Paula Holanda Entrevista: ROÇA SOUND

O Roça Sound é a síntese da música que emana das ruas e periferias de todo o mundo capturada pelo radar desses feirenses que fazem a Bahia toda balançar com seu som. Paula Holanda traz à tona os elementos que constituem a sonoridade do Roça Sound nessa entrevista cheia de balanço!

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Por Paula Holanda

Formado em 2007 pelo DJ e MC NickAmaro e pelo MC Paulo Bala e atualmente integrado também pelo MC Don Maths e pelo dançarino Ed Murphy, o Roça Sound é um grupo que mescla as culturas nordestinas e afro-americanas através de elementos do rap, do ska e do reggae, dentre outras influências de origem negra e periférica.

Conhecidos por agitar diversos eventos que englobam variados gêneros musicais e subculturas com suas performances eletrizantes e faixas que, segundo Amaro, “transitam entre o sensual e o social” — algumas que tratam de contextos mais gerais, outras que tratam especificamente da realidade de Feira de Santana —, o quarteto pode ser visto musicando shows de rock, batalhas de rap, eventos de pagode e até mesmo festas infantis, como pontua Paulo.

Autores de um único trabalho em estúdio, o EP Você Guenta Quantos Rounds?” (2015), o Roça Sound é conhecido, querido e abraçado por múltiplos grupos socioculturais do cenário feirense e já pode ser considerado patrimônio de Feira de Santana — o hino da cidade poderia ser facilmente trocado por “Chama o Motoboy”.

Paula Holanda: Como Feira de Santana se insere no trabalho do Roça Sound?

Amaro— Em todos os fatores. Nas composições, nas pessoas que participam dele, em tudo.

Paulo — A cidade é o ponto de partida para o nosso trabalho — é a partir dela que existe o Roça Sound. Ela é de importância gigantesca.

Don Maths— Feira de Santana é o ponto de partida do Roça Sound. A começar pelo nome do grupo, passando por nossa concepção musical e nossas ideias e congruências — Feira é uma cidade cosmopolita, que agrega várias culturas distintas. É um grande encontro de pessoas e culturas, pessoas do sertão e do litoral se encontram aqui por ser um entroncamento rodoviário. A cidade nos proporciona uma base para nos situarmos enquanto cidadãos — em nossa concepção musical, a gente procura retratar essas peculiaridades tão diversas, de um lugar tão especial.

Ed Murphy — Eu mesmo só tenho agradecer à Feira. Minha vida é Feira, eu aprendi a dançar em Feira.

Paula Holanda: Vocês têm influência de alguns gêneros musicais com históricos urbanos e periféricos — a exemplo do rap e do funk. Como a rua e a periferia de Feira de Santana, especificamente, interferem no que vocês fazem?

Paulo — Em suma, tal qual a cidade, a rua e a periferia são o que nós somos. Nós viemos da periferia, nós somos periféricos, nos alimentamos da periferia e devolvemos a ela o que aprendemos. A gente é a periferia, e normalmente as nossas composições tratam das nossas vivências, do nosso cotidiano.

Don Maths— A rua e a periferia são elementares no nosso trabalho. Eu sou formado em uma universidade, mas para mim, a verdadeira universidade está na rua e em todos os seus elementos. A rua como caminho, como ponto de convergência — a gente capta tudo isso para transformar em poesia e musicalidade. A rua e a periferia nada mais são do que a essência de nossas letras, da nossa vivência, da nossa história de vida. Elas são a nossa matéria-prima.

Ed Murphy — Quem me ensinou a dançar foi a rua. Eu tenho orgulho, em primeiro lugar, de Deus, em segundo lugar de mim e de ter aprendido a dançar na rua.

Amaro — Você vai encontrar referências periféricas do mundo inteiro nas apresentações do Roça Sound. As composições são mais voltadas às periferias feirenses, porque é mais coerente fazer música sobre elementos que nós vivemos, com elementos que nós podemos interpretar de uma forma mais sincera. Esses ritmos que balançam as periferias do mundo inteiro, como dub, dancehall, trapmusic, hip-hop, rap e o bahiabass, que é uma nova linguagem que está sacudindo as estruturas baianas, são todos linguagens que você vai encontrar nas apresentações do Roça Sound. A periferia tem um poder direto sobre nós, pois como nós fomos limitados em alguns sentidos por sermos periféricos, ela acabou nos impulsionando a fazer e buscar pelas coisas.

Paula Holanda: Eu enxergo um recorte de classe na produção independente — alguns escolhem trabalhar independente por mera escolha e liberdade estética, outros trabalham independentemente pois essa é a única forma de produção viável. Esse foi o caso do Roça Sound?

Paulo — Sim.

Amaro — Sim, isso. Foi o nosso caso também, isso mesmo.

Don Maths— Nós viemos de uma base mais voltada para o rock, para o punk, para o do-it-yourself. Se a gente não fizer o que a gente pensa, o que a gente acredita, acho que ninguém fará por nós. Essa sempre foi a nossa vertente. E ser independente, na verdade, é depender de tudo e todos — nós tentamos quebrar essas barreiras de classe e nos unir, a gente anda muito dividido e eu acredito que, unidos, podemos ir muito mais além do que uma andorinha só tentando fazer verão e remando contra a maré.

Paulo — E hoje em dia, esperar por uma grande gravadora é muito ultrapassado. Atualmente, até as bandas maiores têm o seu próprio estúdio e utilizam apenas a divulgação e a distribuição de grandes marcas e empresas. Acho que a autoprodução é o caminho para o futuro.

Amaro — E mesmo assim, o objetivo das bandas e produções independentes continua sendo gravar da melhor maneira possível. Para concorrer com pessoas que estão no grande mercado, você precisa trabalhar e se informar com pessoas que conhecem o que você quer fazer melhor do que você mesmo.

Don Maths— E a liberdade estética também se insere em nossa vertente, em nossa veia. A gente busca trazer vários elementos para o som do Roça Sound, não nos limitamos a um único estilo — existem gênios em todos os gêneros musicais. Nós captamos elementos do rock, da Jamaica, do funk, do gueto, da música eletrônica.

Paula Holanda: “Você Guenta Quantos Rounds?” foi gravado em um estúdio e mixado em outro. Por quê?

Amaro — Nós procuramos gravar nos estúdios mais viáveis e de melhor qualidade e tentamos levar o que gravamos para pessoas que entendiam a linguagem que nós estávamos falando para fazer a mixagem e conseguir atingir os timbres que a gente desejava. Por incrível que pareça, o grave ainda é novidade para alguns técnicos baianos. Mas nós procuramos técnicos feirenses que entendam a nossa linguagem, porque nosso interesse é que todo mundo evolua aqui, para que juntos a gente possa construir uma estrutura local e não tenha que gastar tanto lá fora, até porque a gente não tem grana.

Paula Holanda: Isso é bom. Vocês acham que o que vocês fazem é capaz de mudar contextos sociais ou relativos à cidade?

Paulo — Eu acho que qualquer trabalho é capaz de mudar contextos sociais ou relativos às cidades. Tudo o que se faz no mundo influencia todo tipo de pessoa. As pessoas se influenciam por variadas fontes, então qualquer coisa pode ou não influenciar alguém — creio que isso não seja uma exclusividade nossa. Nós não escrevemos com esse objetivo, mas é massa ver que as pessoas se divertem com o que escrevemos porque elas se sentem tocadas por isso. A gente tem um cuidado ao escrever, por saber que existe essa influência. Mas qualquer tipo de arte pode influenciar qualquer tipo de gente, para o bem ou para o mal.

Don Maths — Essa pergunta é muito interessante, talvez até um pouco filosófica. Em uma sociedade tão caótica quanto a nossa, nem as pessoas mais aptas a mudarem contextos sociais e políticos, que são os governos que se elegem às custas do povo, estão conseguindo promover alguma mudança. Nesse sentido, a gente se enxerga de uma maneira tão micro que nem sabemos do poder que temos para mudar esses contextos. Não temos uma influência macro, mas estamos mudando a cabeça e tocando o coração de algumas pessoas ao nosso redor, e se a gente toca de uma, duas, dez pessoas, isso é suficiente para acharmos que nosso trabalho importa. É uma honra fazer música e transmitir a arte e a cultura para o povo, e é disso que o mundo precisa, de bons exemplos. Em nossas apresentações, a gente procura transmitir certa alegria, uma esperança por um mundo melhor, e ao mesmo tempo denunciar o sofrimento do povo, o nosso sofrimento, e tem gente se identifica com isso.

Amaro — Se relatar coisas ruins for capaz de mudar as coisas ruins, a gente vai achar massa, e se relatar o que há de bom e isso deixar as pessoas felizes, a gente vai achar massa também. Espero que o que fazemos atinja as pessoas. Mas a nossa maior intenção é fazer música, sempre.

Paula Holanda: Isso me remete a uma reflexão que eu sempre tive durante as apresentações do Roça Sound — nelas, as pessoas estão sempre alegres e animadas, mas vocês passam algumas mensagens bem densas, que muitas vezes denunciam alguns tipos de negligência. Eu sempre me pergunto se esse público tão feliz está captando a mensagem que vocês querem passar.

Amaro — Essa questão é muito complicada, porque a música atinge cada um de maneira bem individual. A gente trabalhou entre o sensual e o social. Oswing atrai as pessoas, e ver Ed Murphy dançar também é bem atrativo. As letras só atingem no momento em que você para pra escutar de verdade. Acho que, nos shows, as pessoas não identificam as mensagens.

Paulo — Nós temos um verso que diz “mola na cintura, cabeça pensante”. As pessoas podem dançar nas festas e podem pensar em casa. Porque em festa, ninguém quer pensar em porra nenhuma não. Só quer se divertir, comer água e dançar. Mas a gente sabe que as pessoas podem parar para ouvir nossas músicas em casa, então não podemos escrever coisas rasas, senão as músicas ficam efêmeras e logo serão esquecidas. É massa que se dance, mas também é massa que se pense — na sociedade como um todo e nas coisas que estão ao nosso redor.

Dom Maths— É isso aí. Mola na cintura e cabeça pensante, mesmo. Fazemos música para dançar e pensar ao mesmo tempo.

Ed Murphy — A minha parte é dançar. Eles escrevem, eu meto dança.

Paula Holanda: Eu acho interessante vocês terem um dançarino. Como vocês chegaram a essa formação?

Amaro — O Roça Sound é consequência de outro grupo que eu tinha com Paulo. Ele acabou, mas continuamos seguindo a linha sound system e criamos outro grupo para tocar velhas e novas composições. DonMaths chegou junto e começou a cantar com a gente,depois conhecemos Ed Murphyno meio do caminho e o Roça Sound se tornou o que é naturalmente.

DonMaths— O Roça Sound existe desde 2007, com Amaro e Paulo, mas só estamos com essa formação há três anos. E a entrada de Ed Murphy foi bem natural, como Amaro falou. Ele se sentiu atraído por nosso som em uma apresentação do Roça e de repente estava no palco com a gente, e a aprovação do público foi notória. Ele agregou muito ao som do Roça Sound.

Ed Murphy — E o Roça foi a melhor coisa para mim. Eu morei na rua dos meus sete aos meus 15 anos, mas agora estou com eles, eles são a minha família.

Pula Holanda: Algum outro integrante já viveu em situação de rua?

Amaro — (risos) Não, só Ed passou uma temporada. Alguns já saíram de casa por um ou dois dias, mas já voltaram.

Paula Holanda: Vocês convivem com grupos e bandas bem diferentes, de vários gêneros musicais. Essas bandas influenciam a produção do Roça Sound ou o é a pluralidade musical do Roça Soundque facilita essa imersão em múltiplos cenários?

DonMaths— Acho que um pouco dos dois. Uma coisa sempre alimenta a outra, a gente tem facilidade para adentrar em ambientes diversos, mas esses ambientes acabam influenciando a gente também. Ficamos mais atentos a novas musicalidades a cada evento que fazemos e, por consequência, evoluímos muito mais.

Paulo — A gente tem muita facilidade para participar de vários eventos diferentes — já tocamos em show de rock, de pagode, de rap, de tudo. Isso não muda muita coisa no nosso trabalho, a gente só seleciona as músicas mais adequadas aos eventos. Mas até em festa de criança a gente toca.

Amaro — Nossa música se encaixa em vários cenários, principalmente por ser autoral e assim causar curiosidade. E é muito bom tocar com artistas de vários segmentos, a gente passa a valorizar muito os músicos depois que dividimos os bastidores com eles. A gente aprende muito em relação à produção, a como se portar, ao trabalho em si, tentamos sempre aprender com profissionais maiores do que nós.

** As fotos usadas nessa entrevista são de autoria de Daniel Sales.

Confira abaixo o clipe oficial de FSA lançado dezembro de 2014. O clipe foi dirigido por Leandro Souza.

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