoalhar qualquer coisa “malparada” que encontre lá dentro. Música transmite energia, balanço, força. É terapia, é reflexão.

Gosto de música até (um pouco) demais, acho – Até por que, não gosto de admitir os problemas que tenho –. O curioso é que consigo pontuar – com uma exatidão que, se conseguisse aplicar às outras competências de minha vida, viveria bem menos esquecido – o exato responsável pela ignição de tal paixão em minha alma. Devo toda minha fascinação musical a um tal camarada britânico chamado Rick Wakeman, mais especificamente a um único álbum: Journey to the Centre of the Earth de 1974.

A união maestral de dois grandes senhores de suas épocas, Rick Wakeman – senhor absoluto do órgão e a da composição moderna – e Julio Verne – Mestre literato da ficção científica do século XIX. Jouney to the Centre of the Earth é um sopro de ar fresco (antigo, mas, ainda sim fresquíssimo) no meio de tantas realizações musicais sem criatividade, sem vida. De movimentos complexíssimos, amplamente trabalhados por uma competentíssima orquestra, o álbum propõe-se a explorar a aventura criada por Júlio Verne (mais do que) um século antes. Com uma alegria pueril, uma leveza admirável e, ao mesmo tempo, uma complexidade tenebrosa, Rick Wakeman acertaria o que, para este, é o feito de sua vida.

Lembro-me do primeiro contato que tive com tal álbum. Rick Wakeman e Julio Verne vieram até os sertões quentes rio-pretenses e estenderam-me a mão para uma jornada (figurativamente, né? Seus malucos.) até o centro da terra – e, também – de minha alma. Apresentou-se diante de mim, a união perfeita da minha maior paixão (ficção) com um ótimo hobby (música). 

Era, à época (ainda mais) jovem, meu atual gosto pela MPB, rock progressivo e blues ainda passava longe do meu “eu” do passado. Um jovem metaleiro (sim, todos temos o direito de errar – perdoem-me os metaleiros) vivendo em uma pequena cidade do sertão paulista, morrendo, algumas vezes de tédio e outras de calor, devido a minha péssima escolha de vestuário (e gosto) para a região em que vivia. Em uma fatídica tarde de verão – quente e miserável como a maioria delas aqui por essas bandas – um velho e grande amigo veio-me com um álbum em mãos dizendo que tínhamos de escutá-lo. Achei um pouco curioso, visto que não era nada de nossa – por assim dizer – alçada musical. Estranhei a capa, muito colorida para meu gosto, o nome – em minha doce ignorância – rotulei como tenebroso, a proposta – então – maluca. Após alguns longos períodos de convencimento – pois, como podem inquirir a qualquer ser próximo a este, contenho em mim toda reticência (e exagero) do universo – foi decidido (não exatamente por mim) que deveríamos ouvir tal disco.

Boom (sim, como uma bomba mesmo)! Minha cabeça explodiu. No respiro de um instante, um mundo de possibilidades de se abriu diante de mim. A união – polígama e cheia de amor – entre música clássica, rock and roll e literatura abalou profundamente meu ser. Novos horizontes musicais abriram-se ao meu redor, um mundo mais profundo, mais emocionante, experimental, louco. Disso veio Yes, de Yes vieram Floyd, Zeppelin, Hendrix, Joplin, Genesis, Crimson – A porta não fora aberta, mas sim, arrombada, destroçada, sem esperanças de arrumar-se. Após alguns anos, graças a uma rapaziada (ainda mais) maluca do que eu (Centro da Terra Power Trio) apresentaram-se Mutantes, Gil, Gal, Caetano, Casa das Máquinas, A Bolha, Joelho de Porco, Novos Baianos, Perfume Azul do Sol…

Muito mais do que, simplesmente, um gosto apurado, tal álbum mostrou-me um novo viver, pensar. A música tornou-se parte integrante do meu ser, de minhas reflexões, de minhas querelas, minhas loucuras. A mensagem de amor e paz começava a permear minha mente, um caminho para uma existência mais limpa, um viver mais pleno. Pode soar como loucura – e se, efetivamente o for, quem se importa? – para aqueles que não compreendem (pobres almas), mas minha paixão por música moldou (praticamente sozinha) meu “eu pensante”. Através da música bem feita, o barulho foi introduzido (ou remexido) em minha essência, a semente do movimento, da indignação, da luta, do questionamento, do pensamento foi plantada em solo fértil.

Através destas sementes nasceram o pseudo-escritor, o fotógrafo, o filmmaker, o educador. A turbulência incrustada em minha alma é dependente deste exclusivo momento. Tivesse eu me recusado a experimentá-lo, certamente seria outro hoje. Fica, portanto, o apelo: apreciem música, provem novas situações, deixem-se inundar por essa linda vibração que é o “desconhecido”, o “novo”. Deixem entrar um pouco d’água nos seus quintais.

Por Enzo Brena (texto originalmente publicado no blog Cotidiano e Café). 

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